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Cresce ignorância mundial sobre o Holocausto judeu

A feminista e judia ultraortodoxa Jenny Menashe discute com o rabino Nahum Weiss em Jerusalém, em junho de 2012. Foto: Pierre Klochendler/IPS
A feminista e judia ultraortodoxa Jenny Menashe discute com o rabino Nahum Weiss em Jerusalém, em junho de 2012. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 16/5/2014 – Pouco mais da metade (54%) de mais de 53 mil pessoas entrevistadas em todo o mundo disse conhecer o Holocausto judeu cometido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), afirma uma pesquisa publicada esta semana. Embora as atitudes antissemitas sejam mais frequentes nos países árabes, persistem em grande parte do mundo, especialmente na Europa oriental, onde a maioria da população judia foi exterminada no Holocausto.

Esse é o resultado que se depreende da pesquisa Global 100, para a qual foram ouvidas mais de 53 mil pessoas de 102 países e dos territórios palestinos ocupados por Israel. O estudo, esteve a cargo da Liga Antidifamação (ADL), uma organização com sede em Nova York que combate o antissemitismo desde sua fundação, em 1913. Uma dado particularmente alarmante para a ADL é a ignorância sobre o Holocausto, o genocídio de aproximadamente seis milhões de judeus majoritariamente europeus entre 1939 e 1945, que teve um papel fundamental para que Europa e Estados Unidos apoiassem a criação de Israel.

Pouco mais da metade (54%) dos entrevistados – e apenas 48% dos menores de 35 anos – disseram conhecer o Holocausto. O conhecimento é maior na Europa ocidental (94%), Oceania e América, e menor na África subsaariana (24%) e no Oriente Médio e Norte da África (38%). Entre os entrevistados que disseram ter ouvido sobre o Holocausto, 32% afirmaram que é um mito ou um grande exagero. Na região do Oriente Médio, 63% se expressaram dessa forma.

Segundo a pesquisa, 26% dos adultos entrevistados apresentaram pontos de vista antissemitas, que a ADL define como estar de acordo com pelo menos seis de 11 frases negativas, ou com estereótipos comuns, e, em alguns casos, muito antigos, sobre os judeus. Na região do Oriente Médio e Norte da África essa proporção é quase três vezes maior, 74%, enquanto na Europa Oriental 34% dos entrevistados expressaram sentimentos antissemitas. No outro extremo do espectro, o antissemitismo cai para 14% entre os entrevistados da Oceania, que inclui Austrália e Nova Zelândia, e para 19% na América.

O Irã tem a população menos antissemita do Oriente Médio e Norte da África – menor inclusive do que a vizinha Turquia, onde vive a maior população judia da região fora de Israel – embora o governo iraniano seja acusado por Israel e organizações judias norte-americanas como a ADL de abrigar propósitos genocidas em relação aos israelenses. Dos entrevistados iranianos, 56% mostraram atitudes antissemitas, contra 69% na Turquia.

Embora 80% dos entrevistados iranianos tenham dito ter opiniões desfavoráveis sobre Israel, que ameaçou em reiteradas ocasiões atacar instalações nucleares do Irã, 43% disseram que as ações israelenses exerceram uma influência menor ou nula sobre suas atitudes em relação aos judeus.

De fato, um ponto importante da pesquisa é a escassa correspondência entre as atitudes com os judeus e com Israel. Os países árabes são a exceção, onde a ADL encontrou um alto grau de correlação nas opiniões negativas sobre os judeus e sobre Israel, que vão de 75% a mais de 90%. Na Holanda, onde apenas 5% dos entrevistados expressaram pontos de vista antissemitas, 43% afirmaram ter opiniões negativas sobre Israel, contra 33% na Suécia, o país menos antissemita da Europa ocidental.

