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Yeul é a palavra da moda no vocabulário energético argentino

Técnicos conversam entre duas torres de perfuração na jazida de Loma Campana, em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Técnicos conversam entre duas torres de perfuração na jazida de Loma Campana, em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

 

Neuquén, Argentina, 24/10/2014 – Na Argentina já o chamam de “yeil”, uma “espanholização” da palavra inglesa shale para o gás e petróleo de xisto. Mas o que para muitos significa o futuro do desenvolvimento e o autoabastecimento energético do país, para outros é uma palavra que deveria estar em desuso, quando a tendência mundial é avançar para fontes renováveis e limpas.

Com seu uniforme de trabalho empapado de petróleo, o supervisor de perfuração da empresa estatal YPF, Claudio Rueda, se sente protagonista de uma história que começa a ser escrita no sul da Argentina. “Em nosso país a disponibilidade energética é estratégica. É uma peça fundamental para o desenvolvimento e o futuro argentinos e nós somos parte desse processo”, afirmou à IPS.

O primeiro capítulo se escreve em Loma Campana, a jazida de Vaca Muerta, na província patagônia de Neuquén, onde, entre 2.500 e três mil metros de profundidade, se escondem ricas reservas de gás e petróleo dentro de estruturas rochosas. Segundo a YPF, com reservas de 802 trilhões de pés cúbicos de gás de xisto, a Argentina ocupa o segundo lugar mundial em recursos, atrás da China, com 1,115 quatrilhão.

Em petróleo não convencional, o país passou a ocupar o quarto lugar mundial, com 27 bilhões de barris. À frente estão Rússia, com 75 bilhões de barris, Estados Unidos e China. Estima-se que as reservas argentinas de hidrocarbonos convencionais se esgotarão em oito ou dez anos e sua produção é declinante, por isso o governo considera estratégico o desenvolvimento de Vaca Muerta, uma formação geológica de 30 mil quilômetros quadrados.

“Praticamente 30% da energia do país de diferentes formas é importada, daí a sangria de divisas do país ser enorme”, apontou à IPS o especialista Rubén Etcheverry, coautor do livro Yeil, as Novas Reservas, e secretário de Energia do governo de Neuquén. “Estamos em terapia intensiva há cinco anos, com relação à balança comercial, ou energética”, afirmou em Neuquén, capital provincial.

Segundo Etcheverry, “passamos de exportar combustíveis por quase US$ 5 bilhões, há dez anos, a importá-los por US$ 15 bilhões, ou seja, houve uma mudança na balança de US$ 20 bilhões anuais, que é enorme para qualquer economia do tamanho da nossa”. A importação inclui energia elétrica, combustíveis, gás liquefeito, gás natural, entre outros.

Diego Pérez Santiesteban, presidente da Câmara de Importadores da Argentina, afirmou que a aquisição de energia representava no começo deste ano 15% das compras no exterior, enquanto um ano antes essa compra significava 5%. Desde 2009, as importações energéticas acumuladas estão acima das reservas monetárias internacionais do Banco Central argentino, de US$ 28,4 bilhões.

Para Etcheverry, Vaca Muerta é a chave para reverter a tendência, porque as reservas nas profundidades dessa formação geológica seriam suficientes para nos abastecer e inclusive para exportar”. Segundo o especialista, na Argentina pode acontecer o mesmo que ocorreu com os Estados Unidos, que graças ao seu depósito de shale “possivelmente em menos de dez anos seja o principal produtor de gás e petróleo”.

A extração do xisto requer o uso da tecnologia da fratura hidráulica (fracking, em inglês), que consiste na injeção a alta pressão de água, areia e aditivos químicos, para extrair os hidrocarbonos das rochas em grandes profundidades, onde se alojam, mediante sua ruptura horizontal ao longo de quilômetros.

No mundo se multiplicam as denúncias sobre os efeitos contaminantes desta hidrofratura nos aquíferos e outros impactos ambientais em grandes áreas ao redor das jazidas. Também na Argentina muitos criticam a matriz energética pela qual o país optou. “Este é um olhar ambiental que vai além de Vaca Muerta. A opção que pretendem impor à Argentina, como solução para a crise energética carece de perspectivas futuras”, afirmou a ecologista Silvia Leanza, da Fundação Ecosur.

Segundo Leanza, “estamos baseando toda nossa expansão econômica em um bem que “por quantos anos poderá produzir?”. Quase 90% da matriz energética argentina se compõem de combustíveis fósseis. O resto se divide majoritariamente em fontes nucleares e hidrelétricas, e apenas 1% é renovável.

O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) considera que a queima de combustível fóssil para gerar energia é a principal causa do desequilíbrio climático. “Essa conjuntura, junto com a maior disponibilidade das fontes renováveis, está indicando o fim da era das energias sujas”, afirmou em um informe Mauro Fernández, coordenador na Argentina da campanha de energia da organização ambientalista Greenpeace.

A dependência do país dos combustíveis fósseis coloca suas emissões de dióxido de carbono por pessoa entre as mais altas da região. Em 2009, era de 4,4 toneladas, segundo dados do Banco Mundial. Nesse contexto, Fernández considera que os hidrocarbonos não convencionais não são apenas um risco em razão do fracking, mas “uma má opção desde uma perspectiva climática energética”.

“As jazidas não convencionais aparecem como novas fronteiras para se continuar fazendo mais do mesmo, alimentar o motor da mudança climática”, destacou Fernández. A Argentina se comprometeu a ter em 2016 pelo menos 8% da sua energia procedente de fontes renováveis.

“A aposta no fracking implica o aprofundamento da matriz energética atual, baseada nos combustíveis fósseis e, em consequência, um forte retrocesso em termos de cenários alternativos ou de transição para energias limpas e renováveis”, afirmou a socióloga Maristella Svampa, pesquisadora independente do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas.

“Certamente, na última década, o fracking transformou a realidade energética dos Estados Unidos, proporcionando menor dependência das importações, mas também converteu o país num território onde se pode comprovar seus verdadeiros impactos: contaminação de aquíferos, danos na saúde de pessoas e animais, terremotos, maiores emissões de gás metano, entre outros”, pontuou Svampa.

Carolina García, da Multissetorial Contra a Fratura Hidráulica, considera que, por seus ricos recursos naturais, a Argentina tem alternativas, antes de explorar “até a última gota” de seus combustíveis fósseis. “Terminaremos de extrair tudo na bacia de Neuquén, e o que nos restará depois?”, afirmou à IPS.

Etcheverry mencionou a possibilidade de explorar energia solar no norte, eólica na Patagônia e na zona atlântica, geotérmica na Cordilheira dos Andes, e maremotriz ao longo do litoral. Mas considera que no momento seus custos são “muito superiores” aos dos hidrocarbonos, por razões tecnológicas, de transporte e intensidade energética. Para esse especialista, petróleo e gás continuam sendo necessários como fonte de energia e de matéria-prima para produtos cotidianos. Por isso, afirmou, a transição da “era hidrocarbonífera não é simples”.

Antes é preciso melhorar a economia e a eficiência energética, para depois fazer um “traslado intrafóssil”, acrescentou Etcheverry. “Em uma primeira etapa se trata de sair daqueles combustíveis fósseis mais contaminantes, como carvão e petróleo, e ir para outros igualmente fósseis mas menos contaminantes, como o gás natural. E a partir disso incentivar tudo o que tiver a ver com energias limpas ou renováveis”, explicou. Envolverde/IPS