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Catarata de obras energéticas se choca com comunidades

Árvores cortadas à margem do rio Branco por uma geradora de energia. Projetos hidrelétricos ameaçam a biodiversidade e as formas de vida das comunidades do Estado de Veracruz, no sudeste do México. Foto: Cortesia do Comitê de Defesa Livre
Árvores cortadas à margem do rio Branco por uma geradora de energia. Projetos hidrelétricos ameaçam a biodiversidade e as formas de vida das comunidades do Estado de Veracruz, no sudeste do México. Foto: Cortesia do Comitê de Defesa Livre

 

Cidade do México, México, 5/9/2014 – Desde janeiro habitantes dos povoados próximos ao rio Los Pescados, no sudeste do México, bloqueiam a construção de uma represa do Projeto de Propósitos Múltiplos para o Fornecimento de Água de Xalapa, capital do Estado de Veracruz.

“Violam nossos direitos a uma vida livre de contaminação, de decidir onde e como viver, à informação, à consulta prévia, livre e informada. Que não entrem em nosso território, apenas isso”, disse à IPS a ativista Gabriela Maciel, da organização Povos Unidos da Bacia Antiga por Rios Livres. Essa entidade reúne moradores de 43 comunidades de 12 municípios da bacia do rio e, junto com outra organizações, conseguiu suspender a obra, construída pela empresa brasileira Odebrecht e pela Comissão de Água do Estado de Veracruz.

A represa de Jalcomulco, projetada com capacidade para armazenar 130 milhões de metros cúbicos de água em uma extensão de 4,13 quilômetros quadrados e a um custo superior a US$ 400 milhões, é parte da onda de construções projetadas pelos governos federal e estaduais, que se choca com as comunidades locais.

Por trás da gigantesca ofensiva de infraestrutura no México que acompanha a reforma energética no país, cujo contexto legal ficou definitivamente fixado em 11 de agosto, abriu ao setor privado, nacional e estrangeiro, a exploração, distribuição e o comércio de hidrocarbonos, bem como a geração e venda de eletricidade. Está formado por nove iniciativas que estabeleceram nove novas leis e reformaram outras 12, que materializaram a histórica reforma promulgada em 20 de dezembro.

A abertura energética atrairá para a segunda economia latino-americana altos investimentos, nacionais e estrangeiros, no período 2015-2018, segundo previsões oficiais. No dia 18 de agosto a estatal Comissão Federal de Eletricidade (CFE) anunciou 16 projetos no valor de US$ 4,9 bilhões de investimento, 27% deles públicos e 73% privados.

No Programa Nacional de Infraestrutura (PNI) 2014-2018, a CFE planeja 138 projetos no valor de US$ 46 bilhões, entre centrais hidrelétricas, usinas de geração solar, eólica e geotérmica, redes de transmissão e distribuição. “Há uma debilidade dos marcos normativos ambientais e sociais para facilitar o investimento. Se debilitam normas de direitos dos povos ao território. Se aviva o risco de conflitos sociais e ambientais. É um retrocesso”, destacou à IPS a pesquisadora Mariana González, da área de Transparência e Prestação de Contas do Centro de Análises Fundar.

No PNI, a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) apresentou 124 projetos superiores a US$ 253 bilhões. Essas obras se referem à construção de gasodutos, melhoria de refinarias, eficiência energética em instalações petroleiras e trabalhos de exploração e extração de petróleo, entre outras. O Estado de Campeche concentra a maioria de desembolsos planejados, com US$ 43 bilhões em exploração e manutenção de quatro poços marinhos.

Em seguida vem o Estado de Tabasco, com quase US$ 15 bilhões em campos de petróleo em águas submersas e edificação e remodelação de instalações petroleiras. Em Veracruz, a Pemex pretende investir US$ 11 bilhões em depósitos marinhos em águas pouco profundas e na construção e atualização de instalações petroleiras, enquanto no Estado de Tamaulipas destinará US$ 6,67 bilhões em águas profundas e construção e modernização de infraestrutura.

