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Juventude cubana no olho do ZunZuneo

Um jovem cubano, usando boné com inscrições de Nova York e uma camiseta da marca Adidas, consulta seu telefone celular em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Um jovem cubano, usando boné com inscrições de Nova York e uma camiseta da marca Adidas, consulta seu telefone celular em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 7/4/2014 – As gerações nascidas em Cuba nas últimas duas ou três décadas, permeadas por influências de sociedades diferentes da que o governo se empenha em construir, estão no olho do furacão ideológico que alimenta o conflito entre Havana e Washington. No dia 3 deste mês, a Casa Branca reconheceu que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) fez funcionar, entre 2009 e 2012, a rede social ZunZuneo, o “Twitter cubano”, dirigido aos jovens, que chegou a ter 40 mil seguidores.

Seu suposto objetivo era desestabilizar o governo de Raúl Castro e provocar sua queda, e deixou de funcionar quando ficou sem recursos. “Os jovens de hoje são tão resistentes a que lhes seja imposta uma marcha pelo 1º de Maio quanto que, por meio de mensagens, os chamem a participar de manifestações. É a mesma ideia de mandá-los fazer o que outros querem”, pontuou à IPS o jornalista de 29 anos Antonio Rodríguez, que decidiu emigrar para os Estados Unidos por razões econômicas e para se reunir com seu pai.

Entretanto, “os jovens são o público principal (desse tipo de atividade), porque são sempre os que realizam as mudanças sociais. As pessoas mais velhas já têm critérios pré-concebidos, enquanto os jovens são rebeldes em si e procuram mudar”, afirmou Rodríguez. “Porém, nós estamos muito envolvidos em sair das dificuldades econômicas, no dia a dia. O espírito de se manifestar, de fazer greve, se perdeu”, acrescentou.

Miguel Castro, trabalhador independente de 32 anos, diz que os que hoje têm 25 anos são filhos da crise desatada em Cuba com a queda, em 1991, da União Soviética, da qual dependia sua economia. “Seu compromisso político com a geração histórica (da Revolução de 1959) ficou lesado, não se vê o discurso político oficial se atualizar com a realidade e as necessidades dos mais jovens”, ressaltou.

Um estudo do Centro de Pesquisas Psicológicas e Sociológicas diz que as aspirações sociopolíticas continuam tendo um peso alto entre os universitários, ao contrário de segmentos com menor nível de educação ou o trabalhista, para os quais a participação política caiu para último lugar na escala de interesses. A juventude “era o objetivo perfeito para esse plano, que também se beneficiou por funcionar de forma remota”, disse à IPS, em Washington, Peter Kornbluh, destacado pesquisador sobre América Latina do National Security Archive, uma instituição não governamental que se dedica à desclassificação sistemática de documentos do governo norte-americano.

A geração mais jovem de Cuba “está completamente distanciada da Revolução. Eles cresceram durante o período posterior a dissolução da União Soviética e nunca viram realmente seus benefícios. Além disso, se interessa pelas comunicações e pelo mundo moderno”, acrescentou. A ZunZuneo (em Cuba, ruído produzido pelos zunzunes, ou beija-flores) se baseou em mensagens de texto e pegando em uma linha de flutuação de um problema cubano: o restrito acesso às telecomunicações e à internet que afeta as pessoas comuns, e que o governo atribui a causas econômicas.

Em maio de 2012, autoridades venezuelanas anunciaram que estava operacional o cabo submarino de fibra ótica que se estendeu até Cuba. Mas Havana permaneceu em silêncio a respeito até janeiro de 2013, e não está claro que a conectividade geral tenha melhorado. O uso social cresceu com a abertura de 145 salas que prestam serviços de internet, correio eletrônico internacional e navegação pela rede nacional, segundo o que o cliente contratar. E, desde março, os usuários de telefones celulares podem consultar seus e-mails do domínio @nauta.cu.

Neste país de 11,2 milhões de habitantes havia, até meados de março, dois milhões com telefones celulares, ultrapassando o 1,27 milhão de linhas fixas, uma densidade de apenas 28,9 linhas de telefone para cada cem habitantes. A operação ZunZuneo foi financiada com US 1,6 milhão que estavam publicamente destinados a um projeto não especificado da Usaid no Paquistão. Seus usuários nunca souberam quem por trás da redem estava uma agência norte-americana vinculada ao Departamento de Estado e nem que o programa supunha armazenar seus dados pessoais para eventual uso futuro com fins políticos.

“Trata-se de uma versão moderna das campanhas de propaganda encobertas da CIA (Agência Central de Inteligência). Tem todos os elementos básicos: empresas fictícias, desvios de fundos, atores multinacionais com companhias em Londres, Espanha e Manágua e contas bancárias secretas”, detalhou Kornbluh. É uma “mentira descarada” a declaração do porta-voz da Casa Branca (Jay Carney) de que não se tratou de uma operação encoberta, afirmou

“Parece que a Usaid é a nova CIA, em especial seu Escritório de Iniciativas Transicionais, uma entidade obscura e misteriosa que se dedica, evidentemente, a executar planos encobertos para conseguir uma mudança de regime em Cuba”, acrescentou Kornbluh. A revelação sobre a ZunZuneo foi resultado de uma investigação publicada no dia 3 deste mês pela agência de notícias norte-americanas AP e causou considerável alvoroço no governo e nos meios estatais cubanos.

Segundo a AP, após conseguir a audiência de centenas de milhares de seguidores, o conteúdo das mensagens da ZunZuneo se tornaria política para inspirar os cubanos a lançarem convocações de “multidões pensantes”, concentrações em massa que fossem organizadas rapidamente e pudessem desencadear uma “primavera cubana”, em referência às revoluções que aconteceram em 2011 no Oriente Médio.

Em uma declaração entregue aos jornalistas estrangeiros em Cuba, no dia 3, a diretora da Divisão Estados Unidos do Ministério das Relações Exteriores, Josefina Vidal, afirma que “se demonstra mais uma vez que (Washington) não renunciou aos seus planos subversivos contra Cuba”. Segundo Kornbluh, a Usaid obtém US$ 20 milhões por ano para seu projeto Democracia em Cuba “e tem de encontrar formas criativas para gastá-los”.

E “esta foi criativa, embora, definitivamente, tenha sido um completo fracasso, tal como foi o projeto de Alan Gross”, apontou Kornbluh se referindo ao contratado da Usaid que cumpre 15 anos de prisão em Cuba por participar de planos subversivos. “Olhando para trás, essa campanha parece estúpida, exceto pelo fato de sua revelação justamente agora ameaçar desbaratar qualquer clima de entendimento que pudesse estar sendo gestado entre Washington e Havana para melhorar as relações no futuro”, concluiu o especialista. Envolverde/IPS

* Com colaborações de Ivet González (Havana) e Jim Lobe (Washington).