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A nova ONU enfrenta a balcanização do mundo

O secretário-geral Ban Ki-moon, de costas ao centro, saúda o público em sua visita, no dia 15 de setembro, ao renovado salão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Foto: ONU/Eskinder Debebe
O secretário-geral Ban Ki-moon, de costas ao centro, saúda o público em sua visita, no dia 15 de setembro, ao renovado salão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Foto: ONU/Eskinder Debebe

 

Nações Unidas, 22/9/2014 – O renovado salão da Assembleia Geral de Organização das Nações Unidas (ONU) terá espaço para 204 Estados membros, 11 a mais do que os atuais 193, quando os líderes mundiais discursarem diante das delegações oficiais presentes, no que constitui um ritual anual do fórum mundial. Nos próximos dez anos, a ONU poderá alojar vários Estados novos, produto dos movimentos separatistas em seus países originais, que buscaram aderir às Nações Unidas.

Se as fantasias políticas se converterem em realidade, essa lista poderá incluir Abjasia, Catalunha, Caxemira, Chechênia, Kosovo, Curdistão, Palestina, Quebec e até um Iraque sunita e outro xiita. Um diplomata do Oriente Médio disse, com sarcasmo: “me pergunto se um desses assentos novos é para o Estado Islâmico”, o movimento extremista, antes conhecido como Isis e que Estados Unidos e outros países consideram um grupo terrorista.

Como em anos anteriores, a rotina da Assembleia Geral de número 69 será a mesma: longos discursos, centenas de reuniões bilaterais entre os governantes e uma segurança extrema em todo o perímetro da sede nova-iorquina da ONU, entre os dias 23 e 26 deste mês. Este ano, os mais de 150 chefes de Estado e de governo que confirmaram sua visita farão uso da palavra em um contexto mundial de crises políticas e militares que inclui Afeganistão, Iraque, Líbia, Palestina, Síria, Somália, Ucrânia e Iêmen.

Ian Williams, correspondente da ONU e professor da universidade norte-americana Bard, pontuou à IPS que a renovação do salão, após sete anos e custo de US$ 2,1 bilhões, mostra certo grau de previsão, com uma dezena de lugares livres para as novas delegações. “Mas, no ritmo em que segue a balcanização em todo o mundo, talvez sejam poucas”, disse, com ironia.

Kosovo e Curdistão, além de diferentes “putinistão” que estão brotando na periferia russa, poderiam ocupar esses assentos em breve, segundo Williams. A balcanização política também se estende aos blocos de países dentro da ONU, acrescentou. “Nos dias da velha Guerra Fria, havia certa disciplina. Todos os discursos do bloco oriental eram deprimentemente semelhantes. Agora, os países dão pouca atenção às instruções das autodesignadas superpotências e são mais entusiastas”, afirmou.

Em entrevista coletiva na semana passada, o secretário-geral, Ban Ki-moon, disse que, “nessa época de turbulência, as próximas duas semanas ressaltarão o papel indispensável da ONU na luta contra as ameaças mundiais e nas oportunidades para o progresso comum”. O novo período de sessões da Assembleia Geral será “crucial para nossos esforços para acabar com a pobreza e adotar uma nova geração de objetivos de desenvolvimento sustentável”, acrescentou.

Entretanto, quando a IPS perguntou se as sessões da Assembleia Geral têm alguma repercussão nos acontecimentos mundiais, Samir Sanbar, ex-subsecretário-geral e diretor do Departamento de Informação Pública da ONU, respondeu que, “com o devido respeito a todos os chefes de Estado visitantes, não estou certo de que se possa continuar aplicando o termo ‘líderes’”. Isso explicaria em parte o ambiente de agitação generalizada em todo o planeta, acrescentou. “São muitas presenças presidenciais e, no entanto, pouquíssimo impacto positivo”, destacou Sanbar, que trabalhou com cinco secretários-gerais da ONU.

Antes, havia incontáveis reuniões bilaterais entre os presidentes e os primeiros-ministros por ocasião da sessão da Assembleia Geral. Os debates gerais eram substantivos e constituíam a coluna vertebral das resoluções da ONU. Agora a maioria dessas visitas é vista como oportunidades para a foto pública, segundo Sanbar, editor do boletim eletrônico na internet Fórum da ONU.

Williams apontou à IPS que durante décadas a delegação dos Estados Unidos sofreu a desconfiança de seu próprio país na organização. Recordou que os legisladores direitistas no Congresso norte-americano acossavam continuamente a ONU com reduções em seu orçamento. Por isso, o fato de ter havido dinheiro para reformar o salão da Assembleia Geral é consequência da mudança de atitude dos Estados Unidos, acrescentou.

Porém, a controvérsia ao menos vai gerar ruído. No momento, o que há é um silêncio ensurdecedor, criticou Williams. “O que aconteceu com todos esses loucos que pensavam que as forças de paz da ONU se apoderariam dos Estados Unidos com seus helicópteros negros?”, perguntou. Williams afirmou que preferiria que mudassem seus cavalinhos de batalha por outros novos, como a disputada cidade líbia de Bengasi, a certidão de nascimento do presidente norte-americano, Barack Obama, e distrações semelhantes, em lugar de a ONU ter se tornado irrelevante.

Amanhã a ONU realizará a Cúpula do Clima. Nesse contexto, “é urgente atuar diante da mudança climática. Quanto mais demorarmos, mais pagaremos em vidas e dinheiro”, advertiu Ban, que aproveitou para anunciar que o ator norte-americano Leonardo Di Caprio é o “mais recente Mensageiro da Paz da ONU, com um enfoque especial nas questões da mudança climática”.

Ban faz seu melhor esforço para que os líderes reiniciem as negociações sobre um pacto de mudança climática, reconheceu Williams, e “provavelmente terá melhores resultados com isso do que com a Síria”, acrescentou.

Sanbar disse à IPS que quando o ex-presidente da Assembleia Geral, Razali Ismail, da Malásia, advertiu, em 1996, sobre a “progressiva irrelevância” dessas sessões, quase foi considerado um subversivo. “Agora os mandatários importantes passam fugazmente pelas sessões inaugurais, competindo mais do que tudo para falar durante os dois primeiros dias, enquanto outros que talvez já tenham visitado Nova York na semana anterior nem mesmo se preocupam em assistir”, acrescentou.

Inclusive Ban, “que manteve admiravelmente o interesse pela mudança climática, parece sentir a necessidade de trazer uma estrela de Hollywood com esse mesmo objetivo. Envolverde/IPS