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Macau coloca seu futuro em jogo

Trabalhador passa em frente ao cassino Lisbo, um dos maiores de Macau. Foto: Damon Garrett/CC-BY-2.0
Trabalhador passa em frente ao cassino Lisbo, um dos maiores de Macau. Foto: Damon Garrett/CC-BY-2.0

 

Hong Kong, China, 14/7/2014 – O auge dos jogos de azar não para de gerar dinheiro em Macau: os ganhos derivados do setor dispararam para US$ 45 bilhões no ano passado, com aumento de 18,6% em relação a 2012. Foi o sexto ano consecutivo de ganhos sem precedentes no setor. Os cassinos da ex-colônia portuguesa, devolvida à China em 1999, agora ganham sete vezes mais do que os de Las Vegas, nos Estados Unidos.

Também empregam quase um quarto da força de trabalho, à qual pagam entre 30% e 40% a mais do que os outros. E se forem somadas outras atividades relacionadas aos cassinos, como as vendas no varejo e a hospitalidade, cerca de metade da população que trabalha nesta cidade de 600 mil habitantes está vinculada à indústria do jogo.

O resultado é um desemprego invejável, de apenas 1,8%. Então, por que não deixar que a bonança continue? A monoeconomia dos jogos de azar está criando em Macau uma geração de empregados sumidos em tarefas tão monótonas como fazer girar roletas, mas com poucas das habilidades exigidas na globalizada economia do conhecimento.

Mas, como a economia e a força de trabalho dependem cada vez mais dos apostadores da China continental, há pouca pressão para uma mudança, situação que pode se ajustar aos desejos de Pequim. Não surpreende que o auge dos jogos de azar, que representam 50% do produto interno bruto de Macau, também tenha gerado um lado obscuro. Prostituição, crime organizado e lavagem de dinheiro são realidades cotidianas.

Entretanto, não são tão óbvias as múltiplas tensões que agora afetam uma sociedade tradicional que tenta enfrentar um desenvolvimento urbano descontrolado, a perda de espaços verdes, o aumento do vício de jogar e a deterioração geral da qualidade de vida. Para o habitante médio da cidade, os inconvenientes criados pelo auge da indústria do azar passaram a superar suas vantagens.

O transporte é de má qualidade, o que piora a contaminação do ar causada apelos veículos dos cassinos que levam e trazem 29 milhões de visitantes que chegam à cidade. Isto e a carestia dos bens de raiz são apenas uma mostra dos efeitos derivados do setor. As pequenas e médias empresas de Macau, que representam 95% de todos seus negócios, também sofrem as consequências, pagando aluguel elevado e perdendo tanto pessoal quanto clientes dos cassinos. A isto acrescenta-se a alta criminalidade em quase todas as áreas.

Apesar das desvantagens, investidores e executivos dos cassinos locais, entre eles as grandes firmas norte-americanas do setor, veem possibilidades ilimitadas de maior crescimento e expansão. Seu principal motivo de queixa, no entanto, é a escassez de mão de obra qualificada. Com a inauguração programada de mais megacassinos até 2016, Macau necessitará de pelo menos mais 75 mil trabalhadores em suas casas de jogos e hotéis, segundo funcionários.

Como as pequenas e médias empresas da cidade já se esforçam para competir com os cassinos, que pagam melhor por talento limitado, a cidade terá de importar não só trabalhadores para os cassinos, mas também profissionais de todo tipo. Mesmo assim, nem Macau nem o governo chinês parecem ter um plano para abordar o crescente déficit de mão de obra na cidade, e tampouco há vontade de pôr fim ao que se converteu em um trem irreverente de crescimento irregular.

E, pior, Macau está dando as costas para as políticas destinadas a preparar suas futuras gerações para uma economia mais globalizada e pautada pelo conhecimento. Se continuar essa tendência, corre o risco de se converter em uma sociedade de ignorantes, cujo futuro estaria privado de profissionais qualificados, porque sua força de trabalho é atraída cada vez mais pelo dinheiro fácil que ganha nos cassinos.

Em curtos espaços de tempo, novos informes dão o alerta. Em dezembro de 2013, um estudo mostrava que quase metade das empresas ouvidas “encontraram dificuldades para recrutar profissionais de tecnologia da informação” e previa que a escassez “pode piorar mais”.

Em abril desse ano, um informe da indústria citava a falta de profissionais contábeis, com “poucos aumentos fracionados” desde 2007. Outro se queixou da “falta de engenheiros”, entre outros. Tudo isto aponta para uma sociedade em um ponto de inflexão, que está hipotecando suas gerações futuras em troca de ganhos no curto prazo. Mesmo os parlamentares de Macau agora lamentam que o auge dos cassinos está construindo castelos no ar.

No ano passado, o legislador José Coutinho disse à imprensa: “Macau é uma total ilusão de prosperidade, porque o que estamos construindo é apenas cassinos, quartos e algumas lojas de marcas famosas”. Ele e outros críticos são minoria no corpo legislativo, onde 12 dos 33 membros são eleitos indiretamente por entidades da indústria e outros sete são designados pelo chefe executivo de Macau, designado pelo governo central chinês.

Embora os funcionários de Macau ocasionalmente deem declarações sobre a necessidade de reequilibrar a economia e apresentem várias propostas, até agora nenhuma teve um efeito transformador para a cidade. Uma das mais comentadas recomenda que Macau atraia mais “reuniões, incentivos, conferências e mostras” da região. Mas demora para decolar e depende desproporcionadamente do setor dos cassinos. Por exemplo, a maior mostra de comércio da cidade é a Expo Mundial do Jogo da Ásia.

Um plano para desenvolver a vizinha ilha de Hengqin como zona de livre comércio também fará pouco para ajudar a maioria das pequenas empresas de Macau, devido à sua ênfase nos projetos de grande escala. Mas o principal obstáculo a um modelo econômico mais sustentável é que Macau continua crescendo graças aos apostadores da China, cujos líderes ainda veem a cidade como importante centro para as classes média e rica do país.

O resultado é que ninguém do governo sequer contempla a possibilidade de a economia chinesa parar, que os jogadores deixem de chegar e que o auge dos cassinos termine, embora a história já tenha mostrado que, quanto maior é o boom de uma monoeconomia, maior é seu potencial de cair estrepitosamente.

Embora Pequim diga querer que Macau reequilibre sua economia, não surpreende que resista a impor medidas políticas ou a oferecer incentivos par ajudá-la a se diversificar. É por isso que, talvez, Macau esteja justamente onde Pequim a quer, bem como suas outras seis regiões periféricas: sociedades cuja prosperidade depende cada vez mais da China continental e, portanto, menos dispostas a pedir democracia e maior autonomia. Envolverde/IPS

* Martin Murphy é ex-diplomata norte-americano. Esteve à frente da Seção Político-Econômica do Consulado dos Estados Unidos em Hong Kong e Macau entre 2009 e 2012. Pode ser lido em http://hongkongreporting.com/. A versão original deste artigo encontra-se no Foreign Policy In Focus.