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Micronésia enfrenta mudança climática com lei pioneira

O nível do mar próximo aos Estados Federados da Micronésia aumenta dez milímetros por ano, mais de três vezes a média mundial. Foto: Catherine Wilson/IPS
O nível do mar próximo aos Estados Federados da Micronésia aumenta dez milímetros por ano, mais de três vezes a média mundial. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sidney, Austrália, 3/6/2014 – A nova lei de adaptação à mudança climática converteu os Estados Federados da Micronésia, um país insular do Pacífico ocidental com pouco mais de cem mil habitantes, em pioneiro nessa região. Em dezembro de 2013, o governo aprovou a Lei de Mudança Climática que obriga a integrar a adaptação climática a todas as políticas e a todos os planos de ação do setor público, incluídos os órgãos encarregados do ambiente, da gestão de desastres, do transporte, da infraestrutura, da saúde, da educação e das finanças.

A lei também exige que o presidente informe anualmente ao parlamento sobre sua aplicação. “Essa lei é a primeira de seu tipo para um país insular do Pacífico e um pequeno Estado insular, por isso abrimos um novo caminho”, afirmou Lam Dang, assessor legislativo perante a Assembleia da Micronésia, que fica ao norte de Papua Nova Guiné e a leste de Palau.

A legislação reconhece o profundo desafio que os perigos climáticos extremos representam para a segurança humana e a saúde econômica. Também reforça a ideia de que toda ação relativa a esse problema só terá efeito duradouro se for aplicada.

Quando as marés altas inundam as áreas costeiras ou um tufão atinge o Estado insular do Pacífico os que mais sofrem são as comunidades locais, frequentemente de baixa renda. Assim, suas experiências e contribuições foram fundamentais para o desenvolvimento da nova política, contou Dang à IPS. “A principal preocupação da comunidade é a elevação do nível do mar, a consequente perda de capacidade agrícola e a contaminação da água potável”, ressaltou.

A maioria dos 104 mil habitantes da Micronésia vive perto da costa e se dedica à pesca de subsistência, bem como ao cultivo de inhame-coco (Colocasia esculenta, taro, malanga), banana e inhame. A renda média de subsistência equivale a cerca de US$ 11 mil por ano.

Mas o nível do mar ao redor do Estado insular sobe dez milímetros por ano, mais de três vezes a média mundial, o que gera marés mais fortes e erosão costeira. As inundações prejudicaram as aldeias e sua infraestrutura, já que contaminaram terras de cultivo e fornecimentos de água doce subterrânea, afetando milhares de pessoas. Como resultado, a insegurança hídrica e alimentar é um desafio constante para a população e o governo.

Segundo o Programa Científico da Mudança Climática no Pacífico, a Micronésia experimentará o maior aumento nas temperaturas superficiais do ar e do mar, elevação do nível do mar, maiores precipitações e tufões com ventos mais fortes do que a média durante este século. O país já é vulnerável aos desastres naturais e sofre uma temporada anual de tufões entre julho e novembro.

Suzie Yoma, diretora-executiva da Sociedade da Cruz Vermelha da Micronésia em Pohnpei, recordou a devastação causada pelo tufão Chata’an, em 2002, quando um deslizamento de terra provocado pelo excesso de chuva matou 47 pessoas no Estado de Chuuk. Em 2004, o ciclone Sudal danificou 90% das moradias e da infraestrutura da ilha de Yap e afetou mais de seis mil pessoas.

As pequenas ilhas no cenário mundial

A reforma inovadora da Micronésia se baseou em sua participação nas reuniões internacionais da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), que tem por meta apoiar os legisladores nacionais na redação de leis que fomentem o desenvolvimento sustentável.

Enquanto a comunidade internacional parece incapaz de acordar limites máximos para as emissões de carbono – que, segundo os cientistas, são essenciais para evitar o aumento de dois graus na temperatura mundial –, os pequenos Estados insulares do Sul em desenvolvimento, como a Micronésia, lutam para serem ouvidos, ao contrário de potências como Estados Unidos, China ou Rússia.

A primeira cúpula mundial da Globe International, realizada no Rio de Janeiro em 2012, e a conferência sobre adaptação à mudança climática do ano seguinte, em Pequim, foram claros chamados à ação. Entre os dias 6 e 8 deste mês acontecerá a segunda cúpula mundial da organização de legisladores promotores do equilíbrio ambiental na Cidade do México, com participação de 500 parlamentares de 80 países.

“Ficou evidente depois das conversações com um grande número de legisladores de todo o mundo que a alternativa que um pequeno país insular tem diante do ponto morto das negociações internacionais sobre mudança climática é a aprovação de leis próprias”, destacou Dang.

Os países em desenvolvimento esperam impulsionar o movimento em favor de um acordo internacional vinculante sobre mudança climática que inclua os países industrializados que são grandes emissores de carbono. Atualmente, a região das ilhas do Pacífico produz 0,006% dos gases-estufa. Mas sua população sofre as piores consequências do derretimento dos gelos e da elevação dos mares.

O potencial que o aquecimento mundial tem para aumentar a frequência e gravidade dos desastres naturais e suas consequências nas populações humanas, em seus meios de vida a na infraestrutura econômica fez o governo da Micronésia integrar a gestão de risco de desastres à sua legislação climática. Nos últimos 60 anos os desastres naturais afetaram 9,2 milhões de pessoas na região das ilhas do Pacífico e causaram danos avaliados em US$ 3,2 bilhões.

A política da Micronésia está alinhada à estratégia regional para incorporar a mudança climática e a gestão do risco de desastres nas políticas públicas e na legislação. Organizações de desenvolvimento regionais, com a Secretaria da Comunidade do Pacífico e a Secretaria Regional do Programa Ambiental do Pacífico apoiam esse enfoque desde 2008.

Andrew Yatilman, diretor do escritório de ambiente e gestão de emergências da Micronésia, afirmou que a integração da política fortalecerá o funcionamento de sua divisão. O pessoal de seu escritório tende a tratar “a mudança climática, em geral, como um problema ambiental. Agora estamos no processo de realinhamento da política para que os dois se complementem ainda mais”, disse Yatilman.

Esse processo trará benefícios como a redução da duplicação de tarefas e o uso mais eficaz dos limitados fundos e recursos. O presidente micronésio, Emmanuel Mori, qualificou a Lei de Mudança Climática como “essencial para proteger nossa nação e promover os interesses e o bem-estar de nosso povo”. “Podemos aprovar a melhor das leis mas cabe ao Poder Executivo aplicá-la. Se há suficiente vontade política, a legislação em si é muito flexível e permite a constante incorporação de contribuições”, assegurou Dang.

Os líderes da Micronésia defendem incansavelmente que sejam tomadas medidas internacionais com relação à mudança climática, especialmente na Organização das Nações Unidas (ONU). A 19ª Conferência das Partes (COP 19) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em Varsóvia em novembro de 2013, a Micronésia apoiou a proposta de redução do uso de hidrofluorocarbonos (HFC) por meio do Protocolo de Montreal, o tratado internacional para erradicar gradualmente as substâncias que contribuem para a destruição do ozônio.

Acredita-se que os HFC, os gases de uso habitual na refrigeração e no ar-condicionado, sejam muito prejudiciais para o ambiente. Entretanto, seu uso aumenta entre 10% e 15% ao ano. A Globe International alerta que a ação legislativa mundial por si só não limitará o aumento da temperatura média do planeta em dois graus, nível que a comunidade científica mundial considera a fronteira de segurança do aquecimento global. Envolverde/IPS