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Depois do Talibã, a depressão

Refugiados devido à violência no norte do Paquistão esperam para serem admitidos no acampamento de Jalozai, próximo de Peshawar. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Refugiados devido à violência no norte do Paquistão esperam para serem admitidos no acampamento de Jalozai, próximo de Peshawar. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 13/5/2014 – Todas as noites, quando dorme, Rizwan Ahmed vê como assassinaram seus filhos. “Ao acordar, cai em choro. Se dá conta de que estão mortos e que teve outro pesadelo”, contou Mian Iftikhar Hussain, o psiquiatra que o trata. Ahmed, de 51 anos, era empregado em uma escola de Jyber Bara, uma das sete agências, ou distritos, das Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata), antes que sofresse a tragédia familiar, há quase um ano.

“Perdeu seus dois filhos homens pela violência. Sua dor não deixou de aumentar. Foi trazido ao nosso hospital em dezembro do ano passado, na última etapa de seu transtorno mental”, explicou Hussain, diretor-executivo da Sociedade de Promoção do Bem-Estar em Saúde (HPWS). “Agora suas possibilidades de melhora são escassas. Se tivesse chegado antes, poderia ter sido tratado”, acrescentou. A HPWS dirige o hospital psiquiátrico de Iftijar, de 40 leitos, nos arredores de Peshawar, para ajudar os doentes mentais das Fata.

Mais de dois milhões de pessoas foram deslocadas pelas Fata, contíguas à província de Jyber Pajtunjwa, pela insurgência do movimento extremista Talibã e pela repressão militar. A perda de parentes próximos, o deslocamento e as condições em que vivem propiciam transtornos mentais generalizados. Mas a maioria desses pacientes passa desapercebida devido à escassez de psiquiatras e psicólogos, e por falta de consciência dos transtornos psicológicos e das doenças mentais em geral.

“Com frequência os pacientes sonham com corpos carbonizados de seus entes queridos, mortos por balas ou morteiros. Essas pessoas exigem tratamento contínuo”, afirmou Hussain. “Quando termina o tratamento também oferecemos capacitação vocacional aos pacientes”, acrescentou. As mulheres e as crianças são as vítimas mais frequentes.

A esposa de Ziarat Gul, um agricultor de 51 anos da agência Bajaur, é outra paciente no hospital de Iftijar. “Nosso filho foi assassinado enquanto brincava diante de casa. O trauma tomou conta dela quando viu seu corpo manchado de sangue”, contou . Agora a mulher mostra indícios de melhora graças à medicação, afirma seu marido, que também sofre porque já não pode cuidar de sua granja. O conflito sem fim e as ofensivas militares contra os insurgentes cobraram um preço alto entre as famílias das Fata. “Nossos filhos cresceram em meio à violência. Falam do exército, dos talibãs, dos bombardeios, dos ataques com aviões não tripulados e dos toques de recolher”, acrescentou.

Depois que as forças lideradas pelos Estados Unidos derrubaram o governo do Talibã no Afeganistão, no final de 2001, muitos insurgentes passaram para o vizinho Paquistão e se refugiaram nas Fata. Integrada por sete agências, a região está repleta de talibãs e insurgentes da rede extremista Al Qaeda em guerra com as forças paquistanesas. As pessoas comuns ficam presas no fogo cruzado. Os refugiados das Fata estão dispersos por toda Jyber Pajtunjwa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 10% dos mais de 182 milhões de paquistaneses sofrem problemas psiquiátricos, mas o Paquistão tem apenas 300 psiquiatras. As áreas propensas à violência não têm psiquiatras, e poucos afetados podem viajar para Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa.

Ajmal Shah tem dez anos e vive na agência Jyber, de onde foram deslocadas 73.562 famílias nos últimos dois anos, segundo a Autoridade Nacional de Gestão de Desastres. O menino conta como viu morrer seu irmão mais velho em 2011, quando um brinquedo-bomba explodiu em suas mãos. “Ele tinha tirado da areia um cavalo de plástico e o olhava quando explodiu. Vi como sua carne flutuava no ar. Não posso esquecer”, afirmou.

Dados do departamento de saúde de Jyber Pajtunjwa indicam que os hospitais públicos trataram 82.345 pacientes em 2013, dos quais quase 60 mil procedentes das Fata, em busca de tratamento para suas doenças psicológicas. “A proporção de mulheres e homens afetados é de dois para um. As mulheres são mais propensas ao estresse pós-traumático do que os homens porque elas ficam em suas casas devido aos tabus sociais, enquanto os homens podem sair e se divertir”, explicou o psiquiatra Murtaza Ali, da agência Mohmand nas Fata. A maioria dos refugiados apresenta alguma desordem, assegurou. A extrema pobreza os atinge com força.

O chefe da ala psiquiatra do hospital universitário de Jyber, Syed Muhammad Sultan, destacou que os pacientes exigem acompanhamento e psicoterapia. A terapia de reabilitação e ocupacional depois do tratamento também é importante para prevenir a recaída, detalhou. “O uso de remédios psicotrópicos disparou nas Fata. Mais pessoas apelam para tranquilizantes, sedativos e antidepressivos”, afirmou.

Muitos na área de conflito se queixam de insônia. “A maioria teme um futuro sombrio. São prisioneiros da ansiedade”. A situação só pode piorar, já que o fim do conflito não está à vista, lamentou Sultan. Envolverde/IPS