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Histórico: empresas dos Estados Unidos revelam uso de minerais de guerra

Vista da mina de coltan (mistura do minerais columbite e tantalite) em Luwowo, perto de Rubaya, na província de Kivu Norte, República Democrática do Congo. Foto: Monusco Photos/CC-BY-SA-2
Vista da mina de coltan (mistura do minerais columbite e tantalite) em Luwowo, perto de Rubaya, na província de Kivu Norte, República Democrática do Congo. Foto: Monusco Photos/CC-BY-SA-2

 

Washington, Estados Unidos, 9/6/2014 – Pela primeira vez no país, cerca de 1.300 empresas dos Estados Unidos informaram se os produtos que fabricam ou vendem contêm minerais que financiam os conflitos armados na região dos Grandes Lagos da África central. O dia 2 deste mês foi a data limite para que elas apresentassem suas declarações, no que foi o primeiro resultado concreto de uma lei aprovada em 2010 pelo congresso norte-americano para ajudar a acabar com a prolongada guerra civil na República Democrática do Congo (RDC).

Porém, a regulamentação da lei foi alvo de reiterados ataques legais de empresas privadas e grupos de pressão, para os quais o cumprimento do Artigo 1502 da lei que os obriga a apresentar as declarações é oneroso e também inconstitucional. Apesar disso, no dia 3, parecia que o fizeram a maioria das empresas que deveriam apresentar declarações sobre os chamados minerais de conflito ou de guerra em suas cadeias de fornecimento. A informação está à disposição do público por meio da Comissão da Bolsa e Valores (SEC), órgão federal encarregado de aplicar o Artigo 1502.

“Este é um dia histórico. Há cinco anos esse assunto não estava no radar de ninguém, e agora os consumidores podem saber o que há dentro de um produto”, disse à IPS Sasha Lezhnev, analista de políticas públicas da Enough Project, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos com sede em Washington. “Creio que muita gente sabia o que empresas como Apple, Intel ou Hewlett-Packard faziam, já que estão muito atentas a esse assunto. Mas ninguém sabia o que faziam empresas como Walmart ou General Motors”, acrescentou.

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu formalmente em 2009 que a renda obtida com extração de minerais fortalecia numerosos grupos armados que operam no leste da RDC. A indústria da eletrônica é uma das usuárias mais importantes desses minerais, entre eles estanho, tântalo, tungstênio e ouro. Desde então, segundo Lezhnev, 95 minas da RDC foram certificadas como “livres de conflito armado”, enquanto foram desmilitarizados dois terços das minas de estanho, tântalo e tungstênio no leste do país.

Mas o ouro continua sendo um problema importante, e a Enough Project e outras vozes pedem medidas mais concertadas para determinar as fontes de abastecimento, em particular com relação à indústria de joias. Sob diretrizes da SEC, as empresas cotadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos agora devem apresentar declarações anuais detalhando seus esforços para discernir se seus produtos utilizam minerais procedentes de conflitos armados, e, se assim for, seus planos para deter esta prática.

Vários milhares de empresas foram identificadas como possíveis vendedoras, inclusive sem saber disso, de produtos contendo esses minerais de guerra. A consultoria Booz Allen Hamilton disse ter participado da fabricação de placas de circuitos, montagens elétricas e gravadores de vigilância contendo esses minerais. Muitos desses produtos foram fabricados para o governo norte-americano, afirmou a companhia.

No entanto, a maioria das firmas declarou resultados incompletos. A gigante Microsoft, por exemplo, disse que “não pode excluir a possibilidade” de seus produtos conterem minerais de guerra, mas também que ainda não teve a informação completa sobre suas fontes de abastecimento em sua “extensa e complexa” cadeia de fornecimento.

Muitas organizações ativistas se preocupam com o fato de a maioria das empresas não ter fornecido informação sobre as ações de acompanhamento que tomaram depois das consultas aos seus fornecedores, se é que foram tomadas. “Em geral, estamos muito decepcionados com a falta de precisão de muitas das declarações, que carecem da descrição sobre os processos”, lamentou Carly Oboth, assessora de políticas na Global Witness, organização que apoia a regulamentação dos minerais de guerra.

“Nos preocupa saber como as empresas chegaram a tomar a decisão sobre seus minerais de guerra, já que muitas afirmam que são ‘livres de conflito”, sem indicar como chegaram a essa conclusão. Não se supõe que isto seja um exercício de múltipla opção, mas de demonstrar que não estão se abastecendo em uma zona de conflito”, destacou Oboth à IPS. A Global Witness afirma que a maioria das declarações apresentadas é “insuficiente”.

Um gargalo crucial para muitas das empresas que devem investigar suas cadeias de fornecimento está nas fundições de metal que convertem as matérias-primas em produtos viáveis. Uma iniciativa liderada pelo setor industrial, o Programa de Fundições Livres de Conflitos, certificou até agora cerca de 40% dessas fábricas no mundo, informou Lezhnev.

Mas Oboth assegura que muitas companhias se limitaram a comprovar se seus fornecedores contam com esta certificação e nada mais fizeram. “Por outro lado, o que queremos – e o que exige a norma da SEC – é que façam um acompanhamento das fundições. A Intel, por exemplo, visitou as fundições para verificar sua política com relação aos minerais de guerra, para ver como identificavam os riscos”, exemplificou.

De fato, a Intel, fabricante de microprocessadores, em muitos aspectos é a corporação mais ativa no tema. Em janeiro apresentou o primeiro produto do mundo “livre de conflitos”, e foi a única empresa a divulgar um informe completo sobre suas cadeias de fornecimento, inclusive antes da data limite para apresentar a declaração que exige o Artigo 1502.

Em abril uma sentença judicial alterou a disposição original da SEC e agora as empresas não estão obrigadas a declarar se um produto é livre de conflitos, embora o processo judicial possa continuar nos próximos meses. A Intel afirma que esses rótulos são importantes.

“Uma de nossas características tem a ver com a transparência. Embora não nos seja exigido revelar o estado de nossos produtos, acreditamos que esta transparência demonstra aos nossos clientes e acionistas nosso compromisso com esse tema”, declarou a Intel à IPS por meio de um comunicado. “Incentivamos outras empresas a também compartilharem as conclusões sobre seus produtos enquanto todos trabalhamos para certificar que nossos produtos sejam livres do conflito da RDC”, acrescentou a empresa.

A presença de um único produto livre de conflitos no mercado estimulou a competição, e se espera que haja uma dinâmica semelhante após o resultado das declarações públicas do dia 2. “Já vimos que outras empresas entraram na corrida para ter o próximo produto livre de conflitos, e incentivamos os consumidores a cobrarem a participação das maiores empresas do setor aeroespacial e automotivo”, disse Lezhnev. “O passo dado pela Intel é bom, mas há companhias que são muito maiores. Por exemplo, quando a Boeing ou a General Electric fabricarão o próximo produto livre de conflitos?”, perguntou o analista. Envolverde/IPS