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Fatca é apenas um bandeide para evasão fiscal latino-americana

A fuga de capitais nos países do Sul em desenvolvimento. Foto: Rede de Justiça Fiscal
A fuga de capitais nos países do Sul em desenvolvimento. Foto: Rede de Justiça Fiscal

 

Cidade do México, México, 4/7/2014 – A Lei de Cumprimento Tributário de Contas no Exterior dos Estados Unidos dificilmente dará força ao combate contra a pertinaz evasão fiscal na América Latina, contra a quão são necessárias mais ferramentas nacionais e multilaterais, afirmam especialistas.

A Fatca – com a lei é conhecida por sua sigla em inglês – foi aprovada em março de 2010 e entrou finalmente em vigor no dia 1º deste mês após vários atrasos. Ela tem caráter de reciprocidade, permitindo que os países conheçam seus cidadãos que possuem contas nos Estados Unidos. A lei obriga governos e instituições financeiras de todo o planeta a fornecer ao Serviço de Impostos Internos (IRS) a informação financeira dos norte-americanos que residem ou têm depósitos fora de seu país.

“O limitador para os países em desenvolvimento é que a lei é bilateral. Ao México, por exemplo, serviria para obter informação sobre seus residentes que têm contas nos Estados Unidos, mas é possível que esses residentes tenham contas em outras jurisdições”, disse à IPS o analista Andrés Knobel, da Rede de Justiça Fiscal, com sede em Londres.

Knobel e outros especialistas ouvidos pela IPS afirmam que o fenômeno da evasão fiscal tem um alcance que requer políticas nacionais firmes e instrumentos multilaterais para enfrentá-lo, com o qual a Fatca pode coexistir e servir de apoio. Knobel também criticou que, apesar da reciprocidade entre Estados Unidos e seus sócios, o intercâmbio é desigual. Os norte-americanos “exigem mais informação de seus sócios do que proporcionam. Além disso, o uso da informação terá propósitos fiscais e as autoridades decidirão se a utilizarão para outros fins”, acrescentou.

A Fatca implica que bancos, fundos de investimento e outras instituições financeiras identifiquem as contas de cidadãos norte-americanos no exterior e transfiram ao IRS dados como número da conta, balanços, nomes, endereços e números de identificação norte-americanos. A lei inclui os que possuem investimentos superiores a US$ 50 mil. As instituições que não a cumprirem se arriscam à retenção anual de 30% de qualquer operação que gere créditos e seja realizada nos Estados Unidos ou passe pelo país.

O IRS registrou mais de 77 mil órgãos no mundo, de um total estimado entre 200 mil e 400 mil, que devem seguir a Fatca. As entidades latino-americanas que ainda não acordaram com o IRS somam cerca de 800, enquanto mais de 3.800 já chegaram a um acordo. Além disso, Washington assinou acordos bilaterais com mais de 70 nações em duas modalidades.

A primeira estipula que as instituições financeiras devem fornecer informação sobre cidadãos norte-americanos à autoridade fiscal nacional, que transfere os dados ao IRS. Pela segunda, a entidade financeira entrega a informação diretamente à autoridade fiscal norte-americana.

“É factível que a Fatca evite a evasão, mas são necessários melhores mecanismos para atender de maneira ágil essa informação e que se atue em consequência”, disse à IPS o acadêmico Benito Rivera, da Faculdade de Estudos Superiores da Universidade Nacional Autônoma do México. “Há convênios assinados, mas não tocam os paraísos fiscais, embora possam identificar certas operações”, afirmou.

Em seu informe sobre a administração tributária 2013, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) destacou que no Chile, entre 2005 e 2011, a quantidade de dívidas fiscais dos contribuintes aumentou de maneira sustentada. A média de crescimento nesse período beirou os 13%. Esse país possui carga fiscal de quase 20% do produto interno bruto.

O México, com carga fiscal de 18%, apresentou um desenvolvimento semelhante, embora faltem dados desde 2010, como ocorre com o Brasil, com carga tributária de 32%, e a Colômbia, com 17%. Na Argentina esse indicador decresceu 48%, apesar de o nível de endividamento fiscal se manter alto. Sua carga fiscal é de 33%.

A OCDE calcula que a América Latina tem pelo menos 500 mil indivíduos que acumulam uma fortuna de aproximadamente US$ 7 trilhões, sem que existam dados ou certezas de que pagam seus tributos adequadamente. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) situa a evasão do imposto de renda em quase 50% na Argentina, 47% no Chile, 64% no Equador e 42% no México. O Fundo Monetário Internacional (FMI) também alertou sobre a evasão tributária mediante engenharia financeira.

Em sua análise Derrame de Impostos Corporativos Internacionais, publicado em maio, o FMI afirma que o investimento estrangeiro direto (IED) que sai do Brasil aparece em conhecidos paraísos fiscais como as ilhas Caimã e Virgens Britânicas, Bahamas, Holanda e Luxemburgo. Em outro exemplo, diz que o IED que chega a El Salvador provém de locais como Panamá e ilhas Caimã.

“Com a Fatca haverá mais informação disponível, mas existirão lacunas para que as empresas ou pessoas ricas continuem evitando o intercâmbio sobre eles”, afirmou Knobel. O analista recordou que “as organizações pedem, há algum tempo, o intercâmbio automático de informação. Solicitamos registros públicos de beneficiários finais, os verdadeiros donos de qualquer atividade financeira que se gere”.

O acordo assinado entre México e Estados Unidos em novembro de 2012 mostra a disparidade na informação colhida. O México deve entregar a quantidade total de juros, dividendos e outras rendas geradas e pagas pelos ativos da conta, bem como os rendimentos totais de venda das posses que entraram nessa conta. Mas Washington só informará seu vizinho do sul sobre a quantidade total de juros pagos a uma conta de depósito, dividendos e de qualquer outra fonte de renda.

No caso do Chile, o Serviço de Impostos Internos deve solicitar ao correntista seu número de identificação tributária e seu consentimento escrito, informar anualmente ao IRS sobre contas sem consentimento, sua quantidade e valor. Fica estabelecido que os Estados Unidos “devem cooperar com o Chile em responder a solicitações para reunir e trocar informação sobre contas existentes em instituições financeiras norte-americanas em nome de residentes do Chile”.

Existem no mundo pelo menos 60 paraísos fiscais, entre eles territórios norte-americanos como o Estado de Delaware, com descontos sobre impostos. Por esta razão, Washington negociou acordos bilaterais favoráveis. O Índice de Segredo Fiscal 2013, elaborado pela Rede de Justiça Fiscal, coloca os Estados Unidos em sexto lugar. À sua frente ficaram Suíça, Luxemburgo e Hong Kong. Da América Latina, apenas o Panamá figura entre os 20 primeiros.

Em fevereiro, o Comitê de Segurança Interna e Assuntos Governamentais do Senado norte-americano criticou a Fatca no documento Evasão Fiscal Offshore: O Esforço para Cobrar Impostos Devidos por Milhares de Milhões em Contas Ocultas Offshore. O informe considera negativos os limites da informação de contas, a falta de agregação de contas entre instituições e a potencial evasão mediante empresas fantasmas offshore (extraterritoriais). A lei “não resolverá o problema de revelação de informação. Suas regulamentações criaram múltiplos vazios”, resume o texto.

Segundo Rivera, “vai demorar alguns anos para a Fatca conseguir seus objetivos. Seria desejável que houvesse reuniões frequentes de autoridades competentes para analisar procedimentos e a agilidade com a qual se deveria atuar”. Envolverde/IPS