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Um Líbano dividido teme contágio de conflitos na Síria e no Iraque

Edifícios destruídos no bairro de Jabal Mohsen, na cidade libanesa de Trípoli, por enfrentamentos entre xiitas e alauíes pró-sírios, no segundo semestre de 2013. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Edifícios destruídos no bairro de Jabal Mohsen, na cidade libanesa de Trípoli, por enfrentamentos entre xiitas e alauíes pró-sírios, no segundo semestre de 2013. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Beirute, Líbano, 23/6/2014 – Um atentado suicida, no dia 20, acabou com um período de frágil calma no dividido Líbano, que teme que os conflitos na Síria e no Iraque repercutam em toda a região, enquanto facções jihadistas lideram uma insurreição sunita contra o governo iraquiano dominado pelos xiitas.

O avanço sobre Bagdá por parte do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis), um grupo extremista que integrava a rede islâmica Al Qaeda, ameaça quebrar a estabilidade do Líbano. No dia 20, uma explosão sacudiu a passagem de Dahr al Baydar, no vale de Bekaa, quando um atacante suicida se imolou perto de um posto de controle das forças de segurança.

O atentado ocorreu pouco depois da passagem de um comboio do diretor-geral de segurança Abbas Ibrahim. A agência nacional de notícias libanesa informou que duas pessoas morreram e várias ficaram feridas no ataque. “O perigo reside nas células terroristas latentes que existem em todo o país. Descobrimos vários complôs e brechas de segurança na última semana”, disse um oficial do exército libanês, que pediu para não ser identificado.

Um documento do Mossad, o serviço secreto de Israel, publicado pelo jornal local An-Nahar no dia 20, afirma que islâmicos das brigadas Abdullah Azzam, vinculadas à Al Qaeda, planejavam assassinar um alto funcionário de segurança libanês, possivelmente o general Ibrahim.

Um plano de segurança colocado em prática este ano permitiu a detenção de vários extremistas responsáveis por uma série de atentados em áreas xiitas, onde a população apoiava o movimento Hezbolá (Partido de Deus). A organização está muito envolvida na Síria, onde acredita-se que cerca de cinco mil de seus combatentes estão na vanguarda da luta junto às forças do presidente Bashar al Assad, segundo uma fonte próxima aos fatos.

O levante na Síria é liderado em grande parte por sunitas que travam a guerra contra o governo encabeçado pelo clã Assad, que pertence à comunidade alauíta, um ramo do islã xiita.

O controle das zonas fronteiriças sírias por parte do Hezbolá interrompeu a entrada de carros-bomba da Síria para o Líbano e prejudicou a capacidade dos grupos extremistas, mas não acabou com esta, segundo especialistas. Essa capacidade “persiste nas corredores ilegais por onde passam munições ou explosivos, no Bekaa e no norte do Líbano”, disse Wehbe Katisha, general da reserva libanês especialista em assuntos militares.

Nesse contexto, outras fontes apontam para possíveis ataques contra Dahieh, que são os subúrbios ao sul de Beirute e um reduto do Hezbolá, acrescentou Katisha. Na semana passada, combatentes do Hezbolá e do exército libanês reforçaram a segurança na região, quando se soube que um grupo extremista atacaria dois hospitais locais.

Katisha destacou que a fragilidade institucional do Estado, combinada com a proliferação das redes jihadistas sunitas e as milícias xiitas são fatores que levam a mais violência sectária. “As armas em poder do Hezbolá xiita e das facções palestinas são uma fonte de constante ameaça para o Líbano, que é o cenário de uma luta permanente”, afirmou.

Os refugiados palestinos tiveram um papel importante na cadeia de atentados de 2013 e começo deste ano. Uma das principais redes desmanteladas pelos militares libaneses era dirigida pelo comandante palestino Naim Abbas, integrante das brigadas de Abdallah Azzam vinculadas à Frente Nusra, uma organização radical síria.

A organização reivindicou o duplo atentado suicida contra a embaixada do Irã em Beirute, cometido em novembro por um libanês e um palestino. “Os grupos radicais palestinos nos acampamentos de refugiados estão cada vez mais inquietos e ativos”, disse a fonte de segurança. A situação em Ain al-Hilweh, principal campo de refugiados palestinos no Líbano, é precária na medida em que aumenta a entrada de extremistas sunitas de outras regiões do país e da Síria.

Essa opinião também é compartilhada por Katisha, que acrescentou que os grupos palestinos podem ser facilmente manipulados por organizações estrangeiras, enquanto alguns dos refugiados sírios em Bekaa estão dispostos a lutar contra o Hezbolá.

Para proteger o país da violência iraquiana, o exército libanês realizou revista nos acampamentos de refugiados sírios em Ersal, na fronteira oriental do Líbano com a Síria. Essa localidade hospeda uns poucos milhares de rebeldes sírios que fugiram das áreas fronteiriças depois que as forças de Assad e do Hezbolá as recuperaram. No começo deste mês, três refugiados adolescentes foram sequestrados e torturados, e a imprensa local responsabilizou a Frente Nusra.

“A Al Qaeda não tem presença oficial no Líbano, mas muitos adotaram seu discurso e aproveitam a crescente rivalidade entre sunitas e xiitas… Os acontecimentos no Iraque, com a oposição sunita às políticas divisórias de (o primeiro-ministro xiita) Nouri Maliki, têm forte ressonância entre os marginalizados sunitas do país”, pontuou o xeque salafista libanês Nabil Rahim.

“Existe a sensação de que na Síria, no Iraque e no Líbano a luta é a mesma para os sunitas, que são reprimidos por grupos que representam os interesses do Irã”, acrescentou Rahim. A mensagem de organizações ligadas à Al Qaeda, como o Isis e a Frente Nusra, é cada vez mais atraente para os sunitas libaneses, irritados com a crescente influência militar do Hezbolá no Líbano e sua participação na guerra contra o levante da maioria sunita na Síria.

Desde o assassinato do primeiro-ministro sunita Rafic Hariri, em Beirute, em 2005, seguido pela derrubada em 2011 do governo de Saad Hariri, os sunitas libaneses se distanciaram cada vez mais do Hezbolá. Cinco membros deste movimento estão sendo julgados à revelia pela morte de Hariri.

“Os últimos fatos no Iraque seguramente avivarão as tensões sectárias na região e no Líbano. Também aumentam a popularidade do Isis entre os sunitas em certas áreas libanesas, algo que tentamos combater”, explicou o xeque Rahim. Apenas alguns dias depois da ofensiva do Isis no Iraque, o Líbano se encontra novamente no círculo de violência da região, já que os êxitos do Isis a centenas de quilômetros de distância parecem animar os grupos radicais. Envolverde/IPS