Nações Unidas, 15/8/2014 – Parece que não há vencedores nem vencidos em Gaza, agora que começa a baixar a poeira e a pólvora após a guerra que começou no dia 8 de julho. Israel, apesar de sua força militar de alta tecnologia e dos chamados “bombardeios de precisão milimétrica”, não conseguiu seu objetivo final: aniquilar o movimento armado palestino Hamas. Por outro lado, matou em sua maioria civis, mediante a destruição de casas, escolas, hospitais, universidades e abrigos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Estes atos podem ser considerados crimes de guerra sujeitos à investigação do Tribunal Penal Internacional em Haia. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, qualificou o número de mortos e a magnitude da destruição de “estremecedores”. Segundo a informação preliminar, no conflito morreram aproximadamente dois mil palestinos, quase 75% civis, incluindo 459 meninas e meninos, acrescentou.
“Morreram mais crianças neste conflito em Gaza do que nas duas crises anteriores juntas”, afirmou Ban em entrevista coletiva da ONU, no dia 12, se referindo às guerras entre Israel e palestinos em 2008-2009 e 2012. Em contraste, Israel teve 64 soldados e três civis mortos, segundo as forças militares desse país. “Qual o valor político dessa luta?”, perguntou Vijay Prashad, professor de Estudos Internacionais no Trinity College, uma universidade dos Estados Unidos.
Israel se encontra isolado e a maior parte do mundo está descontente pela carnificina da guerra, enquanto a simpatia pela causa palestina está em seu ponto mais alto, apontou o professor à IPS. “O resultado no plano político ainda é pouco claro. Tudo dependerá de como se comportar a direção palestina”, afirmou Prashad, analista político do Oriente Médio e autor do livro Arab Spring, Libyan Winter (Primavera Árabe, Inverno Líbio).
H. L. D. Mahindapala, analista político em Melbourne que trabalhou em um jornal do Sri-Lanka, disse à IPS que Israel perdeu o monopólio do poder que gozava na região para impor suas condições. A resposta palestina através de túneis primitivos demonstrou que é uma força a ser considerada, acrescentou. Por exemplo, Israel boicotou as negociações no Egito e o Hamas obrigou a retomá-las com o disparo de foguetes e a ameaça à sua segurança, acrescentou. “Israel ficou desconcertado e derrotado pela rede de túneis”, ressaltou.
A engenhosa rede foi construída inicialmente como forma de defesa para superar o embargo que Israel impôs ao tráfego de produtos de Gaza. Depois se converteu no melhor mecanismo defensivo e ofensivo que Israel não conseguiu desmantelar, apesar de declarar “missão cumprida”, segundo Mahindapala, que analisa a política do Oriente Médio há décadas.
A construção dos túneis foi uma falha de inteligência por parte de Israel, reconheceu Meir Sheerit, ex-membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do parlamento israelense, segundo o Wall Street Journal. “Não creio que nossa inteligência soubesse quantos túneis foram escavados, sua localização nem quantos foram planejados para o ataque”, acrescentou.
Segundo Ban Ki-moon, mais de 300 mil pessoas continuam refugiadas em escolas administradas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), em escolas públicas e privadas e em outras instalações públicas ou casas da família. As moradias de pelo menos mil pessoas sofreram destruição total ou severa, explicou o secretário-geral.
Segundo fontes militares israelenses, o Hamas lançou 3.488 ataques com foguetes e morteiros contra Israel desde o início do conflito em 8 de julho, contra os 4.929 ataques israelenses, principalmente com armas fornecidas pelos Estados Unidos, contra objetivos em Gaza.
“Se a contagem dos cadáveres e a destruição das armas são os principais critérios para a vitória, Israel claramente é o ganhador do último confronto com o Hamas”, opinou Ronen Bergman, analista político e militar do jornal israelense Yediot Aharonot, em um artigo publicado no New York Times,no dia 10. “Porém, a contagem dos cadáveres não é o critério mais importante para decidir quem deve ser declarado vencedor”, continuou Bergman, muito mais importante “é a comparação dos objetivos de cada parte antes do combate e o que conseguiu. Visto desta forma, venceu o Hamas”, resumiu.
O Hamas também fez uma campanha urbana contra as forças terrestres israelenses e causou pelo menos cinco vezes mais baixas do que no último conflito e utilizou com êxito os túneis para penetrar no território inimigo e semear o medo e a desmoralização, pontuou Bergman, que está escrevendo uma história sobre o Mossad, o serviço de inteligência de Israel. O veredito final dependerá em grande parte do resultado de um acordo após as conversações de paz no Egito.
Prashad destacou à IPS que a guerra de Gaza foi “assimétrica e desproporcional”. A ONU confirmou que a infraestrutura de Gaza está totalmente destruída, o que inclui hospitais, escolas, empresas, rede de energia e o armazenamento de alimentos. “É uma catástrofe humanitária. Assim, neste nível Israel ganhou. Tornou a vida inabitável para os palestinos”, acrescentou.
Israel assegura que seu objetivo era a destruição do Hamas, mas acontece que destruiu Gaza novamente, observou Prashad. Também afirmou que seria um gesto importante as duas partes se comprometerem com o Tribunal Penal Internacional e apoiarem plenamente uma investigação sobre a natureza da guerra.
“Os estrategistas militares devem se dar conta de que não é apenas Israel que enfrenta a derrota, mas também seu maior aliado, os Estados Unidos”, disse Mahindapala à IPS. Se Israel fracassa, os Estados Unidos afundarão com ele, ressaltou. “As pressões militares, econômicas, políticas de diplomáticas de Israel podem evitar o tsunami árabe por um tempo, mas não por muito”, acrescentou.
Estados Unidos e Israel estão ambos em decadência e a forma com propuserem gerir as novas realidades sem provocar um holocausto nuclear é a grande interrogação, afirmou Mahindapala. A esquerda israelense é muito minúscula e fraca em comparação com a direita, e a questão principal não é como os palestinos viverão nos territórios ocupados, mas como Israel fará para viver rodeado por um mar de árabes, ressaltou. Envolverde/IPS