Arquivo

Violência contra as mulheres dispara no Iraque

Os últimos enfrentamentos armados no Iraque ameaçam desatar mais atos de violência contra as mulheres. Foto: sargento Jason W. Fudge/Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos
Os últimos enfrentamentos armados no Iraque ameaçam desatar mais atos de violência contra as mulheres. Foto: sargento Jason W. Fudge/Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos

 

São Francisco, Estados Unidos, 8/7/2014 – Pouco depois de o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isis) tomar Mosul, a segunda cidade do Iraque, no começo do mês passado, jovens armados percorreram casa por casa e tomaram “as mulheres sem dono” para violentá-las. No período de 9 a 12 de junho, ativistas pelos direitos das mulheres documentaram 13 casos de mulheres sequestradas e violadas por milicianos do Isis, um grupo jihadista sunita que se separou da rede islâmica Al Qaeda e reclama território do Iraque e da Síria.

Das 13 mulheres violadas, quatro se suicidaram por não suportar a vergonha. O irmão de uma delas também se matou porque não pôde tolerar ter sido incapaz de protegê-la. As notícias procedentes de Mosul são mais uma mostra da extrema violência que afeta o Iraque, desde que os extremistas sunitas do Isis tomaram o controle de grande parte do país. Ser mulher já era difícil no território iraquiano antes do conflito atual, mas agora o recrudescimento das ações armadas ameaça piorar a vida das mulheres.

“Elas são possuídas em plena luz do dia”, afirmou Yanar Mohammad, cofundadora e presidente da Organização pela Libertação das Mulheres no Iraque, grupo financiado pelo Fundo Global para as Mulheres, uma organização internacional com sede nos Estados Unidos. “Os homens têm as armas para fazerem o que quiserem, e a forma do Isis fazer as coisas é matando”, acrescentou.

Agora, os combatentes entregam armas a jovens xiitas sem formação, sem educação e sem emprego, e lhes prometem generosos salários se abandonarem suas casas pela luta, contiou uma mulher de Bagdá, aliada do Fundo Global para as Mulheres. “Somos assediadas quando vamos ao nosso escritório, caminhamos pela rua ou tomamos um ônibus”, detalhou a mulher, que pediu para não ser identificada.

“Mas agora todos os homens estão armados. É possível que me sequestrem ou atirem se não fizer o que querem. São capazes de fazer qualquer coisa e ninguém faz perguntas devido à fatwa”, explicou a mulher, se referindo a um decreto religioso que exorta os iraquianos a tomarem as armas contra os extremistas sunitas.

O conflito, que já matou mais de mil pessoas desde o começo de junho, obrigou a maioria das organizações de direitos das mulheres a reduzir suas atividades. A Organização pela Liberdade das Mulheres no Iraque estava em campanha contra o Artigo 79 da lei de Estatuto Pessoal Jaafari, que daria ao pai o guarda dos filhos maiores de dois anos em caso de divórcio, reduziria a idade de casar para nove anos para as meninas e 15 para os meninos, e inclusive habilitaria o casamento de meninas menores de nove anos, com autorização dos pais.

Agora a organização concentra seus esforços apenas em manter seus abrigos abertos e as mulheres seguras. “Não podemos falar dos direitos das mulheres, salvo se nos referirmos à subsistência das que estão em absoluto perigo, como as mulheres que perderam suas famílias e as jovens que são vulnerásseis diante dos funcionários ou clérigos corruptos”, explicou Yanar Mohammad. “Passamos do trabalho jurídico e da melhoria dos direitos das mulheres a trabalhar em um estado de emergência”, lamentou.

O radicalismo dessa violência sectária é um fenômeno relativamente novo no Iraque, afirmou Mohammad, que está “farta” de ver os especialistas ocidentais dizerem na televisão que o país não tem esperança. “Os meios de comunicação difamam o povo iraquiano e isso é insuportável e é uma total manipulação do papel que os Estados Unidos desempenharam na divisão dos iraquianos”, afirmou.

“O processo político que Washington instalou é um fracasso total e eles simplesmente foram embora. O dano agora não os afeta, mas a nós”, acrescentou a feminista. Entre outras coisas, esse dano se manifesta em uma geração sem educação. “Esta geração ouve tudo o que os clérigos e políticos dizem”, afirmou Mohammad. “Estão dispostos a se jogar nas chamas, e o fariam em nome de seu imã. Os políticos e os chefes religiosos estão empurrando o país para uma brecha muito sectária, e isso é aterrador”, apontou.

Na medida em que a luta se intensifica no norte e oeste do Iraque, mais de 300 mil pessoas já fugiram para a região curda, onde a Organização das Nações Unidas (ONU) e grupos de ajuda instalaram um campo de refugiados na zona árida de Khazer. “Faz muito calor e não há água. Não estávamos preparados para esta entrada de refugiados”, disse uma colaboradora do Fundo Mundial para as Mulheres em Erbil, capital do Curdistão iraquiano. “A situação não é nada sustentável. A maioria não tem para onde ir e fica nos parques. Famílias inteiras têm apenas o mais básico em matéria de abrigo, comida e roupa”, enfatizou.

Embora entre as ondas de refugiados no Curdistão haja famílias xiitas, sunitas e cristãs, a pressão sobre os cristãos iraquianos é pior devido à brutalidade do Isis. “As mulheres cristãs nas áreas controladas pelo Isis são obrigadas a usar o hiyab (véu islâmico) sob pena de morte”, contou uma colaboradora do Fundo Global para as Mulheres que vive em Bagdá. “Têm de pagar um imposto de proteção ao Isis para se manterem a salvo”, acrescentou.

A colaboradora em Erbil afirmou que, se a violência não for abordada com urgência, as iraquianas sabem exatamente o que virá a seguir, porque já o sofreram uma e outra vez desde a invasão dos Estados Unidos em 2003, e durante a primeira e segunda guerras do Golfo, nos anos 1980 e 1990. “Sabemos o que ocorreu às mulheres no Iraque, uma grande quantidade de assassinatos e violações”, pontuou. “Não há nada que não nos tenham feito, por isso ficamos em pânico quando entramos em outra crise. As mulheres são usadas como arma de vingança”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Zahra Radwan é encarregada do programa para o Oriente Médio e o Norte da África no Fundo Global para Mulheres, e Zoe Blumenfeld é gerente de comunicações do Fundo Global para Mulheres. Ambas são colunistas convidadas no Foreign Policy In Focus, onde este artigo foi publicado pela primeira vez.