Arquivo

Sunitas iraquianos criam nova aliança eleitoral

Anciãos tribais reunidos em apoio a Karama, a recém-criada coalizão de partidos para os sunitas iraquianos. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

 

Erbil, Iraque, 11/4/2014 – São líderes tribais, políticos e religiosos, mas também profissionais de todas as áreas. Têm algo em comum: são árabes sunitas chegados de Mosul, Faluja, Samarra, Tikrit e das outras localidades do Iraque onde a guerra parece não ter acabado, 11 anos depois da invasão norte-americana. Se reuniram na cidade de Erbil, capital da Região Autônoma Curda do Iraque, para comemorar, no dia 8, a criação do Karama (Dignidade, em árabe), um novo partido político que disputará as eleições gerais, no dia 30 deste mês.

Embora se espere que nenhum dos blocos consiga a maioria das 328 cadeiras do parlamento iraquiano, as pesquisas apontam como favorito o atual primeiro-ministro xiita, Nuri al Maliki, no poder desde 2006. Contudo, para Afifa Agus al Jumaili, candidata a legisladora pelo Karama, um terceiro mandato consecutivo de Maliki seria desastroso. “Nossas províncias se converteram em uma região de combate entre milícias tribais, agentes da (rede extremista internacional) Al Qaeda e o exército xiita de Maliki”, explicou à IPS a candidata de 35 anos e para quem o Karama constitui a “única alternativa dos sunitas no Iraque de recuperarem seus direitos e sua dignidade”.

Jumaili lamentou que “o triste paradoxo é que tenhamos sido forçados a nos reunirmos na Região Autônoma Curda porque um encontro com esse é simplesmente impossível em qualquer parte árabe do país”. O partido recém-criado lutará por uma região autônoma, semelhante à curda, para os sunitas do Iraque, ressaltou. Jumaili é natural de Hawiya, localidade a oeste de Kirkuk e 230 quilômetros ao norte de Bagdá cujo nome está irremediavelmente vinculado a um massacre.

No dia 23 deste mês, completará um ano do brutal ataque das forças especiais sobre um acampamento de manifestantes erguido ali em dezembro de 2012. A morte de cerca de 51 civis pôs fim a uma campanha de protestos em massa em todas as regiões sunitas, enquanto o oeste do país afundava em um caos que não se via desde os piores anos de violência sectária sob ocupação norte-americana, entre 2006 e 2008.

Em seu informe mundial de 2014, a organização Human Rights Watch denuncia que o governo respondeu “às manifestações majoritariamente pacíficas com medidas antiterroristas draconianas”. Além disso, a organização menciona “prisões arbitrárias e frequentemente em massa”, bem como torturas e execuções sumárias cometidas pelas forças de segurança iraquianas, sob um sistema judicial que a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, comparou com o “tratamento dado aos animais em um matadouro”.

Um dos atores mais visíveis daqueles protestos é Ghanim Alabed. Originário de Mosul, ao norte, esse homem decidiu continuar seu ativismo no Karama. “Mosul se converteu em um autêntico inferno durante esse último ano. Os atentados com carros-bomba, sequestros, assassinatos de líderes tribais ou até mesmo de civis ocorrem quase diariamente”, ressaltou à IPS em um intervalo da conferência partidária.

Segundo Alabed, o exército ou as milícias xiitas realizam a maior parte dos ataques, e os jornalistas locais se converteram em um objetivo “preferencial”. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas colocou o Iraque como “o país com maior impunidade” em sua lista de Estados com mais “assassinatos de repórteres sem resolver”.

“Não posso voltar a Mosul, nem a Bagdá, nem a nenhuma outra região árabe do Iraque porque sei que me matarão”, lamentou Alabed, atualmente refugiado em Erbil com sua família. Seu rosto é conhecido em todo o país, e não só por aparecer muito na imprensa, mas também por uns desenhos animados nos quais um canal de televisão oficial o retrata como líder terrorista. “Os norte-americanos já identificavam toda resistência sunita como sendo Al Qaeda, e Maliki continua assinando essa mensagem”, pontuou.

“O certo é que a maioria de nós detesta os grupos vinculados à Al Qaeda porque sabemos que são financiados pelo Irã. Seu objetivo não é outro que não seja destruir nossa sociedade e impedir nossa participação no poder”, enfatizou Alabed. A prova, segundo ele, é que esses grupos raramente atentam contra xiitas em sua localidade natal.

Precisamente, Faris Mera Hassan, líder tribal da cidade de Samarra, denunciou à IPS o assassinato do xeque Juma al Samarrai, dois dias antes do encontro político, em sua localidade natal. Hassan se referiu a um toque de recolher em vigor, bem como a constantes supostos ataques do governo e de grupos não identificados. “Temos que nos livrar dessa política que só serve para justificar a repressão contra nosso povo. Queremos voltar a ser cidadãos iraquianos de pleno direito”, argumentou esse espigado ancião, que usava um chilaba (peça de vestir com capuz) azul e um turbante branco.

Embora a situação de emergência seja quase estendida a todas as regiões sunitas, talvez seja Faluja, 60 quilômetros a oeste de Bagdá, a localidade mais castigada. O candidato Jassim Mohammad se referiu a um êxodo em massa de civis para Bagdá e Erbil, que fogem de uma “catástrofe humanitária” em sua Faluja natal. “As principais estradas estão interrompidas e a única maneira de entrar e sair são as vias secundárias, frequentemente a pé”, contou ao fim da conferência esse candidato a legislador, de 44 anos.

“A periferia da cidade está sob controle de grupos armados e é difícil saber se se trata da Al Qaeda ou de milícias tribais, porque a maioria tem o rosto coberto e não costuma mostrar distintivos. Por outro lado, a aviação iraquiana bombardeia constantemente o centro do país”, destacou Mohammad. O Karama é um projeto “de longo prazo”, assegurou. Ele teme que as próximas eleições sejam suspensas em boa parte das províncias de maioria sunita. Envolverde/IPS