Fortaleza, Brasil, 14/7/2014 – As primeiras instituições comuns do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são financeiras e nascem como sucedâneo de reformas em um sistema internacional no qual persistem desequilíbrios de poder, ignorando o novo peso dos países emergentes. Mas o Acordo de Reservas de Contingência (CRA, em inglês), o fundo monetário dos países do Brics, também será criado com um desequilíbrio na composição de seus recursos, que pode repetir hegemonias corrosivas.
Serão criados o CRA e um banco de desenvolvimento durante a Sexta Cúpula do Brics, que reunirá no Brasil seus cinco governantes, no dia 15 na cidade de Fortaleza e no dia 16 em Brasília. Hoje acontecem as reuniões preparatórias de ministros, empresários e bancos centrais do grupo.
De seus US$ 100 bilhões de fundos para socorrer algum dos cinco membros no caso de sofrer uma crise, a China entrará com 41%, África do Sul, o sócio menor, contribuirá com 5% e os demais com 18% cada um. As porcentagens refletem o tamanho da economia de cada país, mas no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), outro instrumento que será criado por ocasião da cúpula, a participação será igualitária: US$ 10 bilhões e igual poder de voto para cada membro.
Essa é sua grande diferença em relação ao Banco Mundial, do qual é um espelho. “O NBD é democrático”, destacou à IPS o pesquisador do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, Christopher Wood, em Johannesburgo. É muito diferente também do CRA, no qual a China, como maior país do grupo, “provavelmente terá uma influência desproporcional”, mas pode-se esperar que o desenho da instituição evite um predomínio, acrescentou.
Em negociação desde 2012, os acordos para a criação do banco de fomento e do mecanismo monetário estão prontos, dependendo apenas de uma verificação jurídica para a assinatura dos cinco governantes dos países do Brics em Fortaleza, informou o subsecretário-geral político do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, José Alfredo Graça Lima.
O Bric, sigla criada em 2001 pelo economista norte-americano Jim O’Neill para indicar quatro potências emergentes que alteram o quadro mundial, começou a reunir seus chefes de Estado e de governo em 2009, compondo uma “coalizão” à qual se juntou a África do Sul em 2011.
“É diferente de um bloco”, que adota políticas comuns de comércio e outros setores, explicaram diplomatas brasileiros, diante de observações críticas sobre as discrepâncias entre países do grupo em diferentes fóruns internacionais, sejam políticos ou econômicos. São países muito grandes, ou “baleias”, que estão se conhecendo mutuamente e que ampliaram seu diálogo e exercem “um papel positivo na democratização das relações internacionais”, pontuou Graça Lima.
Já está em marcha a cooperação entre seus cinco países em mais de 30 áreas e suas sociedades também se aproximam por meio de fóruns como o empresarial e o acadêmico, ressaltou Flavio Damico, diretor do Departamento de Mecanismos Inter-Regionais do Itamaraty.
Mas a demanda por mais poder nas instâncias econômicas internacionais é o cimento que une o Brics. O sistema financeiro e político mundial tem “congelada sua estrutura de poder e privilégios” desde 1945 e teria que se reformar “para ajustar-se à realidade atual”, acrescentou Damico.
O bloqueio de uma reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) no parlamento norte-americano estimulou os países do Brics a avançarem em soluções próprias. O CRA pouco influirá na economia mundial no curto prazo, mas “seguramente no longo prazo vai minar o centralismo do FMI”, opinou Wood.
O CRA surge em um contexto no qual persistem os efeitos da crise financeira de 2008 e os “sistêmicos desequilíbrios perpetuados pelas políticas monetárias das economias avançadas, como Estados Unidos e União Europeia”, disse à IPS, em Nova Délhi, o economista Vivan Sharan, especialista em Brics da Observer Research Foundation, da Índia.
Com essa “rede de segurança monetária”, o Brics assinala seu “menor nível de dependência das instituições de Bretton Woods, como o FMI, que necessita urgentemente de uma reforma estrutural e de governança”, afirmou Sharan, ressaltando que o grupo não pretende um reordenamento econômico global.
Mas o economista brasileiro Fernando Cardim, professor aposentado de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, duvida do sucesso do CRA. Seus recursos serão insuficientes, já que todos seus fundos não bastariam nem mesmo para defender o Brasil de uma maciça fuga de capitais, argumentou à IPS. Além disso, não evita potenciais conflitos internos, por ter a China um peso decisório “semelhante ou ainda maior do que o dos Estados Unidos no FMI” e ao exercer o poder com menos sutileza, acrescentou.
Em todo caso, as instituições do Brics não buscam substituir nem confrontar o FMI ou o Banco Mundial. O CRA tem por finalidade “complementar”, como uma “linha de defesa adicional” dos cinco países, em cujo horizonte não aparecem ameaças aos seus balanços de pagamentos, segundo Graça Lima.
Os recursos do FMI somam US$ 937 bilhões, mais de nove vezes os do CRA. Por isso o Fundo continuará sendo fundamental, inclusive para o CRA e outros mecanismos monetários criados para enfrentar crises financeiras, afirmou Wood. A Iniciativa de Chiang Mai, um mecanismo semelhante adotado pela Associação de Nações do Sudeste Asiático após a crise na área no biênio 1997-1998 e que conta com apoio de China, Coreia do Sul e Japão, exige que o país que necessita de grandes empréstimos primeiro recorra ao FMI, acrescentou.
O NBD é menos polêmico, embora chegue precedido de críticas dos ativistas sociais e ambientais. Espera-se que comece a financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável dentro de dois anos, porque exige a aprovação parlamentar dos países membros. Seu capital inicial de US$ 50 bilhões é limitado em comparação com as necessidades dos membros do Brics, e outros países em desenvolvimento poderão se beneficiar de seus créditos e inclusive se associarem ao banco. É menos do que o brasileiro Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta anualmente.
O governo da Índia, por exemplo, estima que a infraestrutura nacional exige US$ 1 trilhão para os próximos cinco anos, metade a ser financiada pelo setor privado. Mas contar com novas fontes de recursos é importante porque os projetos nessa área sofrem graves problemas de liquidez, por dependerem em demasia dos bancos, diante “da inexistência de um robusto mercado de títulos” na nação asiática, apontou Sharan em Nova Délhi.
A África do Sul “tem muito a ganhar”, porque o foco do NBD serão os grandes projetos de infraestrutura, uma carência comum nos países do grupo, com financiamentos de prazo bastante longo, que escasseiam em outras instituições, especialmente no setor privado, destacou Wood. Além disso, apoiará a preparação dos projetos, o que representa custos quando ainda não se tem acesso ao crédito.
O NDB está autorizado a dobrar seus fundos, mas o importante é que seu cofinanciamento dos projetos funciona como catalisador, ao reduzir riscos e custos e assim atrair recursos que abundam entre os investidores privados e os bancos nacionais e multilaterais de desenvolvimento existentes no mundo, segundo Wood e os diplomatas brasileiros. Envolverde/IPS
* Com colaborações de Ranjit Devraj (Nova Délhi) e Brendon Bosworth (Johannesburgo).