Kampala, Uganda, 13/6/2014 – Quando Gerald Abila ganhou um smartphone (telefone celular inteligente), em 2012, o então estudante de direito de Uganda não se limitou a comunicar-se com seus amigos, mas o usou para criar uma organização sem fins lucrativos que utiliza Facebook, Skype, Twitter, mensagens de texto e links de rádio para melhorar o acesso à justiça e à lei.
“Enquanto estava em aula, ao mesmo tempo usava Twitter e Facebook”, contou o advogado de 31 anos à IPS. “Me faziam tantas perguntas jurídicas que decidi abrir um grupo no Facebook para dar conselhos gratuitos, eu sozinho”, acrescentou. Abila criou o grupo no Facebook em 2012, antes de se formar em direito na Universidade Internacional de Kampala.
Começou com cem membros, que recebiam a ajuda do advogado todos os sábados entre 15 e 16 horas, mas o grupo cresceu até se transformar na Barefoot Law (Lei Descalça), uma organização com mais de 16 mil seguidores na internet e um aplicativo para Android, um sistema operacional para dispositivos móveis.
“Decidi transformar isto em uma organização porque o acesso aos serviços jurídicos é um pesadelo” em Uganda, explicou Abila, fundador e diretor-gerente da organização. “É como a saúde, as pessoas só vão ao médico quando estão doentes. E só procuram um advogado quando têm um problema legal”, afirmou.
A Barefoot Law começou suas atividades de forma remota, mas quatro meses depois abriu um escritório no distrito de Bukoto, em Kampala. Hoje a organização conta com sete voluntários em tempo integral, incluindo um técnico que trabalha da Alemanha. A equipe recebe cerca de 50 consultas diárias por meio de mídias sociais, Skype, e-mail, telefonemas e mensagens de texto.
Abila, um dos oradores da Conferência Internacional eLearning Africa 2014 sobre TIC (tecnologias da informação e comunicação) para o Desenvolvimento, a Educação e a Formação, realizada no final de maio em Kampala, disse que pelo menos dez das consultas recebidas a cada dia estão relacionadas com o emprego. A maioria das pessoas quer apenas conhecer seus direitos.
“A sucessão e as propriedades imóveis também são um problema muito grande”, segundo Abila, que coloca na Barefoot Law parte do que ganha dando aulas e praticando advocacia. “Educamos e correspondemos. Diariamente recebemos um aspecto da lei que consideramos que é ignorada, por exemplo, a lei da terra, que prevê os direitos dos ocupantes ilegais, e depois divulgamos nas redes sociais”, explicou.
A maioria dos ugandeses não está consciente de seus direitos legais. Mas a internet é uma ferramenta poderosa. A reputação da organização é conhecida em lugares remotos como Kidepo, na fronteira entre Uganda e Sudão do Sul. Um homem da região viajou até Kampala em busca de assessoria em uma disputa sobre terras, e finalmente resolveu o caso. Inclusive pessoas que vivem a milhares de quilômetros, até na Somália, conhecem a Barefoot Law.
Anthony Latim, de 38 anos, sofreu um grave acidente de motocicleta enquanto trabalhava, em 2010. Seu empregador, uma organização não governamental, se negou a indenizá-lo mesmo tendo passado quatro meses em um hospital de Uganda com fratura no pescoço e lesão na uretra e estar sem trabalhar desde 2011.
Um amigo ugandense que vive na Somália e “que navega na internet” lhe recomendou a Barefoot Law. Durante um dia inteiro Latim se inteirou que tinha direito a indenização e agora seus advogados estão para iniciar a mediação com os empregadores. “Estou muito grato porque pela primeira vez entrei em contato com um advogado em Uganda que não me pediu dinheiro”, disse Latim à IPS.
Abila acredita que a única maneira de Uganda alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é as pessoas estarem conscientes das leis, “já que uma vez que são violadas, nada se pode conseguir”, afirmou. No entanto, muitos ignoram a lei. O parlamento aprovou 19 projetos de lei entre junho de 2013 e maio de 2014, pontuou Irene Ikomu, advogada da Parliament Watch, uma organização que fornece informação virtual sobre o processo legislativo em Uganda. “É muito em comparação com os parlamentos anteriores”, ressaltou à IPS.
Um desses projetos se converteu em lei contra a pornografia, promulgada em fevereiro. Versões anteriores da iniciativa legislativa incluíam definições muito vagas de pornografia que se referiam à exibição de partes sexuais da pessoa, como “seios, coxas, nádegas ou os genitais”. Com base na lei, o ministro de Ética e Integridade, Simon Lokodo, causou um alvoroço na mídia ao advertir as mulheres que seriam detidas se usassem minissaia, apesar de a legislação não mencionar a palavra “minissaia”.
Em meados de fevereiro, a Barefoot Law começou a receber até 200 consultas por dia de pessoas preocupadas com essa lei, inclusive de uma mulher da localidade de Mbale a quem uma multidão praticamente desnudou afirmando que a minissaia que vestia era ilegal.
“Recebemos muitas consultas desse tipo, por isso decidimos compartilhá-la” pela internet, contou Abila. Ao fim de uma hora, o alerta sobre o incidente no Facebook da organização registrava sete mil compartilhamentos, inclusive por meios de comunicação e da polícia. O público fora informado da realidade da lei.
A Barefoot Law somou forças com a Rede de Mulheres de Uganda (Wougnet), que tem centros de apoio em todo o país. As pessoas que precisam de assessoria jurídica da equipe de Abila podem entrar em contato com uma dessas unidades, que possuem acesso à internet. A organização também tem uma colaboração com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que consiste em colocar o conteúdo da Barefoot Law no portal da agência internacional correspondente a Uganda.
“Também nos associamos a emissoras de rádio em áreas de difíceis acesso. Elas nos telefonam em uma determinada hora e damos assessoria gratuita aos ouvintes que ligam ou vão pessoalmente à emissora”, explicou Abila, que tem a esperança de agregar linhas telefônicas gratuitas e ampliar suas atividades ao vizinho Quênia no futuro.
Abila acredita que a tecnologia é a “varinha de condão” que supera os desafios legais. “Sempre digo aos meus colegas que antes do mestrado façam um curso relacionado com a tecnologia da informação (TI), porque o futuro do direito está na TI, não na lei em si”, destacou. Envolverde/IPS