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Obama propõe “dissuasão firme” para crianças imigrantes nos Estados Unidos

Dois adolescentes guatemaltecos em uma parada no seu duro caminho para os Estados Unidos. Foto: Wilfredo Díaz/IPS
Dois adolescentes guatemaltecos em uma parada no seu duro caminho para os Estados Unidos. Foto: Wilfredo Díaz/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 2/7/2014 – O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, quer que o Congresso lhe dê a faculdade para acelerar o processo de deportação de dezenas de milhares de meninos e meninas que pretendiam entrar no país sem acompanhante através da fronteira sul, no que alguns consideram uma crise de refugiados.

Em carta enviada ao Congresso no dia 30 de junho, Obama solicita cerca de US$ 2 bilhões para “reforçar” a resposta policial diante da nova corrente migratória. O presidente norte-americano também pede a modificação das leis para que os agentes federais possam entrevistar e deportar em questão de dias muitos dos 52 mil menores de idade que chegaram sem acompanhantes nos últimos meses, procedentes da América Central, particularmente de Guatemala, Honduras e El Salvador.

Embora Obama garanta que seria dada a “atenção adequada” aos que foram detidos, também deixou claro que a estratégia central da nova política de Washington será pôr um freio à afluência repentina de imigrantes. Os Estados Unidos tomarão “medidas firmes para… dissuadir tanto os adultos quanto as crianças a realizarem essa perigosa viagem, aumentar a capacidade dos procedimentos de aplicação da lei e de remoção, e rapidamente devolver os migrantes ilegais aos seus países de origem”, afirma o presidente na carta ao Congresso.

Na verdade, o uso repetido das palavras “firmeza” e “dissuasão” destacam a mentalidade de assédio à qual Obama empresta sua voz. A carta foi conhecida horas antes de o presidente anunciar o fracasso de sua tentativa de reforma do sistema de imigração, pelo menos para este ano, devido à feroz polarização política reinante no país. O Congresso encontra-se em recesso, por isso o presidente acrescentou que todos os detalhes sobre sua solicitação serão conhecidos depois que os legisladores retomarem suas funções, em meados deste mês.

“Não vejo aqui uma mudança de estratégia. Simplesmente se reforça o que foi feito antes. Parece que muito disto tem o propósito de ajudar os que estão encarregados de deportar as pessoas, para que façam seu trabalho com maior rapidez”, opinou Adam Isacson, um sócio da organização independente Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola).

“Isso tem algum tipo de mensagem dissuasória, mas o perigo é que estaríamos enviando de volta centenas de milhares de meninos e meninas que correrão perigo em seus países de origem. Não parece que os advogados de asilo vão ter aumento” em seus fundos, disse Isacson à IPS. Defensores dos imigrantes responderam à proposta de Obama com preocupação.

“As crianças chegam traumatizadas, com fome, sem falar o idioma, e, no entanto, espera-se que expressem algum temor de regressar, para permitir sua entrada nos Estados Unidos. Isso é extremamente injusto”, afirmou Wendy Young, presidente da Kids in Need of Defense, uma organização que oferece assistência jurídica gratuita nesse tipo de situação. “Essas crianças não terão acesso a um advogado, ninguém as assessorará. Para nós demora horas e mesmo dias entender o processo que enfrentam, mas fazer isso na fronteira sem assistência é simplesmente impossível”, acrescentou em entrevista coletiva no dia 30 de junho.

Desde meados da década de 1990 as autoridades federais não podem empregar a “via rápida” para deportar crianças imigrantes, salvo as oriundas do México ou do Canadá. A proposta de Obama eliminaria essa limitação e estenderia a autoridade para cobrir os imigrantes procedentes de países não vizinhos. Mas os ativistas afirmam que nada mudou com relação à intenção original da lei.

“A proposta presidencial limitaria o direito ao devido processo dos membros mais vulneráveis de nossa sociedade”, alertou Marielena Hincapie, diretora-executiva do National Imigration Law Center, uma organização que dá ajuda legal aos imigrantes, em entrevista coletiva após o anúncio feito por Obama. “Se o Congresso autorizar essas mudanças, a administração enviará as crianças de volta para os perigos dos quais fugiram, sem que tenham a oportunidade de apresentar seu caso perante um tribunal”, afirmou.

No centro do debate sobre a política de Washington referente à afluência atual de imigrantes menores de idade há uma guerra de contextos. As crianças são atraídas para os Estados Unidos por sua política permissiva ou são expulsos de seus países de origem devido ao aumento da violência? A forma como os legisladores e o público em geral interpretarem essa questão influirá quanto ao governo tratá-las como um problema de imigração ou – como sugerem alguns – como uma crise de refugiados.

O governo considera que o motivo “é algo mais do que a violência, mas não propõe mudanças na lei. Porém, nós descobrimos que as crianças fogem da violência e fogem por suas vidas”, afirmou Kevin Appleby, diretor de política migratória da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos, se referindo a um estudo que a Igreja fez em novembro.

Appleby sugere que nos últimos cinco anos recrudesceu a influência das redes do crime organizado em vários países da América Central. Essas redes “visam especialmente meninos e meninas… com ameaças de morte. É isso que, na verdade, os impulsiona a emigrar para os Estados Unidos”, assegurou.

“As crianças sem acompanhantes oriundas de El Salvador, Guatemala e Honduras têm numerosos motivos para partir, mas o medo da violência é o trágico fator em comum”, afirmou, no dia 26 de junho, Leslie Vélez, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) perante o Congresso.

“Surpreendentemente, 58% das crianças mencionaram a violência em seus países de origem como pelo menos uma das principais razões para deixá-los. Esse número varia segundo país: em El Salvador foi de 72%, em Honduras 57% e Guatemala 38%”, detalhou Vélez. A representante do Acnur também advertiu no Congresso que as crianças desacompanhadas que expressam esses temores não podem ser devolvidas aos seus países de origem sem “o acesso aos procedimentos adequados de asilo”.

Um assunto pendente é o que os Estados Unidos farão para abordar as causas subjacentes dessa nova corrente imigratória. O Congresso aprovou aumentos consideráveis na ajuda destinada à segurança na América Central, mas ainda não se sabe como esse dinheiro será gasto.

“Temo ver um grande reforço da capacidade de segurança fronteiriça nesses países, acrescentando novas armas e capacidade letal às forças de segurança, de uma maneira muito pouco transparente”, pontuou Isacson. “Vimos isso em várias ocasiões no passado. Em um clima de impunidade, colocar mais botas no terreno pode ser desastroso”, ressaltou. Envolverde/IPS