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União Africana sem respostas para a expansão do terrorismo

Foto de uma cena do vídeo divulgado pelo grupo extremista Boko Haram que mostra as adolescentes sequestradas na localidade de Chibok, nordeste da Nigéria, no dia 14 de abril. Foto: Al Jazeera
Foto de uma cena do vídeo divulgado pelo grupo extremista Boko Haram que mostra as adolescentes sequestradas na localidade de Chibok, nordeste da Nigéria, no dia 14 de abril. Foto: Al Jazeera

 

Harare, Zimbábue, 28/5/2014 – A União Africana (UA) completa 51 anos enquanto os conflitos terroristas afetam o continente e diferentes analistas consideram que a organização pouco fez para resolvê-los. “Os conflitos não resolvidos que estão espalhados por nosso continente colocam em jogo a eficácia da UA, que é extremamente questionável. Não precisamos de um gênio para nos dizer que essa organização faz água, considerando os ataques terroristas na África oriental e ocidental”, opinou à IPS a analista política independente Evelyn Moyo.

O grupo extremista somaliano Al Shabaab realizou uma campanha terrorista nesse país do Chifre da África e em todo o leste do continente, e seus ataques se estenderam à vizinha Quênia. A organização, vinculada à rede islâmica Al Qaeda, assumiu o atentado de 21 de setembro de 2013 contra o shopping Westgate, quando morreram 67 pessoas e mais de 175 ficaram feridas. A cidade portuária de Mombasa, um popular destino turístico, também sofreu vários atentados do Al Shabaab, por isso Estados Unidos, França e Grã-Bretanha alertaram seus cidadãos a não viajarem para essa região do Quênia.

Na África ocidental, a fonte de instabilidade provém do Boko Haram, grupo extremista com base na Nigéria, também vinculado à Al Qaeda. A organização, cujo nome significa “a educação ocidental é pecado”, atraiu a atenção internacional após o sequestro, no dia 14 de abril, de 276 estudantes adolescentes da localidade de Chibok, no Estado de Borno. O governo da Nigéria não consegue conter o Boko Haram, que também atacou países vizinhos, incluindo Camarões. Existe o temor de uma crescente instabilidade em áreas vizinhas ao Chade, Níger, Benin, Gana e República Centro-Africana.

O analista político Malvern Tigere sente que a UA pouco fez para conter a ameaça do terrorismo no continente. “A UA se fez de surda para a gravidade da propagação dos ataques terroristas por toda África ocidental”, afirmou. Quando o Al Shabaab matou 72 pessoas no atentado no shopping queniano, “o que a UA fez a respeito? É comum cerca de cem pessoas serem massacradas?”, perguntou. “Há atentados terroristas no Quênia, na Nigéria, também na Somália e todos acontecem em países que pertencem à UA, que não ofereceu uma solução clara para impedir essas ações, que realmente a deixam sem força”, destacou à IPS.

Mas o analisa político independente de Zâmbia, Michael Mwanza, discorda dessa opinião. “A UA, que antes era a Organização da Unidade Africana, teve um papel fundamental para acabar com o colonialismo e os governos de minoria africanos. Foi ela que forneceu armas, treinamento e bases militares às nações africanas colonizadas que lutavam pela independência”, afirmou à IPS.

A Organização da Unidade Africana foi fundada na Etiópia, no dia 25 de maio de 1963, com a missão de resolver os conflitos coloniais. A UA a substituiu em 26 de maio de 2001. “A organização desempenhou um papel importante para levar a sensatez à África”, acrescentou Mwanza.

Um diplomata da Tanzânia no Zimbábue, que pediu reserva sobre seu nome, concorda com Mwanza. “Nem tudo é pessimismo na UA”, disse à IPS, recordando que a organização teve a ver com a instauração de um governo de unidade no Zimbábue, que pacificou o país quando estava afundado na anarquia. Também “foi a UA que, em 2011, ajudou o líder da oposição da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, a ser reconhecido como presidente quando Laurent Gbagbo se negou a entregar o poder depois de perdê-lo nas urnas”, recordou o diplomata.

O observador político zimbabuense Denis Nyikadzino afirmou que a UA “não costuma recorrer ao uso da força para trazer calma em situações de conflito aqui, mas utiliza o diálogo e não vejo nada de errado nisso”. Mas o ativista da sociedade civil de Ruanda, Otapiya Gundurama, sente que a UA ficou devendo nos últimos anos e que deixou para o mundo desenvolvido o papel de resgate nos conflitos africanos.

“Com os anos, a UA cruzou os braços e se acostumou à intervenção das grandes potências nos conflitos. Por isso, não interveio de imediato para frustrar os insurgentes do Boko Haram e, em troca, temos Estados Unidos, Israel e França enviando militares para a fronteira entre Chade e Nigéria para ajudar a encontrar as estudantes sequestradas”, apontou Gundurama à IPS.

Outros observadores sustentam que a UA por si só não pode resolver todos os conflitos do continente. “A África tem a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), e seguramente a UA não é o Espírito Santo para pôr fim aos conflitos africanos sem ajuda”, pontuou à IPS o comentarista político baseado em Harare, Innocent Majawaya.

Ernst Mudzengi, analista político e diretor do Media Centre Zimbabwe, atribuiu os conflitos na África à distribuição desigual dos recursos naturais do continente. “Apesar da presença da UA, a África continua sendo testemunha dos conflitos provocados por governos ineficazes com um punhado de pessoas se beneficiando dos recursos naturais do continente”, assegurou à IPS.

Não há muito a comemorar no aniversário da UA, que coincidiu com o Dia da África, ressaltou Catherine Mukwapati, diretora da Youth Dialogue Action Network, uma organização defensora da democracia no Zimbábue. “Temos crises de liderança na África, onde alguns dirigentes creem que têm o mandato de governar sem cessar e as pessoas, portanto, anseiam pela renovação de seus líderes, o que faz muita gente ter poucos motivos para comemorar o Dia da África”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS