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A anunciada crise das crianças migrantes da América Central

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Irapuato, México, 7/7/2014 – No começo de maio, a Casa do Migrante de Irapuato, no Estado de Guanajuato, no México, recebeu um grupo de 152 pessoas procedentes de Honduras que pertenciam ao grupo étnico afro-caribenho garífuna. Delas, 60 eram crianças.

“Era um domingo”, recordou Bertha, a cozinheira. “Vinham com crianças de todas as idades, até bebês. Ficaram apenas algumas horas, se banharam, comeram e partiram. Tampouco falavam muito. Perguntei a uma das mulheres se estas crianças não vão à escola e ela respondeu: ‘não, agora não podemos’ e se calou”, contou à IPS.

Entre maio e junho este albergue recebeu mais de 400 crianças, majoritariamente procedentes de Honduras. Viajavam em grupos grandes. Só uma vez ficaram mais de quatro horas. “Falaram muito pouco, não nos disseram como viajavam, embora soubéssemos que não vinham no trem; tampouco quiseram dizer qual caminho seguiriam”, disse à IPS a responsável pelo albergue, Guadalupe González.

Cerca de mil quilômetros a sudeste, na LA 72 Lar Refúgio para Migrantes de Tenosique, município do Estado de Tabasco na fronteira com a Guatemala, também se vive a mudança. Começaram a detectar um considerável aumento de jovens migrantes de 14 a 18 anos não acompanhados, de mulheres com crianças pequenas e grupos de garífunas, que antes eram esporádicos na rota migratória para os Estados Unidos.

O México tem no norte de seu território uma fronteira com esse país de 3.152 quilômetros, enquanto ao sul se limita com a Guatemala, com 956 quilômetros de fronteira, e Belize (com 193 quilômetros). Entre as duas fronteiras há cerca de 3.200 quilômetros de distância em linha reta. Mas as seis rotas migratórias somam mais de cinco mil quilômetros de norte a sul.

O mesmo padrão que em outros albergues foi registrado no Albergue Belém, Posada do Migrante, em Saltillo, capital do Estado de Coahuila, na fronteira com os Estados Unidos, onde a partir de maio a afluência de menores de idade passou da média de quatro por mês para quatro por dia. “É uma situação extremamente alarmante”, disse à IPS o sacerdote Pedro Pantoja, responsável pelo abrigo e grande especialista em assuntos migratórios.

Ainda não está clara a origem deste êxodo de meninos e meninas centro-americanos, muitas vezes sozinhos, que já ultrapassou a capacidade de atenção da Guarda Fronteiriça dos Estados Unidos e provocou uma crise humanitária nesse país, segundo afirmou seu presidente, Barack Obama. Os defensores dos migrantes no México a atribuem aos boatos sobre regularização futura para os que entrarem nos Estados Unidos ainda menores de idade.

Isso, ao menos, foi o que motivo Delsy, uma jovem hondurenha de 20 anos que aparenta ter quatro a menos, a empreender o caminho rumo ao norte, deixando para trás sua mãe, quatro irmãos e seu pequeno filho de 15 meses. “Uma pessoa me disse que se me passar por menor de idade na cidade fronteiriça de Tijuana posso entrar nos Estados Unidos. Que isso aconteceu com ela”, disse à IPS no albergue Irapuato, pouco antes de subir no trem que a levaria para a fronteira.

Desde outubro de 2013, mais de 52 mil menores de idade foram detidos nos Estados Unidos. No Texas e no Arizona, dois Estados fronteiriços com o México, os centros de detenção e bases militares estão saturados, e as crianças permanecem amontoadas à espera de sua deportação.

Organizações defensoras dos direitos das pessoas migrantes, como o Centro de Direitos Humanos Fray Matías de Córdova (CDHFrayMatías), na cidade de Tapachula, no Estado de Chiapas, haviam documentado o aumento sistemático do fluxo de detenção da população infantil desde 2011. Mas nenhum dos governos envolvidos tomou medidas para contê-lo. O que mudou foi o lugar de procedência: antes de 2014 o México era o principal país de origem das crianças migrantes.

Por outro lado, de 1º de outubro de 2013 a 15 de junho de 2014, as autoridades norte-americanas detiveram 15.027 crianças de Honduras, 12.670 da Guatemala, 12.146 do México e 11.436 de El Salvador, segundo o Serviço de Proteção de Aduanas e Fronteiras dos Estados Unidos. O Centro de Pesquisas Pew, com sede em Washington, relacionou estes novos lugares de origem dos menores com os índices de violência.

“Há uma crise humanitária, não só nos Estados Unidos, mas no triângulo norte da América Central, principalmente em Honduras, que obriga crianças e pessoas vítimas da violência social e política a saírem da região”, apontou à IPS o ativista Diego Lorente, do CDHFrayMatías.

O problema pode ser pior, porque milhares de menores migrantes que saem desses lugares não chegam aos Estados Unidos. As organizações humanitárias estimam que quatro em cada dez crianças desse êxodo nem mesmo chegam à fronteira norte. Alguns são detidos no México. O governamental Instituto Nacional de Migração informou que entre 1º de janeiro e 26 de junho havia “resgatado” 10.505 menores migrantes, que estão em processo de deportação.

Entretanto, há muitos mais que simplesmente desaparecem no território mexicano. “É uma sangria espantosa. São crianças de 13 a 16 anos, que vai direto para o tráfico sexual, trabalhista, para serem massacrados, desaparecerem e também para serem sicários”, pontuou Pantoja.

Nos Estados Unidos, a lei estabelece que as crianças devem ser processadas nas 72 horas posteriores à sua detenção. A saída que tem a maioria é um familiar reclamar legalmente ou permanecerem em abrigos por muito tempo. E ao completar a maioridade deveriam ser deportados.

No dia 30 de junho, Obama anunciou que sua reforma migratória entrou em ponto morto na Câmara de Representantes, dominada pelo opositor e direitista Partido Republicano. Por isso a partir de agora governará por decreto para tentar resolver a crise. Mas o problema não tem uma saída simples. Segundo as autoridades hondurenhas, este ano cerca de três mil crianças abandonaram a escola para empreender o “sonho americano”.

“Nas escolas das comunidades garífunas da costa norte do país estão registrando que muitas crianças abandonam os estudos porque saem do país com seus pais ou outras pessoas rumo aos Estados Unidos”, publicou no dia 28 de junho o jornal hondurenho La Tribuna. “Correu o rumor, saiu do controle, e agora parece que não há forma de detê-los”, disse Guadalupe González, no albergue de Irapuato, enquanto duas jovens hondurenhas se afastam, convencidas de que, se conseguirem chegar à fronteira, poderão cruzá-la apenas dizendo que são menores de idade. Envolverde/IPS