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A natureza fala, os legisladores africanos ouvem

República Democrática do Congo (RDC) é o segundo país com maior superfície de selva tropical do mundo, mas o corte e a queima realizados maciçamente pela agricultura são, junto com o carvão vegetal, as maiores causas das emissões de gases-estufa. Foto: Taylor Toeka Kakala/IPS
República Democrática do Congo (RDC) é o segundo país com maior superfície de selva tropical do mundo, mas o corte e a queima realizados maciçamente pela agricultura são, junto com o carvão vegetal, as maiores causas das emissões de gases-estufa. Foto: Taylor Toeka Kakala/IPS

 

Cidade do México, México, 10/6/2014 – Legisladores da África, participantes de uma cúpula mundial na capital mexicana, criticaram as leis sobre mudança climática do continente, porque não são suficientemente ambiciosas para remediar as consequências do aquecimento global, embora considerem que são um avanço no caminho adequado.

As críticas contra a República Democrática do Congo (RDC), um ator emergente no plano de ação da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD+), apontam que seus projetos não têm o apoio de um contexto juridicamente vinculante, o que deixa as comunidades florestais em um vazio legal e vulneráveis à exploração econômica.

O parlamentar congolense Jean Claude Atningamu admitiu que seu país conta com estratégias e políticas, mas ainda não adotou uma lei sobre REDD+. “Acabamos de iniciar esses processos e estamos lidando com muitos desafios”, disse à IPS. O legislador afirmou que, embora as comunidades locais não estejam se beneficiando dos fundos destinados à luta contra a mudança climática, isso não se deve à falta de vontade política.

“Não temos o pleno apoio da comunidade internacional, que não está proporcionando os fundos necessários para ajudar a população da RDC a abordar os desafios econômicos”, afirmou Atningamu no encerramento da segunda Cúpula Mundial da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), que aconteceu na semana passada na Cidade do México.

Embora a RDC seja o segundo país com maior superfície florestal do mundo, “ainda não recebemos fundos para REDD+”, apontou Atningamu. “Estamos à espera de receber os primeiros US$ 60 milhões da REDD+. Com nossa extensa área florestal, deveríamos receber pelo menos US$ 1 bilhão por ano”, opinou.

“Devemos contar com mecanismos estabelecidos pelo parlamento que ajudem os países africanos a ter acesso ao financiamento da REDD+. Sem o acesso aos fundos não podemos implantar as políticas que estamos discutindo nessa Cúpula da Globe”, argumentou Atningamu na reunião. O parlamentar afirmou que na África a floresta é a maior riqueza da população. “Precisamos dela para alimentar nossa gente, para obter calor e para cozinhar. Não se pode dizer à esposa que deixe de usar lenha e não seja dada uma fonte alternativa de energia”, explicou.

Mas a falta de acesso aos fundos climáticos não foi único assunto que preocupou o bloco dos legisladores africanos no México. Algumas resoluções acordadas na cúpula também geraram preocupação, como o acordo para oferecer uma sólida legislação em apoio ao desenvolvimento sustentável, em particular à mudança climática, ao capital natural e às florestas e REDD+, bem como ao fortalecimento da capacidade dos legisladores para exercerem efetivamente suas responsabilidades de supervisão, especialmente sobre o poder executivo.

Simon Asimah, presidente do bloco africano na cúpula e vice-presidente da Globe International Africa, disse que as resoluções não são suficientemente integrais a ponto de cobrir as lacunas legislativas do continente. “Foram acrescentadas algumas cláusulas à resolução final para garantirmos que a postura da África com relação à segurança climática esteja plenamente representada”, afirmou esse legislador de Gana.

A recomendação foi aceita e incluídas cláusulas que sugerem que todos os países africanos contem com capítulos da Globe International em seus respectivos corpos legislativos e que a organização instale uma secretaria regional na África. No momento, a presença da Globe International no continente se limita a Gana, Nigéria, RDC e África do Sul. Isto é fundamental para a coordenação, bem como para melhorar o intercâmbio de melhores práticas africanas referentes à mitigação da mudança climática e à adaptação, segundo os legisladores.

Asimah disse que o bloco africano pressionou na cúpula para que “todos os países, em particular os da África, adotem leis eficazes sobre a mudança climática, que reconheçam e incorporem conceitos de contabilidade relativos ao capital natural, que contabilizem os recursos naturais como parte do capital nacional integral”. Joyce Laboso, a vice-presidente da Assembleia Nacional legislativa do Quênia, também expressou sua preocupação pela mudança nas perspectivas mundiais e seu impacto na África.

O mundo desestimula o uso de combustíveis fósseis enquanto muitos países africanos – como Quênia, Moçambique, Tanzânia e Angola – estão descobrindo petróleo, pontuou Laboso. “E agora nos dizem que vamos para a energia renovável subsidiada. Então, como vamos conseguir o desenvolvimento sustentável se a África não pode recorrer à sua riqueza natural?”, questionou.

A delegação de Gana insistiu quanto aos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, e as economias emergentes, como China e México, emitirem a maior quantidade de carbono, enquanto se pede à África que não utilize suas florestas e se industrialize da mesma maneira que fez o Brasil.

Asimah disse que a África não recebe compensação suficiente, e às vezes nenhuma, por seus esforços para evitar que a população explore os recursos florestais. O continente “deve encontrar uma via de desenvolvimento, mas se trata de atribuir responsabilidade. A mudança climática é um problema mundial e exige soluções mundiais”, destacou. Jocob F. Mudenda, presidente da Assembleia Nacional do Zimbábue, destacou que “os países industrializados devem se submeter às convenções sobre a mudança climática, sem as quais não haverá nenhuma sinergia mundial”.

Os legisladores de Cabo Verde, Nigéria, Sudão e Uganda informaram que consideravam exigir importantes aportes financeiros às empresas multinacionais que exploram a riqueza natural da África e não contribuem significativamente com seu produto interno bruto. No Zimbábue, Mudenda disse que as leis ambientais foram incorporadas à Constituição como direitos humanos. “Toda pessoa que se sinta explorada pode apresentar uma queixa perante os tribunais institucionais”, afirmou.

Outros países, como Botsuana, estão aprendendo com a Noruega e adotam cláusulas que obrigam as multinacionais que investem em seus países a compartilhar os ganhos obtidos com 51% para o país anfitrião e 49% para a empresa estrangeira.

Apesar dessas preocupações, os legisladores africanos disseram que a cúpula do México foi um passo na direção certa, sobretudo enquanto continuam sendo forjadas alianças mundiais sobre os recursos naturais, agora que vários processos e metas internacionais chegam ao fim, em particular os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), e outros que começam a surgir. Envolverde/IPS