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A capital da Etiópia sucumbe debaixo dos aguaceiros

Pedestres caminham com muita cautela para evitar as poças de água e o barro que se forma ao redor da Praça Meskal, no centro de Adis Abeba, capital da Etiópia. Foto: James Jeffrey/IPS
Pedestres caminham com muita cautela para evitar as poças de água e o barro que se forma ao redor da Praça Meskal, no centro de Adis Abeba, capital da Etiópia. Foto: James Jeffrey/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 4/7/2014 – As ruas de Adis Abeba se convertem em obstáculos alagados e barrentos, e pioram com o aumento das precipitações durante a estação chuvosa, que na Etiópia vai de julho a setembro. Desconhecidos se dão as mãos para vencer essas barreiras e não escorregar na tentativa.

Os sistemas de drenagem sustentáveis não são um tema apaixonante, mas ganham cada vez maior importância nesse país, especialmente em Adis Abeba, na medida em que esta capital se expande, aumentam as construções e a população, e com ela a demanda por água potável e acessível. Enquanto isso, a chuva continua caindo.

“A Etiópia é chamada de a torre de água da África, mas parece mais a autopista da água pela quantidade que escorre e pela falta de capacidade de retenção”, opinou Manaye Ewunetu, diretor-gerente da ME Consulting Engineers, com sede em Londres. Este especialista trabalha na Grã-Bretanha e na Etiópia há muitos anos.

A topografia montanhosa desse país faz com que sua capacidade de armazenamento seja relativamente baixa, cerca de 30%, em comparação com outros lugares, como a Austrália, onde se aproxima dos 80%. O problema afeta uma população de 92 milhões de habitantes, que, segundo projeções do Banco Mundial, aumentará para 145 milhões até 2050.

Nas cidades, esse problema tem características particulares, como no caso de Adis Abeba, cuja população cresceu de 2,7 milhões, em 2008, para os atuais três milhões, segundo algumas estimativas, e a Agência Central de Estatísticas previu que poderá passar dos cinco milhões em 2037. Esta cidade ganha maior importância internacional por ser sede da União Africana, da Comissão Econômica para a África das Nações Unidas e de muitas outras organizações internacionais, embaixadas e consulados.

A consultoria A. T. Kearney, que todos os anos elabora o Índice Global de Cidades em função de suas perspectivas de emergência, situou Adis Abeba atrás de Jacarta e Manila como a terceira com mais probabilidades de melhorar em seu posicionamento global. “Com os atuais índices de melhoria, a capital etíope está entre as cidades que avançam mais rapidamente, apesar das distâncias, na equidade de renda, saúde e transparência empresarial”, diz o informe da consultoria com sede em Nova York.

Apesar dos aplausos, a rapidez com que essa cidade se desenvolve – que segundo outras estimativas poderá ter quase cinco milhões de habitantes e chegar a oito milhões em 2030 – ameaça envolvê-la, bem como aos rios e riachos que motivaram sua fundação em 1886 como a Nova Flor, a tradução de seu nome em amárico.

A inadequada gestão do lixo e o mau funcionamento das drenagens, bem como a fluidez de dejetos industriais e de postos de combustíveis e a descarga em fontes de água criam significativos problemas de saúde na cidade. E tudo se exacerba com as inundações.

“As inundações representam um problema sanitário significativo porque trazem agentes patogênicos e contaminantes que envenenam as fontes de água e alimentos”, explicou à IPS Wendwosen Feleke, especialista em água e saneamento do escritório local do Banco Mundial. O Ministério da Saúde destina US$ 700 mil por ano ao tratamento de doenças derivadas da água contaminada. Esta estimativa não inclui outros impactos econômicos como perda de tempo e de renda por não trabalhar.

“O esgoto inadequado pode deteriorar ou até destruir a infraestrutura, que não chegaria a cumprir sua vida útil”, apontou à IPS o especialista em transporte James Markland, que também trabalha no escritório local do Banco Mundial. “Isso reduz a eficácia econômica de investimentos substanciais”, ressaltou. A isso se soma que a disponibilidade de água 24 horas por dia é algo desconhecido nessa cidade, apesar de geralmente cair cerca de 1.180 milímetros de água por ano, apenas um pouco menos do que na chuvosa Grã-Bretanha.

O habitual na maioria das famílias de Adis Abeba é encher com água vários recipientes quando ela é fornecida. Em algumas partes é nas primeiras horas da manhã, em outras só bem tarde da noite. “Tenho que ligar o alarme do celular para acordar à meia-noite”, contou Meleshew Nega, de 24 anos. “Saio da cama e me junto aos vizinhos que fazem fila em uma torneira pública. Posso demorar até três horas antes de voltar a dormir”, acrescentou.

As autoridades estão conscientes da incessante expansão de Adis Abeba e existe um plano diretor para mitigar seu crescimento descontrolado e prever esforços para modernizá-la nos próximos 25 anos. Alguns críticos afirmam que esse plano diretor não atende corretamente a questão da água. “A menos que seja acrescentado um plano diretor de saneamento, o plano diretor será um caos”, advertiu Ewunetu, que testemunhou a expansão da cidade nos últimos 27 anos graças às suas frequentes viagens entre os dois países em que trabalha.

Apesar de os órgãos municipais e do país produzirem guias necessários, a falta de coordenação e de vontade se traduz em um deficiente trabalho tangível no terreno, acrescentou. “Os problemas surgem pela falta de integração”, pontuou à IPS Teshome Worku, da Core Consulting Engineers. “O plano diretor não inclui as diferentes disciplinas nem pessoas necessárias”, afirmou Ewunetu.

Aproveitar ao máximo os cursos de água, bem como tanques existentes, para absorver a água da chuva que escorre ajudará a melhorar a aparência da cidade e a oferecer grandes oportunidades de investimento em recreação e turismo, acrescentou. “Existe um enorme potencial para a regeneração de Adis Abeba. A água dá vida à cidade”, ressaltou Ewunetu, otimista.

As questões relacionadas com a água, os rios e a água que escorre têm cada vez mais prioridade devido às consequências da mudança climática. O resultado, segundo os que promovem melhores sistemas de drenagem, é a necessidade de pensar a gestão da água e do saneamento de forma radicalmente distinta em todos os níveis. Mas isso pode ser difícil devido à tendência da população etíope em aceitar as dificuldades, suportá-las e se adaptar. Envolverde/IPS