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O trem da reconciliação da Palestina chega a outra estação

Palestinos se manifestam diante da casa do ex-primeiro-ministro Ismael Haniya em apoio à reconciliação palestina. Foto: Khaled Alashqar/IPS
Palestinos se manifestam diante da casa do ex-primeiro-ministro Ismael Haniya em apoio à reconciliação palestina. Foto: Khaled Alashqar/IPS

 

Gaza, Palestina, 6/6/2014 – A formação de um novo governo de unidade na Palestina entre os movimentos Fatah e Hamás é uma estação importante no caminho para a reconciliação, “mas ainda restam muitas estações a serem alcançadas antes de se conquistar a verdadeira unidade baseada na associação entre todos os palestinos”.

Com estas palavras, Amjad Al Shawa, diretor da Rede Palestina de ONGs (PNGO) na Faixa de Gaza, recebeu com beneplácito a notícia do governo de consenso nacional, mas acrescentou à IPS que agora deverão ser canceladas todas as decisões adotadas durante o período da divisão territorial entre Fatah e Hamás (Movimento de Resistência Islâmica). O acordo do governo de unidade nacional foi anunciado no dia 2 e, até então, Fatah controlava Cisjordânia e o Hamás governava a Faixa de Gaza.

“A formação de um governo de consenso nos impõe importantes responsabilidades como instituições civis para trabalhar em favor do cumprimento do acordo de reconciliação e contribuir para a eficácia e a ação nacionais com base na colaboração para a formulação dos planos nacionais”, disse Shawa. “Exigimos que sejam garantidos os direitos palestinos, incluída a reabertura de todas as sociedades fechadas durante o tempo da divisão e a realização do Estado de direito”, acrescentou.

O acordo que pôs fim à divisão política entre os palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza é o terceiro governo encabeçado por Ramy Al Hamdallah, que sucedeu o ex-primeiro-ministro Salam Fayyad, e o governo número 17 desde o estabelecimento da Autoridade Nacional Palestina (ANP), em 1994. O novo governo prestou juramento na sede da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Ramalá, na presença do presidente Mahmoud Abbas. Quatro ministros de Gaza não puderam participar porque Israel lhes negou acesso à Cisjordânia.

A nova administração se dedicará à preparação das eleições presidenciais e parlamentares nos territórios palestinos e à reconstrução da Faixa de Gaza, o que indica sua intenção de priorizar Gaza e romper o bloqueio israelense, imposto desde que o Hamás assumiu o poder, em junho de 2007.

Em um discurso transmitido pela televisão, Abbas disse ao povo palestino que a nova administração significará o fim da divisão interna que prejudicou a causa palestina, e a qualificou de governo de transição, cuja missão é preparar as eleições. Também insistiu que, como seus antecessores, o governo de consenso nacional manterá seu compromisso com o acordo assinado em nível internacional pela ANP e com o programa político adotado pelas instituições da OLP. Abbas destacou que as negociações políticas continuarão a cargo da OLP, como única representante legítima do povo palestino.

Abbas também advertiu Israel de que toda ação punitiva do governo israelense prejudicial aos interesses do povo palestino não ficará sem uma resposta adequada. Suas declarações refletem claramente a preocupação palestina pela possibilidade de Israel adotar represálias, algo com que integrantes do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu advertiram caso continuasse o processo de reconciliação entre Fatah e Hamás. Essas ameaças se referem ao Hamás, em particular, a facção islâmica que Israel e muitos países ocidentais consideram uma organização terrorista.

Netanyahu não deixou passar o tempo para agir após o anúncio do novo governo palestino. O líder israelense convocou imediatamente seu gabinete de política e segurança para uma reunião urgente a fim de analisar a forma de responder à ANP por sua aliança com o Hamás. O conselho de ministros decidiu dar a Netanyahu a autoridade para impor sanções à ANP e ao governo de reconciliação, sem especificar detalhes.

Para alguns observadores, o gabinete israelense escolheu um caminho de centro para atender os dois extremos. Por um lado está o ranzinza Naftali Bennett, ministro da Economia e líder do partido de direita O Lar Judeu, que rechaça qualquer acordo com os palestinos e exige o castigo e a anexação de suas terras para colocá-las sob “soberania israelense”. No outro extremo está Yair Lapid, ministro da Fazenda e presidente do partido Yesh Atid (Há um Futuro), que pediu que se espere, aderindo, assim, ao chanceler Avigdor Lieberman, para quem o governo de Israel não deve apressar uma resposta para os palestinos.

O governo do Hamás na Faixa de Gaza – que sofreu nos últimos sete anos rigoroso assédio israelense, fechamento das passagens que levam a Gaza e sucessivas crises financeiras – se demitiu e o ex-primeiro-ministro, Ismael Haniya, declarou em entrevista coletiva que dava as boas-vindas à nova administração de consenso, destacando a necessidade de acabar com a divisão entre os palestinos.

Um dos desafios que tem o novo governo é reparar a relação de Gaza com o Egito, do qual se espera que reabra a passagem da cidade de Rafah que une a Faixa de Gaza com o resto do mundo. Cairo havia colocado como condição para essa reabertura a formação de um governo palestino de unidade nacional. E o Egito elogiou a unidade palestina.

“A formação de um governo de consenso nacional palestino é um passo importante para apoiar a unidade palestina e a restauração dos direitos legítimos do povo, principalmente o direito à autodeterminação e ao estabelecimento de seu próprio Estado independente e soberano, baseado nas fronteiras de 4 de junho de1967”, declarou, no dia 2, o porta-voz do Ministérios das Relações Exteriores do Egito, Badr Abdel Atti, em referência ao dia em que aconteceu a ocupação israelense do território palestino.

Os próximos dias serão muito importantes para saber como o novo governo palestino exerce suas funções, em particular na Faixa de Gaza, que sofreu muito durante os anos de abusos e violações dos direitos das pessoas e das instituições. O governo necessitará de tempo e medidas concretas para recuperar a confiança da população palestina. Envolverde/IPS