Kigali, Ruanda, 26/6/2014 – Antes do genocídio de Ruanda em 1994, o marido de Salaam Uwamariya, mantinha ele a seus oito filhos com seu trabalho como professor, enquanto ela vendia verduras no mercado para complementar a renda da família.
Mas, como aconteceu com muita gente neste país da África central, sua vida mudou em apenas cem dias, quando cerca de 800 mil membros da minoria tutsi e moderados hutus morreram na matança que começou após a morte do então presidente de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e do seu colega de Burundi, Cyprien Ntaryamira. No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajavam foi derrubado por um míssil perto de Kigali, para impedir que assinassem um acordo de paz.
Entre os mortos durante o genocídio estava o marido de Uwamariya e seus dois filhos mais velhos. Pouco a pouco ela pôde refazer sua vida confeccionando roupa que vende no país e no exterior e que, inclusive, chegou às passarelas de outros países africanos. Atualmente, graças ao Centro César, ela aprendeu novas técnicas e pode manter sua família.
Em 2005, este centro comunitário “adotou” sua aldeia, Avega, em Kimironko, perto de Kigali. “Perdi minha família, muitos bens materiais, minha casa, tudo”, contou à IPS, em kinyarwanda, uma língua local. Também perdeu seus pais, tias e tios no genocídio. “Foi um enorme impacto, não consigo expressá-lo”, afirmou.
Avega tem 150 casas e 750 habitantes. Com apoio econômico da organização humanitária canadense Ubuntu Edmonton, o centro oferece cursos de capacitação para os residentes que ficaram marcados pelo resto de suas vidas pela violência fratricida. Há cursos de mecânica e serigrafia, além de um programa escolar, creches e uma oficina de costura onde Uwamariya trabalha. Semanalmente, cerca de 85 pessoas circulam pelo centro e se beneficiam de seus serviços.
A costura “melhorou muito minha vida porque consigo dinheiro. Melhorou minha vida e a dos meus filhos”, disse Uwamariya, que afirmou ganhar cerca de três mil francos ruandeses (US$ 4,44) por peça, que demora apenas dois dias para confeccionar. Todas as costureiras recebem pagamento justo e o dinheiro vai direto para as mãos das mulheres. Com máquinas industriais, um dos professores, o alfaiate Edson Hategekimana, o único homem, as ensinou a costurar. Deu aulas a Uwamariya durante um ano, e, segundo ela, “não foi difícil”.
Em um dia qualquer, costuma haver cerca de 20 mulheres, entre elas Uwamariya, de 58 anos, trabalhando na confecção de vestidos, jaquetas, calças, bolsas, aventais e bijuterias com motivos africanos. Muitos dos artigos que elaboram incansavelmente são as criações a serem apresentadas pela estilista ruandesa Colombe Ndutyiye Ituze.
Curiosamente, foi a canadense Johanne St. Louis que reparou no talento local para ajudar Ituze. As estilistas se conheceram no Festival de Moda de Ruanda em 2010. St. Louis é diretora-geral da St. Louis Fashion & Dreamyz Loungewer. Por sua vez, Ituze lançou a Inco Icyusa, uma das primeiras marcas de roupa ruandesas, em 2011.
“Gostava muito de suas roupas e perguntei onde mandava fazer, e ela me disse que eram feitas por estas mulheres” do Centro César, disse Ituze à IPS. “Vim ao Centro em 2011, e desde 2012 toda minha produção é feita aqui. Trabalhei com os alfaiates da cidade, mas aqui são muito talentosas. Para grandes pedidos são as melhores”, afirmou. Quando Ituze descobriu o Centro, muitas de suas integrantes tinham habilidades básicas. St. Louis treinou algumas e estas ensinaram outras. “A primeira vez que vim eram boas, mas não tanto como agora. São cada vez melhores”, disse Ituze.
As peças que Uwamariya e suas companheiras costuram são vendidas na loja de Ituze em Niza, Kigali. St. Louis vende as suas em sua loja de Cannington, a cerca de 110 quilômetros de Toronto. “É emocionante fazer roupas para pessoas do Canadá porque nos pagam”, disse Uwamariya. “Agora, o desafio é conseguir um nicho de mercado, conseguir mais pedidos, mais roupas para fazer”, acrescentou.
Talvez isso ocorra mais cedo do que tarde, na medida em que Ituze e St. Louis falem com outras lojas internacionais do setor de vestuário. Juntas abriram a casa Doda Fashion House, em setembro. Doda quer dizer “costurar” em kinyarwanda. Têm uma oficina em Kimironko, que contratará quatro novas empregadas e prevê empregar outras 14 mulheres para começar a treiná-las e criar novos produtos.
Com sorte, nos próximos anos sua oficina oferecerá vários cursos de capacitação em costura comercial, desenho, máquinas de costura e mercado. É um grande passo para a indústria na diminuta Ruanda, onde não há uma só escola de desenho de moda.
Entretanto, no Centro César, o supervisor Alain Rushayidi disse à IPS que só estará satisfeito quando a organização beneficente for capaz de transferir a propriedade de suas instalações ao pessoal de Avega. “Este centro deve ser de vocês. Em dez ou 15 anos pertencerá aos seus integrantes, a todas elas”, afirmou.
Rushayidi destacou que atualmente está sendo implantada uma estrutura capaz de tornar o centro sustentável e economicamente independente. “Não posso explicar os desafios que havia quando começamos” a trabalhar, enfatizou. “Costumávamos ter um banco de alimentos na aldeia. Havia pessoas infectadas com HIV” (vírus causador da aids), afirmou. Dez anos depois, “naturalmente as coisas não estão 100%, mas suas vidas melhoraram”, concluiu. Envolverde/IPS