A pesquisa, realizada por telefone e em entrevistas pessoais entre julho de 2013 e fevereiro deste ano, incluiu pelo menos 500 adultos em cada um dos 102 países cujos habitantes somados representam aproximadamente 86% da população mundial. Trata-se de longe da pesquisa mais ambiciosa patrocinada pela ADL, que rastreia as opiniões e os incidentes antissemitas, principalmente nos Estados Unidos.

O núcleo da pesquisa se centra em saber se os entrevistados concordam com 11 frases que a ADL considera “estereótipos antissemitas”. Concordando com seis ou mais são qualificados de antissemitas. Algumas dessas frases são: “os judeus são mais fiéis a Israel do que (ao país onde vivem)”; “têm poder em demasia” no mundo dos negócios, nos mercados financeiros internacionais ou nos meios de comunicação; “têm demasiado controle sobre os assuntos internacionais” ou sobre o governo dos Estados Unidos.

Outras frases são: “aos judeus não importa o que aconteça a ninguém mais que não sejam os seus”; “pensam que são melhores do que os demais”; “falam muito sobre o Holocausto”; “são responsáveis pela maioria das guerras do mundo”; e “a gente odeia os judeus pela forma como se comportam”. Dos entrevistados, 41% concordaram que os judeus são mais fiéis a Israel do que ao seu próprio país. Além do Oriente Médio e Norte da África, onde essa frase recebeu 74% de adesões, a Europa ocidental, com 45%, foi a região onde mais predominou essa resposta.

O segundo estereótipo mais aceito é que os judeus têm muito poder no mundo dos negócios. Mais da metade, 53%, dos europeus orientais concordaram com essa opinião. E no que poderia ser um reflexo da influência de Israel na percepção dos judeus em sua própria região, 75% dos entrevistados ali concordaram que “as pessoas odeiam os judeus pela forma como se comportam”.

“É evidente que o conflito do Oriente Médio tem importância com relação ao antissemitismo”, disse Abe Foxman, presidente da ADL desde 1987. “Mas, a partir dos resultados da pesquisa, não fica claro se o conflito do Oriente Médio é a causa ou a desculpa do antissemitismo”. Os muçulmanos tendem a ter pontos de vista mais antissemitas do que os entrevistados de outras grandes religiões, mas o fator mais importante na determinação das atitudes em relação aos judeus parece ser a localização geográfica.

Assim, 75% dos muçulmanos ouvidos no Oriente Médio e no Norte da África são considerados antissemitas na pesquisa, uma atitude que só é atribuída a 37% dos muçulmanos da Ásia e a 18% no caso da África subsaariana. Entre os cristãos, 64% dos habitantes do Oriente Médio e Norte da África deram respostas que os definem como antissemitas, enquanto foram 35% na Europa oriental e 19% na América.

A pesquisa também mostra que os mais velhos são mais propensos do que os jovens a ter pontos de vista antissemitas e que, quanto mais familiaridade se tem com judeus, menos antissemita se é. Além disso, os entrevistados com maior nível educacional têm menos probabilidades de abrigar sentimentos contra os judeus, salvo no Oriente Médio e Norte da África, onde os mais educados são mais inclinados a ter pontos de vista antissemitas do que os com menos instrução.

Curiosamente, na Europa ocidental e na América, a segunda frase negativa mais aceita sobre judeus é que “falam muito sobre o Holocausto”. Quase três quartos (74%) dos entrevistados afirmaram não conhecer uma pessoa judia. Destes, 25% tinham pontos de vista antissemitas. Dos 26% que concordaram com pelo menos seis das frases negativas sobre os judeus, 70% afirmaram que, na realidade, nunca haviam conhecido uma pessoa judia.

Vozes críticas à ADL, uma defensora implacável de Israel, argumentam que a organização tem um interesse próprio em exagerar a onipresença do antissemitismo e a negação do Holocausto. Mas Foxman rechaçou essa acusação ao apresentar a pesquisa e insistiu que a intenção do estudo é “documentar empiricamente como são as coisas”. Envolverde/IPS