A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik. Foto: Paulo Cesar Lima
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik. Foto: Paulo Cesar Lima

Em evento, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik defende o rompimento do controle das políticas urbanas, como transportes, lixo e construtoras, por operadores privados.

São seis os desafios que o Brasil enfrenta para construir um novo modelo de urbanização no Brasil, elenca a a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Raquel Rolnik: “Para começar, é preciso superar a ambiguidade da inserção territorial da população de baixa renda”.

“Existe há cem anos um lugar ambíguo chamado favela, que fica na periferia, tem as piores localizações, a pior infraestrutura urbana. É um espaço de transitoriedade permanente, ambiguidade que paradoxalmente a democracia consolidou. A era Lula incluiu esses moradores nas esferas de consumo, colocando em cena novos usuários, como os pequenos comerciantes, os motociclistas, o que exacerbou a crise urbana, porque esses novos incluídos não cabem nas cidades como estão desenhadas.”

Na mesa “Urbanismo e Cidades Inteligentes: as Metrópoles Possíveis”, que encerrou a primeira parte do evento “Metrópoles Brasileiras: o Futuro Planejado”, realizado em São Paulo nesta segunda-feira, 21, pela revista CartaCapital e o Instituto Envolverde, Rolnik afirmou ainda que é necessário “romper” a prática do controle da política urbana pelos operadores privados, do transporte urbano, do lixo, das construtoras, que são financiadores dos políticos a quem cabe regular essas operações.

Como terceiro elemento, mencionou a necessidade de criar mecanismos para estruturar uma política urbana transformadora e sustentável de longo prazo, no horizonte de 20 anos, contrariando o modelo em que prevalece o período eleitoral de 4 anos, que acelera a realização de obras e sufoca o planejamento estruturado.

A professora disse também que é preciso criar um modelo de financiamento do desenvolvimento urbano, hoje conectado ao mesmo sistema direcionado pelo calendário eleitoral que demanda obras de curto prazo sem olhar o futuro. Padece desse mesmo mal o que ela chamou de desafio federativo, já que o modelo tripartite – federal, estadual e municipal – não dá conta da gestão metropolitana, pois “uma megacidade como São Paulo não tem estrutura de gestão para enfrentar os problemas da megalópole, enquanto Tóquio e Frankfurt, por exemplo, são estruturadas como Estados e não como um aglomerado de municípios”.

Por último, citou a necessidade de “construção do espaço público como elemento estruturador”, porque as cidades não devem ser destinadas à iniciativa privada. “A gestão urbana se dá hoje exatamente como era na ditadura militar, mas a sociedade brasileira está madura e querendo enfrentar a questão da reforma urbana” – finalizou.

Convidado pelo mediador Dal Marcondes, presidente do Instituto Envolverde, para falar sobre o papel do conhecimento na reestruturação do espaço urbano, o presidente do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo, Haroldo Pinheiro, chamou atenção para o fato de que “o investimento intensivo em habitação nos últimos anos – com qualidade discutível das construções – foi direcionado para as grandes empreiteiras, que só buscaram terrenos mais baratos, sem conexão com a infraestrutura urbana”, ampliando o fosso entre o centro e as periferias.

Alertou, a propósito, para o alto risco de intensificação desse processo caso seja aprovado no Senado “o regime diferenciado de contratação”, que dispensa o Estado de fazer licitação para contratar projetos, “abrindo mão da responsabilidade pelo planejamento das cidades”.

A diretora responsável pelo setor público e social da McKinsey América Latina, Patricia Ellen, apresentou as possibilidade de avanços da participação social na administração das metrópoles a partir das mídias sociais. Disse que “se perdeu a oportunidade de abrir o diálogo com a população a partir das manifestações de junho de 2013”, quando as mídias sociais tiveram papel decisivo na mobilização. O poder público, segundo ela, pode ter maior efetividade realizando gestão em redes e propiciando o engajamento do cidadão, por meio de uma estratégia digital.

Além da análise dos conteúdos das mensagens nas mídias sociais, com eficientes ferramentas tecnológicas disponíveis, inclusive modelos capazes de prognosticar comportamentos, Patricia explicou outras atividades que compõem a gestão digital eficiente. Citou entre elas a necessidade de promover comunicação eficaz para engajar o público interno (dentro da administração) na tarefa de dar resposta imediata às demandas da população.

Outra atividade destacada é o “nudging” que permite ao administrador público identificar o que pode fazer para mudar – sem manipulação – comportamentos que dificultam a implantação de políticas públicas capazes de melhorar a qualidade da vida urbana nas metrópoles.

* Publicado originalmente no site Carta Capital.