Uxbridge, Canadá, 19 de maio de 2014 (Terramérica).- Os conflitos sociais gerados pela exploração de minérios, petróleo e gás estão custando às empresas milhares de milhões de dólares por ano. Uma única companhia registrou custos superiores a US$ 6 bilhões em dois anos, de acordo com a primeira investigação arbitrada sobre o peso econômico desses enfrentamentos para as indústrias extrativistas.
O projeto de exploração de ouro Pascua Lama, na fronteira entre Chile e Argentina, consumiu US$ 5,4 bilhões durante dez anos de protestos e irregularidades. A empresa canadense Barrick Gold não extraiu uma única onça de ouro e a obra foi suspensa em abril do ano passado por determinação da justiça chilena.
No Peru, o projeto mineiro Conga, avaliado em US$ 2 bilhões, teve de ser suspenso em 2011 pelos protestos sociais que aconteceram diante do perigo de que desaparecessem quatro lagoas de água doce. A partir de então, a empresa Yanacocha teve de se voltar à construção de quatro reservatórios de água que, segundo seu plano, substituiriam as lagoas afetadas.
“As comunidades não estão impotentes. Nosso estudo mostra que conseguem se organizar e se mobilizar, o que leva as empresas a incorrerem em grandes gastos”, explicou o coautor da pesquisa, Daniel Franks, da Universidade de Queensland, na Austrália, e subdiretor do Centre for Social Responsibility in Mining. “Lamentavelmente, esses enfrentamentos também conduzem a derramamentos de sangue e perda de vidas”, ressaltou à IPS.
A investigação, publicada no dia 12 deste mês, na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, se baseou em 45 entrevistas confidenciais e profundas com executivos de alto nível de indústrias extrativistas (mineiras e energéticas) que operam em todo o mundo. Também está disponível um informe especial, baseado na investigação, sobre os custos dos conflitos entre comunidades e empresas do setor extrativista.
“Queríamos documentar os custos do mau relacionamento com as comunidades. As empresas não estão completamente conscientes do problema, e só alguns investidores conhecem o alcance desse risco”, pontuou Franks. “Se às companhias interessa assegurar seus lucros, devem adotar padrões ambientais e sociais de excelência e colaborar com as populações”, acrescentou.
O investimento na construção de um bom relacionamento com as comunidades é muito menor do que o enfrentamento. As pessoas não se opõem ao desenvolvimento, em geral. Mas são contra ter pouquíssima participação e controle na forma como esse desenvolvimento é adotado, destacou o pesquisador.
“Buscamos um desenvolvimento que beneficie os povos indígenas e não só o cunhado de alguém”, disse Alberto Pizango, presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), que representa 1.350 comunidades indígenas da Amazônia peruana. “Os indígenas têm algo a dizer sobre o desenvolvimento harmonioso com a natureza. Não queremos um desenvolvimento que destrua nossa amada Amazônia”, afirmou ao Terramérica, de Lima.
Pizango resistiu ativamente à concessão, efetuada pelo governo a empresas estrangeiras, de terras ancestrais dos povos nativos. Essa luta se tornou violenta no dia 5 de junho de 2009, quando o desbloqueio pela polícia de uma via terminou com 24 policiais e dez civis mortos na selvática região de Bagua. Os indígenas haviam se mobilizado contra dez decretos legislativos, considerados inconstitucionais, promulgados pelo governo para promover o investimento privado em territórios aborígenes.
No dia 14 deste mês, começou em Bagua um julgamento contra Pizango e outras 53 pessoas por incitação à violência e outros 18 crimes relacionados com esse massacre. “Não tínhamos opção e pensamos que nossos protestos foram justos. Mas o preço foi muito alto. Não queremos que isso se repita. Queremos passar do grande protesto para a grande proposta”, declarou Pizango, que pode pegar prisão perpétua se for condenado.
A investigação publicada na Proceedings mostra que a violência registrada em Bagua poderia ter sido evitada se as autoridades e as empresas tivessem reconhecido os direitos indígenas e trabalhado com eles. “Com grande pena devo dizer que isso ainda não acontece no Peru”, acrescentou Pizango, que nem mesmo estava em Bagua quando se desencadeou a violência.
Enquanto isso, o Ministério do Ambiente pediu ao dirigente e à Aidesep que colaborem com o planejamento da cúpula sobre mudança climática da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontecerá em Lima no final deste ano. Pizango espera que essa conferência permita mostrar ao mundo que os povos indígenas podem proteger as florestas e o clima.
Reparar as relações entre as comunidades, as empresas e os governos é difícil, afirmou Rachel Davis, coautora da investigação e integrante da Iniciativa de Responsabilidade Social Corporativa da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “É muito mais complicado reconstruir um vínculo destruído com uma população local; as relações não podem se retroajustar”, opinou. Franks compara a situação com um divórcio. Muito raramente os casais divorciados voltam a se casar.
As principais mineradoras parecem estar entendendo esse assunto e estão aplicando os Princípios Reitores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU e adotando o Marco de Desenvolvimento Sustentável do Conselho Internacional de Mineração e Metais, informou Davis em um comunicado. Mas esse não é o caso do setor de hidrocarbonos. “Têm uma cultura muito diferente. Não estão acostumados a tratar com as comunidades”, disse Franks.
O estudo mostra que o ambiente e a água são os grandes disparadores de tensões e enfrentamentos. E, já que atividades como a fratura hidráulica para extrair gás e petróleo não convencionais estão aumentando e afetam as existências de água, pode-se prever que nos esperam grandes conflitos, enfatizou Franks.
“É um bom informe, mas não aborda um aspecto mais amplo, as pressões econômicas e políticas para impulsionar rapidamente os projetos”, apontou o ativista Jamie Kneen, da organização não governamental canadense MiningWatch Canada. Os acionistas querem grandes retornos para seus investimentos e os governos querem seus royalties e impostos o mais rápido possível. Tudo isso faz com que as corporações tenham menos interesse em fazer concessões ou dedicar um tempo a encontrar alternativas que sejam aceitáveis para as populações locais, ressaltou ao Terramérica.
“As empresas já sabem que haverá problemas. No geral, agem para que nenhum conflito chegue a ser notório e tentam ocultar esse risco dos investidores”, afirmou Kneen. Além disso, nem todos os conflitos são evitáveis, acrescentou, lembrando que “algumas comunidades jamais aceitarão algum tipo de risco de contaminação de sua água”. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.