Lagos, Nigéria, 11/8/2014 – O casamento de Tope Tayo acabou há 11 anos, quando deu positivo seu exame de HIV/aids. Seu marido, descontente e envergonhado, a deixou e levou o único filho do casal. Três meses depois, ao descobrir que seu filho de um ano também era portador do vírus, o deixou com a mãe e desapareceu.
“Ele nos abandonou como se tivéssemos cometido um crime, mas lhe disse que ter HIV (vírus causador da aids) não é nenhum crime”, disse Tayo à IPS. Tayo não tinha trabalho e o ex-marido nunca lhe deu dinheiro. “Eu andava pelas ruas chorando, vivia graças à caridade”, contou a mulher.
Um homem que desaparece abandonando sua mulher e filhos com HIV é um esquema que se repete na Nigéria, explicou Rosemary Hua, coordenadora da First Step Action, organização dedicada a defender o direito de meninos e meninas. “Os pais não ajudam por acreditarem que não há necessidade de investir em uma criança que provavelmente não viverá muito”, acrescentou.
A taxa de infecção na Nigéria é de 3,2%, o que parece pouco comparado com outros países da África austral, mas, com população de 173 milhões de habitantes, isso se traduz em 3,4 milhões de pessoas com HIV, segundo dados de 2013. Entre elas, há 430 mil menores de 14 anos, segundo o último informe do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Onusida).
Na Nigéria, contraem o vírus uma em cada três crianças que se infectam nos 20 países da África subsaariana mais afetados pela doença. O documento também aponta que a Nigéria “enfrenta uma tríplice ameaça, uma grande carga de HIV, baixa cobertura de tratamento e nenhuma ou leve queda nas novas infecções”. Além disso, a taxa nacional de HIV esconde profundas disparidades entre os 36 países africanos: em quatro deles, a prevalência fica entre 8% e 15%.
Tayo e seu filho tomam antirretrovirais há 11 anos. Têm sorte. Fazem parte dos menos de 600 mil nigerianos e nigerianas que recebem atenção médica, ou 20% dos que dela necessitam. A baixa cobertura de tratamento perpetua ideias errôneas e a discriminação, como prova a história de Tayo. Quando o marido abandona a mulher, esta tem problemas econômicos, pois metade da população feminina em idade de trabalhar está desempregada na Nigéria.
“O desespero para se manter e assumir o filho pode fazer com que essas mulheres se dediquem a atividades sexuais para ganhar dinheiro, e aumenta o risco de se propagar ainda mais o HIV”, pontuou Lucy Attah, que trabalha em questões de gênero e é portadora do vírus. Também é diretora-executiva da Fundação Hope de Mulheres e Crianças, que ajuda mulheres infectadas pelo HIV.
Ali a IPS conheceu Tayo, que contou ter evitado fazer o exame durante a gravidez. Os hospitais públicos da Nigéria fazem o teste de forma rotineira, mas ela decidiu pelo atendimento privado, onde o teste não é obrigatório, por medo da discriminação. “É do que mais me arrependo na vida”, confessou.
Uma das razões pelas quais as grávidas evitam fazer o exame é a “falta de profissionalismo do pessoal da saúde, que não respeita a confidencialidade das análises”, explicou Hua. “Às vezes temos que remover pacientes para outros hospitais, longe de onde vivem, por causa do vazamento de sua condição de portadores do HIV”, acrescentou.
Alguns profissionais evitam manter contato com mulheres soropositivas por acreditarem, erradamente, que se contagiarão apenas tocando-as, contou Attah. “À primeira vista parece que há muita consciência entre os profissionais da saúde, mas, na realidade, há muito estigma”, afirmou Hua.
Um projeto de lei de confidencialidade e contra a discriminação já foi aprovado pelas duas casas legislativas do país e espera-se pela promulgação do presidente Goodluck Jonathan. Mas a Nigéria precisa mais do que leis para atender a epidemia. Em 2013, a Onusida descreveu a resposta do país à enfermidade como “parada” e disse que é preciso um “esforço maciço” para combatê-la.
Na Nigéria vivem 13% das pessoas com HIV da África subsaariana, que registra 19% das mortes por causas derivadas da aids, segundo a agência das Nações Unidas. Somente o Chade está melhor do que a Nigéria na cobertura de tratamento de mulheres grávidas portadoras do HIV. Nessa conjuntura, o governo tomou medidas para reduzir a transmissão de mãe para filho nos 12 Estados mais afetados pela doença.
A prevenção do contágio de mãe para filho aumentou 27% em 2013, alta significativa em relação aos 19% registrados em 2012, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Alguns Estados duplicaram ou triplicaram a quantidade de centros de saúde que oferecem tratamento contra a transmissão de mãe para filho e, graças a isso, há 2.216 clínicas, embora ainda se esteja longe das 16.400 necessárias para a cobertura adequada.
A quantidade de novas infecções entre meninos e meninas caiu de 60 mil em 2012 para 51 mil em 2013. Mas, como entre 2% e 3% das mulheres grávidas não recebem atenção pré-natal, o grande desafio é chegar a elas melhorando os serviços. “Temos que ir até elas em lugar de esperar que venham aos centros de saúde”, ressaltou à IPS Arjan de Wagt, do departamento de infância e HIV do escritório do Unicef na Nigéria. “Do contrário, as crianças continuarão morrendo de aids sem razão”, enfatizou. Envolverde/IPS