Além disso, em 13 de agosto, o Ministério de Energia (Sener) concedeu à Pemex 120 autorizações que lhe permitem manter as operações de extração de hidrocarbonos e que equivalem a 71% da produção nacional de petróleo, na chamada Ronda Cero (R-0), as áreas que permanecerão sob controle do Estado. Também ajudará a empresa a manter 73% da produção de gás nessa área.

A produção diária atual da Pemex é de 2,39 milhões de barris (de 159 litros) de petróleo e 6,504 bilhões de pés cúbicos de gás. A Sener também aprovou desenvolver na Ronda Uno (R-1), por operadores privados, 109 blocos dedicados à exploração e 60 à produção de petróleo e gás.

O governo calcula que esses projetos exigirão investimentos de US$ 8,525 bilhões entre 2015 e 2018 em exploração e prospecção de águas profundas e superficiais, campos terrestres e hidrocarbonos não convencionais, como gás de xisto. A Comissão Nacional de Hidrocarbonos prepara os termos das licitações, cujos contratos serão entregues entre maio e setembro de 2015.

Manuel Llano, coordenador técnico da não governamental Conservação Humana, sobrepôs os mapas das rondas Cero e Uno com as áreas naturais protegidas, povos indígenas e comunidades. Llano disse à IPS que constatou que o total de áreas terrestres na R-0 soma quase 48 mil quilômetros quadrados, distribuídos em 142 municípios de 11 Estados. A maioria está em Veracruz, seguido por Tabasco. A R-1 engloba 11 mil quilômetros quadrados, com 68 municípios em oito Estados.

Nos territórios da R-0 ficam 1.899 núcleos agrários, dos quase 32 mil existentes no país. Além disso, a R-1 flui por 671 territórios comunitários, com 4.416 quilômetros quadrados de propriedade coletiva. A R-0 também afeta 13 povoados indígenas com área de 2.810 quilômetros quadrados. Entre os grupos prejudicados estão os chontales, totonacas e popolucas. A R-1 envolve cinco povos originários, entre eles os huastecos, náhuatl e totonacas, e mais de 3.200 quilômetros quadrados.

“É difícil dizer com exatidão os lugares que serão mais afetados. Em uma área muito pequena pode haver um grande dano. Depende de cada caso, com os cálculos, posso supor medianamente o que pode acontecer em um determinado polígono, não em todos”, explicou Llano. Em 2013, esse ativista fez um exercício semelhante com o Atlas de Concessões Mineiras, Conservação e Povos Indígenas, comparando o mapa de licenças de mineração com áreas protegidas e territórios indígenas.

A nova lei de hidrocarbonos não deixa opção aos proprietários da terra, que têm de acertar com a Pemex ou operadoras privadas a ocupação da terra, ou aceitar o que a justiça decidir. “O trabalho das instituições não foi correto. Sabemos como trabalha o aparato governamental para conseguir o que quer. Nenhuma aprovação vai prosperar. Nossa luta seguirá. Não estamos sozinhos, há povos com o mesmo problema”, ressaltou a ativista Maciel.

Desde março, várias organizações sociais realizam demandas coletivas contra entidades governamentais pela autorização para a represa no rio La Antigua e suas sequelas ecológicas. Los Pescados é um de seus afluentes. Entre 2009 e 2013, o Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais autorizou 12 centrais hidrelétricas e mini-hidrelétrticas nos rios de Veracruz, cuja construção não começou.

Llano pretende comparar os mapas de hidrocarbonos com as licitações e os contratos para determinar o potencial de recursos que o governo assegura existirem e se correspondem com os leilões. “Os hidrocarbonos não podem estar acima do direito a um ambiente saudável. Pode-se definir zonas para as explorações e estabelecer restrições”, destacou. Envolverde/IPS