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Política externa da Rússia abre caminho para fuga de cérebros

Moscovitas na entrada da Praça Vermelha. Especialistas afirmam que os russos comuns sentirão o impacto de qualquer sanção forte imposta pelo Ocidente. Foto: Pavol Stracansky/IPS
Moscovitas na entrada da Praça Vermelha. Especialistas afirmam que os russos comuns sentirão o impacto de qualquer sanção forte imposta pelo Ocidente. Foto: Pavol Stracansky/IPS

 

Moscou, Rússia, 14/5/2014 – Na atual conjuntura da Rússia, de duras sanções e um crescente isolamento internacional pela anexação da Crimeia e por seu apoio aos separatistas do leste da Ucrânia, numerosos economistas e sociólogos alertam para a possibilidade de a política externa do Kremlin propiciar uma devastadora fuga de cérebros. Muitos jovens e gente pertencente à crescente classe média russa, em especial nas grandes cidades, ficaram consternados pela invasão da Crimeia e a agressiva política do presidente russo, Vladimir Putin, contra a Ucrânia.

Além disso, temem que as sanções do Ocidente, embora ainda não tenham um grande efeito na vida cotidiana, possam causar estragos em uma economia que já está à beira da recessão, bem como colocar em risco suas carreiras e perspectivas trabalhistas. Esse cenário já fez um nutrido grupo de profissionais começar a avaliar a possibilidade de deixar o país.

Roman Kramskoy, médico em Novorosíisk, sudoeste da Rússia, disse à IPS que se mudará em breve para a Alemanha, onde conseguiu um novo emprego, pois quer “ir para o Ocidente em busca de um clima mais pacífico. Não diria que minha decisão esteve diretamente vinculada aos últimos acontecimentos políticos nem às sanções contra a Rússia, mas foi a gota d’água que me fez dar esse passo”.

E ele tem muita companhia nessa empreitada. A imprensa local informou que empresas dedicadas a ajudar emigrantes russos a se instalarem no exterior registraram um drástico aumento das consultas sobre deixar o país no primeiro trimestre deste ano.

Por sua vez, empresários com companhias dedicadas ao comércio internacional se mostraram temerosos com o prejuízo que possam causar-lhes as sanções econômicas. Aqueles com empresas e bens no exterior disseram à imprensa local que é mais fácil deixar o país e continuar operando fora do que ficar na Rússia e correr o risco de perder seus negócios. Nos fóruns online da internet a emigração é um tema recorrente de discussão, especialmente entre os jovens.

Zhenyia Morozova, uma estudante de 18 anos residente em Moscou, disse à IPS que pensava em estudar arte em Londres dentro de dois anos. Mas as sanções a fizeram apressar os trâmites para partir. “A notícia das sanções me preocupou e comecei a reunir informação sobre os requisitos para estudar em Londres, e também falei com meus pais sobre as possibilidades de financiar os estudos. Não quero que meu sonho de estudar em Londres não se concretize por isso”, contou.

A fuga de cérebros seria um grande problema para a Rússia, país que já sofre uma redução e um envelhecimento da população. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), a população russa diminuirá 40% até 2050. As consequências sobre a economia seriam devastadoras, porque os mais dispostos a partir são as pessoas mais brilhantes e criativas e aquelas com enorme potencial para gerar riqueza e crescimento econômico.

Pesquisa, realizada em 2013 pela empresa independente Levada, mostra que um em cada quatro entrevistados considerava a ideia de mudar para o exterior. Mas o número foi maior entre os jovens: quase metade dos consultados que já haviam emigrado ou estavam tentando fazê-lo tinha entre 20 e 35 anos.

O professor Andrey Korotayev, especialista em políticas sociais da estatal Universidade de Humanidades de Moscou, afirmou à IPS que “para o desenvolvimento de qualquer economia moderna, a transferência de mão de obra altamente qualificada é essencial”. Segundo ele, “por isso a Rússia precisa que os trabalhadores dos setores econômicos e empresas que exigem maior capacitação profissional viajem ao Ocidente, se capacitem e ganhem experiência nas grandes corporações e depois regressem, transfiram seu conhecimento e beneficiem a economia russa”.

Porém, após a anexação da Crimeia, os especialistas afirmam que os que agora planejam partir o farão de forma definitiva, e aqueles que já estão no exterior repensarão a possibilidade de regressar. Andrei Kortunov, diretor do Conselho Russo de Assuntos Internacionais, com sede em Moscou, concorda com essa ideia. “Correto. Há os que pensam em partir devido aos últimos acontecimentos, mas também há os que se foram e não regressarão devido ao atual clima político da Rússia”, pontuou.

O Kremlin está consciente dos possíveis problemas que acarretaria para a Rússia a fuga de cérebros, e vários dirigentes políticos, entre eles o primeiro-ministro, Dimitri Medvédev, mencionaram a necessidade de implantar reformas e tomar medidas para que os estudantes e os profissionais de talento permaneçam no país. Contudo, os especialistas afirmam que, independente do que a Rússia fizer na Ucrânia, haverá enorme mudança social e política no país, seja para atrair os expatriados ou para diretamente evitar que a fuga de mais cérebros.

Em consonância com sua agressiva política externa, Putin restringiu os direitos civis na Rússia desde que regressou à Presidência em 2012. Isso se intensificou desde o início das manifestações dos Euromaidan, como são conhecidos os protestos que eclodiram em novembro em Kiev, e que provocaram em fevereiro uma mudança de regime na vizinha Ucrânia.

Nos últimos meses houve uma série de projetos de lei para limitar seriamente as liberdades de reunião e de expressão, como a proposta para proibir a divulgação de informação negativa sobre o governo e o exército russo, bem como a introdução de longas penas de prisão por crimes menores vinculados a manifestações não autorizadas. Além disso, há pouco o Kremlin bloqueou o acesso a sites de informação independentes e de grupos opositores e assumiu o controle da internet mediante leis draconianas que restringem seu uso.

Isso ocorreu dias depois que o diretor do chamado Facebook russo, Pavel Durov, deixou o país após um enfrentamento com os serviços de segurança por se negar a entregar dados sobre usuários da rede social. É preciso atender esse tipo de situação, afirmam numerosos especialistas, para que os emigrantes queiram voltar. “O clima ideológico deverá mudar para que as pessoas que partiram se sintam cômodas em regressar à Rússia”, ressaltou Kortunov. Envolverde/IPS