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Jovens africanos fogem da pouco tentadora vida rural

Um agricultor na área de Woliyta, na Etiópia. Preocupa cada vez mais que não se esteja fazendo o suficiente para comprometer os jovens africanos na produção alimentar. Foto: Ed McKenna/IPS
Um agricultor na área de Woliyta, na Etiópia. Preocupa cada vez mais que não se esteja fazendo o suficiente para comprometer os jovens africanos na produção alimentar. Foto: Ed McKenna/IPS

 

Túnis, Tunísia e Adis Abeba, Etiópia, 4/4/2014 – Ketsela Negatu é filho de um etíope que cria cabras perto de Adis Abeba e se nega a seguir seus passos. O jovem de 19 anos vê de maneira negativa o ofício familiar, após observar as sombrias perspectivas econômicas oferecidas por seu pai. “Irei para a cidade e tentarei encontrar trabalho. Não sei o que farei, mas quero um emprego que pague mais e ter uma boa vida”, disse à IPS.

Negatu pensa como muitos outros jovens na África, pois os magros retornos financeiros e as perspectivas pouco animadoras da economia rural do continente os levam a abandonar o campo e migrar para as cidades. Além disso, preocupa cada vez mais que não se esteja fazendo o suficiente para comprometer a maior força de trabalho africana, seus jovens, na produção de alimentos, pois eles são essenciais para salvaguardar a segurança alimentar no continente, erradicar a fome e ter acesso aos mercados de alimento mundiais.

“Não há estímulo suficiente para os jovens participarem da agricultura nos países africanos. Os agricultores jovens precisam de bons preços para bons produtos. De outro modo, os perderemos quando partirem para as cidades”, disse Gebremedhine Birega, representante etíope da organização não governamental East and South African Food Security Network. “Por que deveriam fazer o trabalho duro e continuar sendo pobres?”, perguntou em conversa com a IPS.

A proporção de jovens na força de trabalho da África é a mais alta do mundo, com cerca de 35% na África subsaariana e 40% no norte da África, em comparação com 30% na Índia, 25% na China e 20% na Europa. Projeções do Banco Mundial indicam que 60% do aumento da força de trabalho mundial serão registrados na África entre 2010 e 2050. A previsão é de que o crescimento econômico na África subsaariana alcançará 6,3% em 2014, muito acima da média mundial.

Entretanto, os dirigentes do setor agrário que participaram da conferência regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), realizada entre 24 e 29 de março em Túnis, na Tunísia, concordam que esse crescimento prodigioso não está se traduzindo de modo suficientemente rápido no emprego para os jovens africanos.

Gerda Verburg, presidente do Comitê sobre Segurança Alimentar Mundial, disse à IPS que uma maior comercialização da agricultura aproveitará os jovens desempregados nas zonas rurais de África e criará um setor agrícola produtivo e rentável. Portanto, incentivará a segurança alimentar e criará renda decente e oportunidades de trabalho para os jovens.

“Temos que tentar reverter a mentalidade rural que diz que a agricultura é a última opção. Para impedir essa perda de mão de obra precisamos nos fixar em como melhorar as perspectivas financeiras daqueles que trabalham no setor agrícola”, afirmou Verburg. “As finanças do setor privado e das agroindústrias estão ajudando a modernizar a agricultura, criando cadeias de valor agregado que pagarão ao agricultor mais por seu trabalho do que o mercado local”, acrescentou.

O crescimento econômico no continente, e as vacilantes tendências na dieta da emergente classe média da África também proporcionam cadeias de valor atraentes e lucrativas para que os jovens produtores agrícolas participem delas, destacou à IPS o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva. “Há mercados emergentes, como o da aquicultura, onde estamos vendo um bom potencial para o crescimento. Mais investimentos nesses mercados darão maiores oportunidades para o emprego juvenil”, ressaltou.

Também se espera que a maior eletrificação da África rural ajude a reter a população jovem nessas áreas e a atender a aspiração de um estilo de vida moderno, onde têm um papel importante as telecomunicações e a conectividade à internet. Atualmente, menos de 10% das famílias rurais da África subsaariana têm acesso a eletricidade.

Cheij Ly, secretário da conferência regional da FAO, disse à IPS que um importante fator por trás da decisão dos jovens de emigrar para áreas urbanas é a falta de eletricidade nas áreas rurais do continente. “A eletrificação é uma necessidade fundamental para a economia rural da África. A produção agrícola moderna não é possível sem acesso confiável à eletricidade. Também perderemos os jovens que querem estar conectados e se comunicar por telefones e internet, se essas necessidades não forem atendidas”, pontuou à IPS.

Um investimento maior na agricultura africana pareceu um fato consumado quando os líderes africanos se reuniram, em 2003, em Maputo, para comprometer um mínimo de 10% de seus orçamentos nacionais para a agricultura e para aumentar o crescimento. Porém, dos 54 países da África, apenas nove (Gana, Burkina Faso, Malawi, Mali, Etiópia, Níger, Senegal, Cabo Verde, Guiné) conseguiram manter esses compromissos.

O baixo investimento está causando uma baixa produtividade e desbaratando o setor agrícola africano, que emprega cerca de 60% da força de trabalho do continente, mas representa apenas 25% de seu produto interno bruto. A falta de vontade dos líderes africanos está atrasando a expansão agrícola, ressaltou David Adama, da Action Aid International.

“Palavras vazias não encherão estômagos vazios. Os governos africanos devem cumprir suas promessas e dar mais dinheiro para a agricultura, além de garantir que seja melhor abordada para ajudar os milhões de pequenos agricultores, que são a maioria de seus cidadãos e produzem a maior parte dos alimentos da África”, opinou Adama à IPS.

Converter a agricultura em um negócio atraente para a juventude africana deveria estar ao alcance de seus países. A África tem cerca de 50% das terras férteis e não aproveitadas do mundo, enquanto se espera que os investimentos estrangeiros na agricultura do continente superem os US$ 45 bilhões em 2020, segundo estatísticas do Banco Mundial.

No entanto, os jovens da África ainda não sentem o impulso de um novo “renascimento agrícola” no continente. “Ficarei e trabalharei no campo, mas só se as coisas melhorarem aqui. Se não for assim, irei para a cidade e verei se há algo melhor”, enfatizou Negatu . Envolverde/IPS