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Ex-presidentes unem sua voz em favor de despenalizar as drogas

Plantador de coca da Bolívia. Foto: Diana Cariboni/IPS
Plantador de coca da Bolívia. Foto: Diana Cariboni/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 11/9/2014 – Uma comissão integrada por ex-presidentes latino-americanos e destacadas figuras internacionais pediu a modificação das políticas de controle de drogas para trocar a proibição pela despenalização e regulação. O informe de 43 páginas da Comissão Global de Políticas de Drogas denunciou o fracasso do que se conhece há mais de 40 anos como a “guerra contra as drogas” e argumentou que faltam estratégias novas que priorizem os direitos humanos e a saúde.

“No informe, propomos um amplo mapa do caminho para assumir o controle das drogas”, escreveu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que preside a comissão. “Reconhecemos que os enfoques prévios que se baseavam no modelo punitivo fracassaram enfaticamente”, continuou no preâmbulo do informe Assumindo o Controle. Caminhos para Políticas de Drogas Eficazes.

Esses enfoques tiveram “como resultado mais violência, aumento da população carcerária e erosão dos governos em todo o mundo. Por outro lado, a Comissão Global de Políticas de Drogas defende um enfoque centrado na saúde pública, segurança da sociedade e nos direitos humanos e no desenvolvimento”, afirmou Cardoso.

Isto incentivaria os governos a regular os mercados de drogas ilícitas – começando pela maconha, a folha de coca e certas drogas psicoativas –, a buscar alternativas para a prisão de traficantes não violentos e pouco importantes, e a garantir o acesso equitativo a medicamentos essenciais para a dor, como os opiáceos, acrescentou o ex-presidente brasileiro. A Comissão defendeu uma estratégia pragmática que inclua a experimentação e o ensaio e erro.

Entre seus 21 integrantes, além de Cardoso, estão o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) Kofi Annan, a ex-Alta Comissária das ONU para os Direitos Humanos, Louise Arbour, e os ex-presidentes Ricardo Lagos, do Chile, César Gaviria, da Colômbia, Ernesto Zedillo, do México, e Aleksander Kwasniewski, da Polônia. Também participam o ex-secretário de Estado norte-americano, George Shultz, e o ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, Paul Volcker.

A apresentação do documento aconteceu no dia 9, em uma entrevista coletiva em Nova York, que contou com vários membros da Comissão. As recomendações do documento, enquanto os governos se preparam para a Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Drogas, em 2016, geraram uma resposta mista do governo dos Estados Unidos, principal incentivador da atual política internacional desde que o ex-presidente Richard Nixon declarou pela primeira vez a “guerra contra as drogas”, em 1971.

“Concordamos que devemos utilizar enfoques baseados na ciência, recorrer a alternativas à prisão para os infratores não violentos e garantir o acesso a medicamentos contra a dor”, destacou Cameron Hardesty, do Escritório da Casa Branca de Política Nacional de Controle de Drogas. “Mas discordamos de que a legalização das drogas fará com que as pessoas sejam mais sadias e que as comunidades sejam mais seguras”, acrescentou.

Entretanto, analistas independentes afirmam que as recomendações da Comissão provavelmente ajudem a avançar substancialmente a discussão sobre a política de drogas, ainda que seja apenas pela importância de seus integrantes. “Este é um informe muito importante, que provocará uma discussão e um debate mais sérios”, afirmou à IPS Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, um influente centro de pesquisa com sede em Washington. “E já houve mudanças importantes no âmbito estatal dos Estados Unidos e em alguns países da América Latina, e isso fará as coisas avançarem”, destacou.

“A ideia por trás deste informe e do momento de sua publicação é garantir que não se repitam as palavras vazias, como “um mundo livre de drogas, podemos conseguir”, que foi o tema da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (Ungass), em 1998”, apontou John Walsh, especialista do Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola).

“Para evitar que isso se repita, a ideia é assegurar que seja inevitável um debate verdadeiro. Isso não significa que os países do mundo se unirão em torno desse novo modelo de regulamentação legal, em lugar da proibição, mas a esperança é que esses problemas não sejam ignorados”, acrescentou Walsh.

“Agora não restam dúvidas de que o gênio da reforma escapou da garrafa da proibição”, disse Ethan Nadelmann, diretor da Aliança por uma Política de Drogas. “Os ex-presidentes e outros membros da comissão não fazem rodeios em insistir que as políticas nacionais e mundiais de controle de drogas devem rechaçar as políticas de proibição fracassadas do século 20 em favor de novas, baseadas na ciência, na compaixão, na saúde e nos direitos humanos”, destacou.

Em 2011, a comissão publicou seu primeiro informe no qual também condena como um fracasso a guerra contra as drogas e fez uma série de recomendações destinadas a “romper o tabu” sobre a legalização e a regulamentação de algumas substâncias ilícitas.

Nesse processo, deu apoio político para que alguns governantes da América Latina defendessem reformas similares, entre eles o agora ex-presidente do México, Felipe Calderón, e os atuais presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, da Guatemala, Otto Pérez Molina, e do Uruguai, José Mujica, cujo país se converteu, em dezembro de 2013, no primeiro no mundo a aprovar a regulamentação da produção, distribuição e venda da maconha em um contexto legal.

Em meados de 2013, a Organização de Estados Americanos (OEA) também divulgou um documento encomendado a mandatários da região que incluía a legalização como alternativa política e favorecia com firmeza a opinião de que as drogas devem ser encaradas como um problema de saúde pública e não de segurança.

Entre outras medidas, o informe da OEA propôs legalizar e regular a produção, distribuição e venda de maconha, uma recomendação que foi aceita pelo Uruguai e, nos Estados Unidos, pelos Estados do Colorado e Washington. Quase metade dos Estados norte-americanos legalizaram a maconha para fins medicinais, e 17 despenalizaram a posse para uso pessoal.

Praticamente todos os observadores concordam que a guerra contra as drogas fracassou. Na medida em que baixaram os preços das substâncias ilícitas, calcula-se que os governos gastam US$ 100 bilhões ao ano para reprimir o tráfico e o consumo. A ONU estima que o valor do tráfico mundial de drogas ilícitas supera os US$ 350 bilhões. Envolverde/IPS