Arquivo

Irã denuncia descumprimento do acordo nuclear

1Teerã, Irã, 24/6/2014 – O governo de Teerã reclama que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) finalize a investigação do desenvolvimento pelo Irã de detonadores de explosivos que poderiam indicar um programa secreto de armas nucleares, segundo essa instituição. O diretor-geral da AIEA, Yukiya Amano, se nega a arquivar o expediente sobre esse assunto, que é o primeiro que as duas partes acordaram resolver no contexto de um acordo sobre as “possíveis dimensões  militares” do programa nuclear iraniano, segundo a agência.

Em seu escritório de Teerã, o diretor da Organização de Energia Atômica do Irã, Ali Akbar Salehi, disse à IPS que a AIEA deveria ter concluído a investigação sobre o detonador para – segundo ele – cumprir o que as duas partes acertaram sobre os procedimentos a serem feitos no contexto de cooperação acordado em fevereiro deste ano. “Segundo meu leal saber e entender, chegaram à conclusão de que o que o Irã disse está em consonância com suas conclusões”, afirmou durante a entrevista, em referência aos funcionários da AIEA.

O uso da expressão “em consonância com” a informação que a AIEA recebeu de outras fontes seria idêntica à que o organismo usou quando concluiu sua investigação de seis “problemas não resolvidos” que acordou solucionar com o Irã em agosto de 2007. Salehi pontuou que a AIEA concordou em fazer o mesmo no tocante aos temas incluídos no “contexto de cooperação” atual. “Acordamos que, uma vez que nossas explicações fossem suficientes para levar isso a uma conclusão, eles teriam que encerrar esse tema. Não deveriam manter a questão aberta”, acrescentou.

O último informe da AIEA, de 23 de maio, confirmou que o Irã apresentou documentos ao órgão que apoiam a postura de Teerã de que realizara experimentos com pontes explosivas (EBW) com fins civis e não como parte de um programa de armas nucleares.

A agência de notícias Reuters informou em 20 de maio que a AIEA pedira ao Irã que fornecesse “documentos de verificação” que apoiassem a informação iraniana de que Teerã tinha uma razão válida para o desenvolvimento de um programa de detonador EBW. Mas, o jornal inglês The Telegraph citou em 23 de maio um “alto funcionário próximo ao expediente do Irã” (ou seja, da AIEA) que declarou que ainda era “muito cedo” para dizer que a informação iraniana é verossímil.

No entanto, Amano declarou no dia 2 que a AIEA divulgaria uma avaliação de sua investigação sobre a questão do detonador “no seu devido tempo, depois de ter uma boa compreensão de todo o panorama”. Ao contrário do plano de trabalho de agosto de 2007, que concluiu com o fechamento de expedientes sobre seis assuntos diferentes analisados durante quase cinco anos, o acordo marco de fevereiro não foi divulgado, por isso a informação de Salehi não pôde ser confirmada de forma independente.

A porta-voz de Amano, Gill Tudor, não respondeu diretamente à IPS quando esta lhe pediu uma resposta da AIEA às declarações de Salehi quanto ao órgão ter aceito encerrar a investigação já que o Irã forneceu a informação necessária e que aceitara a validade da explicação de Teerã. Em um e-mail enviado à IPS no dia 19, Tudor disse: “como afirmou o diretor-geral, o enfoque da agência consiste em considerar cada tema e apresentar uma avaliação depois de termos uma boa compreensão de todo o panorama”.

A declaração de Amano foi pensada claramente para indicar que ele não tem intenção de jogar sobre o Irã a suspeita sobre o programa do detonador até que se resolva a questão mais ampla das “possíveis dimensões militares” do programa nuclear iraniano. A posição da porta-voz em negar as afirmações de Salehi implica que estas refletem com acerto, tanto o acordo marco não divulgado, como aquele que os funcionários da AIEA disseram aos iranianos em 20 de maio.

Ao que parece, Amano pretende adiar sua aceitação final da documentação iraniana até que se alcance um acordo entre Irã e os países do P5+1, integrado por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, mais Alemanha. É improvável que se resolva no curto prazo o assunto das “possíveis dimensões militares”, que implica a autenticidade de uma grande quantidade de documentos originados em um suposto programa secreto iraniano de investigação de armas nucleares entre 2001 e 2003.

Amano se comprometeu em apoiar a política norte-americana para o Irã em troca do apoio de Washington à sua candidatura para substituir o então diretor da AIEA, Mohamed El Baradei, em 2009, segundo um telegrama diplomático publicado pela Wikileaks, a organização que divulga informes e documentos secretos que considera de interesse público. Desde que assumiu em novembro de 2009, Amano não se afastou da posição dos Estados Unidos e do P5+1 de que o Irã teve um programa de armas nucleares no passado.

Desde o princípio, o Irã denunciou que os documentos são fraudulentos, e El Baradei e outros funcionários de alto nível acreditam que provavelmente foram falsificados por um serviço de inteligência estrangeiro, segundo fontes publicadas. Um ex-funcionário da AIEA que pediu para não ser identificado confirmou a opinião de El Baradei à IPS. Sob pressão do governo norte-americano de George W. Bush (2001-2009), a AIEA considerou “verossímeis” os documentos a partir de seu informe de maio de 2008.

Até Teerã mostrar a documentação solicitada aos funcionários da AIEA em maio, o órgão sustentou que o Irã seguia sob suspeita porque reconhecera que realizou um programa de pesquisa e desenvolvimento do detonador EBW com fins civis e militares convencionais, mas sem fornecer provas.

Em sua primeira referência ao assunto, o informe da AIEA de maio de 2008 diz que o Irã “reconheceu que havia realizado testes simultâneos com dois ou três detonadores EBW”, mas que “isto foi destinado a aplicações civis e militares convencionais”. Assim, o relatório levava o leitor a inferir que o Irã havia reconhecido a autenticidade dos documentos sobre o detonador EBW que lhe fora pedido explicar, e que tentou descrevê-los como carentes de fins nucleares.

Mas o informe não esclareceu que os testes descritos no documento objeto da investigação incluíam detonadores EBW que detonavam a um ritmo de 130 nanossegundos, oito vezes mais rápidos do que os reconhecidos pelo Irã, tal como havia revelado o então subdiretor-geral Olli Heinonen em uma comunicação dirigida aos Estados membros, em fevereiro de 2008.

Baseado na premissa falsa de que o Irã admitira ter feito os testes assinalados pelos documentos de inteligência, a AIEA exigiu que Teerã desse os detalhes de seu programa de desenvolvimento de EBW e permitisse visitas ao local onde foram feitos os experimentos de EBW.

O objetivo parece que era provocar a rejeição do Irã, o que seria tomado como evidência de sua falta de cooperação. Quando Teerã se negou a dar informação sobre suas aplicações militares convencionais da tecnologia EBW, que era evidentemente secreta, o governo de Barack Obama e seus aliados aproveitaram para justificar novas sanções econômicas contra o país.

A ideia de que o Irã está obrigado a demonstrar uma necessidade legítima de utilização da tecnologia EBW sem fins nucleares é falsa. O desenvolvimento iraniano de mísseis antinavios está bem documentado, bem como que este tipo de arma utiliza a tecnologia EBW para seu mecanismo de disparo. Aparentemente, Teerã resolveu o problema ao fornecer provas documentais de uma ou mais aplicações civis da tecnologia EBW. Envolverde/IPS