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Ásia, tão perto e tão longe de erradicar a poliomielite

Uma menina paquistanesa recebe a vacina oral contra a poliomielite. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Paquistão é responsável por 80% dos casos registrados no mundo. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Uma menina paquistanesa recebe a vacina oral contra a poliomielite. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Paquistão é responsável por 80% dos casos registrados no mundo. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Katmandu, Nepal e Peshawar, Paquistão, 27/10/2014 – Conseguir um mundo livre da poliomielite até 2018 é um objetivo ambicioso. Para isso, a Iniciativa Mundial de Erradicação da Poliomielite saca suas armas pesadas e, sem reparar em gastos, se dispõe a garantir que “até a última criança esteja imunizada contra a doença.

Com 1,8 milhão de habitantes, quase um quarto da população mundial, o sudeste asiático foi declarado no começo deste ano livre da poliomielite. Os 11 países da região – Bangladesh, Butão, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Maldivas, Myanmar, Nepal, Sri Lanka, Tailândia e Timor Leste – uniram-se à lista dos Estados livres da enfermidade.

Segundo a Iniciativa Mundial de Erradicação da Poliomielite (GPEI), as campanhas de imunização atingiram 7,5 bilhões de crianças nos últimos 17 anos, não apenas nas cidades, mas também em zonas rurais de difícil acesso. Nesse tempo, houve 189 operações nacionais na região quando foram administrados 13 bilhões de vacinas orais.

Países como Sri Lanka, Maldivas e Butão erradicaram a doença há 15 anos, enquanto a Índia, considerada um caldo de cultivo para a pólio, registrou seu último caso em janeiro de 2011, ganhando a etiqueta de “livre de poliomielite”. Porém, mais ao norte permanecem grandes nuvens na forma de Afeganistão e Paquistão, que arruínam um final feliz para a Ásia. Esses dois países, junto com a Nigéria, impedem que em 2018 seja possível declarar um mundo sem poliomielite, sendo que, a respeito, pretende-se insistir no Dia Mundial da Poliomielite, celebrado em 24 de outubro.

Para países como o Nepal, onde vivem 27 milhões de pessoas, a prevalência da pólio em outros países asiáticos ameaça a erradicação da doença que tanto custou a conseguir. Desejoso de manter seu status livre de poliomielite, esse país introduziu há pouco tempo uma vacina antipólio inativada (Vapi) injetável em seu programa de imunização obrigatório e se converteu no primeiro país da Ásia meridional a adquiri-la.

“A vacina oral é o principal instrumento dos esforços de erradicação da pólio, mas novas evidências mostram que agregar uma dose da Vapi, administrada a bebês de 14 semanas via intramuscular, maximizará a imunidade contra a doença”, explicou Shyam Raj Upreti, chefe da seção de imunização da divisão de saúde infantil do Nepal. Entre 1984 e 2011 a imunização nesse país mais do que dobrou, passando de 44% para 90% da população-alvo.

Ashish KC, especialista em saúde infantil no escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Nepal, disse que os programas de imunização não foram interrompidos nem mesmo durante a guerra entre os insurgentes maoístas e as forças regulares, que durou uma década e deixou 13 mil mortos. “Entendíamos que precisávamos de um enfoque multissetorial e se descentralizou o serviço para facilitar seu acesso. A imunização foi além da saúde, se tornou parte de nossos planos de desenvolvimento”, ressaltou à IPS.

Essa mesma mentalidade se observa nas Filipinas, onde o governo decidiu incluir a Vapi em seu programa de imunização, convertendo-se no maior país em desenvolvimento a fazê-lo. “Conseguir distribuir a vacina nos centros de saúde das pequenas ilhas significa, naturalmente, um desafio logístico, mas as Filipinas demonstraram ser boas nisso”, apontou Mike Watson, vice-presidente de vacinação do laboratório Sanofi Pasteur.

As fortes redes de trabalhadores da saúde comunitários permitiram a esse país avançar para a última etapa da erradicação, que exigirá que 120 países que não têm a Vapi a introduzam até o final de 2016, em uma das maiores e mais rápidas adoções de vacinas da história, acrescentou Watson.

Mas, a cerca de 5.700 quilômetros das Filipinas, se encontra a persistente ameaça da pólio, com milhares de crianças em risco e centenas sofrendo as consequências debilitantes da doença. Em junho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou uma proibição de viagem a toda pessoa que saísse do Paquistão sem sua carteira de vacinação em dia, em uma tentativa de impedir a propagação da poliomielite fora do país.

Em 2012, o movimento islâmico Talibã proibiu a vacinação oral, o que impediu a imunização de 800 mil crianças durante dois anos, disseram à IPS funcionários da saúde. No ano passado, o Paquistão registrou 206 casos de paralisia por poliovírus. Na semana retrasada, outros 19 casos chamaram a atenção das autoridades. “O Paquistão tem o maior número de casos dos três países onde a doença é endêmica”, disse à IPS Elias Durry, coordenador de emergência para a erradicação da pólio da OMS.

A situação é mais grave nas zonas tribais ao norte, onde o Talibã recorreu à violência e ao terrorismo para propagar a mensagem de que a vacina é uma tentativa do Ocidente para esterilizar a população muçulmana. “As Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata), assediadas pela insurgência, registraram 138 casos, enquanto a vizinha Jyber Pajtunjwa teve 43”, afirmou à IPS o diretor de saúde da Fata, Pervez Kamal.

A Agência do Waziristão do Norte registrou 69 casos, a de Jyber e a de Waziristão do Sul, 49 e 17, respectivamente. De forma inesperada, a ofensiva militar para expulsar o Talibã das zonas do norte do país sob seu controle permitiu que funcionários da saúde pudessem chegar a centenas de milhares de residentes das áreas tribais.

Entretanto, Altaf Bosan, diretor do programa nacional de vacinação do Paquistão, disse que 34 milhões de menores de cinco anos precisam ser vacinados, mas somente neste ano “cerca de 500 mil perderam a dose correspondente porque seus pais se negaram a desafiar o Talibã”.

Agora o governo conseguiu apoio de líderes religiosos para convencer os pais a respeitarem o programa de vacinação. “Eruditos muçulmanos do Paquistão, Egito, Afeganistão e da Arábia Saudita emitiram uma fatwa (decreto religioso) recordando aos pais que seu dever islâmico é proteger seus filhos das enfermidades”, contou à IPS Israr ul Haq, um dos signatários.

Segundo a OMS, o Paquistão responde por quase 80% dos casos de poliomielite registrados no mundo, o que representa uma grave ameaça aos esforços de erradicação mundial. Envolverde/IPS