Zaranj, Afeganistão, 16/9/2014 – “Claro que estou assustado, mas que outra coisa posso fazer?”, disse Ahmed em um pequeno hotel nos confins do Afeganistão. Disseram para que esperasse ali. Ele se dirige ao Irã, mas não sabe como nem quando cruzará a fronteira. Ahmed tem 40 anos mas aparenta ter 15 a mais. Diz que não encontra forma de alimentar seus sete filhos em sua Bamiyan natal, 130 quilômetros a noroeste de Cabul. Ser analfabeto em nada ajuda para encontrar um trabalho.
“Morremos de fome, literalmente”, afirmou esse camponês sentado sobre o tapete em que descansará até que os contrabandistas venham buscá-lo. Não demorarão muito. “Nunca se passa mais de dois dias aqui”, disse à IPS o proprietário da hospedagem, Hassan, que preferiu não dar seu nome completo. “São colocados na caçamba de uma caminhonete e levados até o Paquistão. Depois têm de caminhar através do deserto durante um dia até chegar ao Irã. Muitos ficam pelo caminho”, acrescentou.
E Hassan fala com conhecimento de causa, pois é ele quem faz a mediação entre seus hóspedes e os contrabandistas. Ahmed não passa de outro cliente, em um hotel a mais entre a miríade de estabelecimentos semelhantes concentrados ao redor da central praça de Naqsha (mapa, no idioma dari), em Zaranj, 800 quilômetros a sudoeste de Cabul. A cidade é a capital da remota província de Nimroz, a única do Afeganistão que faz fronteira com Irã e Paquistão.
A praça de Naqsha – assim chamada por um mapa gigante do Afeganistão pendurado sobre um pedestal – é a última parada antes de uma viagem que, no melhor dos casos, será lembrada como um pesadelo. A cada dia milhares de afegãos colocam suas vidas nas mãos de máfias que se oferecem para ajudá-los a cruzar a fronteira e deixar para trás um país que continua afundado no caos, 13 anos depois da invasão de 2001.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), o Afeganistão, depois de Síria e Rússia, é o país do mundo com mais solicitações de asilo.
Ponto zero
A praça fica a apenas dois quilômetros da passagem oficial da fronteira com o Irã. Naturalmente, não é a rota de ida para Ahmed, mas pode ser a de volta. Bem ao lado da ponte sobre o rio Helmand, a “terra de ninguém” entre os dois países, fica o “ponto zero”, o lugar onde são registrados todos os afegãos que retornam deportados ou por vontade própria do outro lado da fronteira.
Ainda não eram cinco horas da tarde e o número já estava perto dos 500. “Hoje registramos 259 deportados e outros 211 que voltaram por vontade própria”, explicou à IPS o chefe da equipe do Diretório para Refugiados e Retornados no “ponto zero”, Mirwais Arab. “Dentre eles só podemos atender as necessidades mais imediatas de 65; basicamente dar-lhes comida e abrigo na primeira noite e uma quantia em dinheiro para que possam voltar para casa”, lamentou.
Devido ao baixo número de atendimento, a maioria se limita a seguir seu caminho de volta depois que seus nomes são registrados. Caminham em fila, exaustos e cabisbaixos. E não é algo ocasional, mas um fluxo constante de homens que arrastam uma profunda sensação de derrota.
Grande parte deles é muito jovem, como os irmãos Jalil, de 21 e 22 anos. Eles contaram à IPS que a viagem de ida, “há seis dias”, foi pelo Paquistão e por uma travessia pelo deserto, e que tiveram de pagar metade de seu dinheiro a um grupo de talibãs. A volta não foi muito melhor. “Íamos para Teerã, mas nos pegaram em Iranshar (a 1.500 quilômetros da capital iraniana). A polícia nos bateu com cassetete e fios por todo o corpo, antes de nos colocar em um ônibus e nos devolver na fronteira”, contou Abdul, o mais velho dos dois irmãos, no acostamento da estrada, bem na entrada sul de Zaranj.
O caso dos Arifi é ainda mais dramático. Após chegarem a Zaranj, vindos de Kunduz, no extremo norte do Afeganistão, cruzaram a fronteira de forma ilegal pelas vias habituais. Eram cinco, mas apenas quatro voltaram, contou Ziaud. “Quando nos encontraram, colocaram eu e meu irmão Mohammed em um veículo e meus pais em outro, mas ainda nada sabemos de nosso irmão mais novo”, contou esse adolescente que perdeu o irmão de sete anos. “Meu pai vai tentar voltar hoje mesmo para buscá-lo”, acrescentou, em visível estado de choque.
Najibullah Haideri, responsável pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Nimroz, detalhou à IPS que o Irã deporta por mês uma média de 600 homens e cerca de 200 famílias. Por sua vez, Ahmadullah Noorzai, responsável pelo escritório do Acnur em Zaranj, explicou que as deportações estão acontecendo há seis anos.
Em um informe de 2013, a organização Human Rights Watch (HRW) denunciou abusos supostamente cometidos contra os imigrantes. Entre eles, a organização citou que os afegãos são frequentemente detidos sob acusações de furto ou tráfico de drogas, após terem negado seu direito a um advogado. Segundo a HRW, centenas deles teriam sido executados nos últimos anos sem que as autoridades em Cabul tivessem sido notificadas disso.
“Obter um visto para o Irã custa 85 mil afganis (US$ 1,93 mil)”, disse o encarregado de outro pequeno hotel em Zaranj que preferiu não se identificar. “Os preços para fazer de forma ilegal começam em torno de 25 mil afganis (US$ 533), mas sempre de acordo com o destino”, acrescentou. Segundo esse hoteleiro, “os mais caros são Teerã, Mashad e Esfahan (as maiores cidades afegãs onde a oferta de emprego é maior). Paga-se somente quando se chega ao destino escolhido, por isso os migrantes tentam mais de uma vez até conseguir, ou até serem mortos”.
Atrás do hoteleiro, Hamidullah, de 43 anos, e seu filho Sameem, de 17, esperam a vez para conseguir uma vida melhor. Envolverde/IPS