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Segregação escolar chilena cresce no Pacífico

Meninas em uma sala na escola República de Ecuador, em Viña del Mar, no Chile. Foto: Diana Cariboni/IPS
Meninas em uma sala na escola República de Ecuador, em Viña del Mar, no Chile. Foto: Diana Cariboni/IPS

Valparaíso/Viña del Mar, Chile, 27/5/2014 – A descentralização das escolas públicas no Chile mantém uma essência de segregação que se projeta como uma sombra sobre várias gerações. Patricia Durán e Erna Sáez são diretoras de duas escolas municipais na região de Valparaíso, no Pacífico, 140 quilômetros a noroeste de Santiago. Ambas se levantam antes de amanhecer e dedicam extensas jornadas a conduzir a educação de alunos entre quatro e 14 anos. Mas as realidades em que se movem não poderiam ser mais diferentes.

Durán recebe 167 meninas e meninos, 90% procedentes de famílias vítimas de diferentes formas de marginalização, na escola básica San Judas Tadeo, no morro San Juan de Dios, em Valparaíso, a capital regional. “Muitos casos são de filhos de pais e mães privados da liberdade, drogados, narcotraficantes ou alcoólatras, e a única esperança que têm para seu futuro é a educação que podemos lhes dar”, afirmou a diretora. “O risco social, a vulnerabilidade, se combate com carinho”, opinou a jornalistas de vários países da América Latina que visitaram sua escola, a convite da IPS.

“Nos preocupamos muito que tenham a escola limpa, porque sabemos que em suas casas muitas vezes não encontram nem mesmo um pouco de higiene”, acrescentou Durán. A escola funciona das 8 horas até 19 horas e oferece café da manhã, almoço e lanche, pagos pela estatal Junta Nacional de Auxílio Escolar e Bolsas. Os materiais mais comuns no prédio são chapas e madeira. As aulas são reduzidas e cada canto é aproveitado. Por outro lado, o pessoal cuida para que tudo esteja limpo e colorido.

A 15 minutos do morro, em pleno centro da cidade turística de Viña del Mar, Erna Sáenz dirigente da escola República del Ecuador, que recebe 500 meninas, das quais metade apresenta algum grau de vulnerabilidade. “Às 7h30, a inspetora-geral se coloca na porta para conferir se todas as meninas estão bem vestidas, bem penteadas e limpas”, explicou a diretora, acrescentando que nenhuma tem uma situação econômica tão grave a ponto de não ter o que comer.

Ainda assim, a escola oferece 260 refeições em um restaurante especialmente montado com mesas e cadeiras coloridas. As aulas são dadas em dois turnos, das 8h00 às 16h00, e há ônibus para transportar as alunas. O grande edifício de dois andares foi completamente reconstruído depois do terremoto de 2010. É de concreto e tijolos, com salas amplas e iluminadas, uma grande sala de computação, um laboratório de ciências, uma extensa área de recreio e um ginásio.

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Quadra de jogos da escola básica San Judas Tadeo, no monte San Juan de Dios, em Valparaíso, no Chile. Foto: Diana Cariboni/IPS

As duas escolas têm biblioteca, mas o tamanho e a quantidade de livros são outro sinal diferenciador. A brecha aqui não é entre escolas estatais com baixo financiamento e privadas com muitos recursos. As duas são públicas, mas dependem de municípios com acesso a fundos muito desigual.

Viña del Mar se beneficia dos abundantes recursos que deixa o turismo e tem pobreza de 15%, enquanto, no vizinho município de Valparaíso, os pobres são 22% dos habitantes, uma proporção muito maior do que a média nacional de 14%. Valparaíso é a cidade com mais assentamentos informais de todo o país, e na região de mesmo nome vive um terço de todas as famílias chilenas que habitam esses assentamentos.

O Chile tem um índice de segregação social na escola de 53 pontos, bem acima de países vizinhos como Uruguai (38), Brasil e Argentina (ambos com 39) e Colômbia (40) e o maior entre os 50 países medidos em 2010 pelo Instituto Internacional de Planejamento da Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Em 2006, dezenas de milhares de estudantes foram para as ruas e colocaram em xeque a então estreante presidente Michelle Bachelet. Exigiam, entre outras reformas do singular modelo educacional disposto pelo regime militar do general Augusto Pinochet (1973-1990), que as escolas primárias e secundárias deixassem de ser administradas pelos municípios e voltassem ao controle do governo federal.

Bachelet, que voltou à Presidência em março deste ano, enfrenta o desafio de reformar um sistema educacional que é o principal motivo de descontentamento social chileno e que levou novamente estudantes às ruas com mais ímpeto durante a gestão de seu sucessor e antecessor, Sebastián Piñera.

Em quase todos os países, o Estado é o principal fornecedor de educação como um serviço público. No Chile, qualquer particular pode abrir uma escola onde bem entender e, se tem estudantes, o Estado paga uma subvenção por aluno. Se há um grande número de alunos, o proprietário faz um bom negócio, pois também cobra dos pais.

Além disso, convivem quatro esquemas: educação privada, privada subvencionada, com e sem fins lucrativos, e a municipal. A destinação de fundos para as escolas municipais não depende apenas dos cofres de cada município, muitos deles quebrados, mas de aspectos como a presença dos alunos na aula. Quando as ausências são elevadas, os recursos mínguam, com repercussões graves para as zonas mais pobres.

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Essa espécie de mercado livre da educação tende à destruição do ensino público, como mostra o gráfico abaixo. Mas não está claro que a privatização tenha melhorado a qualidade do ensino, segundo afirmaram vários especialistas em um seminário para jornalistas organizado pela IPS nos dias 22 e 23 deste mês em Santiago, com apoio do governo da Noruega.

O que resulta evidente é a crescente segregação, afirmou Juan Eduardo García Huidobro, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação da Universidade Alberto Hurtado, que presidiu o Conselho Assessor em Matéria de Educação no primeiro mandato de Bachelet.

A San Judas Tadeo necessita, claramente, de mais recursos. Seu pessoal se esforça para que os alunos não faltem e mantenham uma pontuação mínima nas provas, algo que aparentemente é mais simples do que alcançar a vizinha Viña del Mar. Envolverde/IPS