Assim como qualquer projeto, o futuro que se deseja necessita de planejamento. É preciso definir o que se quer, ou ao menos o que não é aceitável para o amanhã.
Ao se olhar para os futuros possíveis para o Brasil há três substantivos siameses, planejamento, inovação e sustentabilidade. Os três precisam estar alinhados, como mostraram as apresentações durante o evento Diálogos Capitais – Inovação e Sustentabilidade realizado em São Paulo no último 21 de outubro. O objetivo foi lançar luz sobre os principais dilemas do desenvolvimento no século 21, presentes em temas do cotidiano, como a necessidade premente de cada vez mais energia, os impactos sobre o clima, a escassez de água, a inovação na busca de modelos e tecnologias e a sustentabilidade como diferencial para os negócios.
Energia e clima estiveram no centro do diálogo entre três especialistas, Francisco Gaetani, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Marco Antonio Fujihara, da Keyassosiados, e Tasso Azevedo, engenheiro florestal e especialista em mudanças climáticas. No foco do debate duas urgências, a de manter a matriz energética brasileira o mais limpa possível e construir uma governança climática capaz de segurar a alteração da temperatura global em no máximo mais 2 graus centígrados. “Já há uma corrente que acredita em um aumento de 4 graus, alertou Tasso Azevedo”, mas considera que ainda é possível cortar esse número pela metade. Segundo ele, a conta é simples, mas o resultado precisa de uma decisão política global. “Hoje o mundo produz US$ 1,2 mil por tonelada de carbono, precisamos chegar a US$ 20 mil por tonelada emitida até 2050”, aponta o especialista.
Uma mudança dessa magnitude exige não apenas inovação na geração de energia, mas também a busca por processos mais eficientes de produção em todas as cadeias de valor da humanidade. “Tudo precisa ser produzido de forma mais eficiente, com muito menos desperdícios de energia e materiais”, explica Marco Fujihara, que atua na gestão de fundos na área de inovação e sustentabilidade. Essa constatação não é nova, foi explicitada durante a Rio+20, quando o Brasil atuou como o grande construtor de acordos. “O Brasil é um país com múltiplas opções em energia e em modelos, o mundo nos observa em busca de exemplos”, disse Francisco Gaetani, do MMA.
Os entraves para as mudanças estão nas coisas mais banais, como lembra Fujihara. “Se eu instalar placas solares em minha casa vou ter de pagar impostos, assim como é ridículo a incidência de ICMS para a produção de energia eólica ou solar.” Isso se reflete na redução do percentual de energia limpa na matriz brasileira. “Já tivemos 54% de geração renovável e este ano estamos em 41% com risco de cair ainda mais”, diz Tasso Azevedo. Ele mencionou que de acordo com o Plano Decenal recém-publicado pelo Ministério das Minas e Energia a geração solar chegará a 2,3 GigaWatt em 2023. “Isso é o que a China implanta a cada dois meses!”
Prosperidade 4-D
Os entraves que bloqueiam a inovação são parte de um modelo linear que, aos poucos, cede espaço a novas formas de interação socioeconômica. “Quando a gente fala em inovação, pensa em produto, que é hardware” – exemplificou a futurista Lala Deheinzelin. “O grande diferencial é a inovação de processos: conhecimento, diplomacia, criação de ambiente favorável, inteligência, o que a gente ainda não vê incentivado no Brasil.” Na opinião dela, “tudo aquilo que motiva as pessoas, a linguagem, o software, a dimensão simbólico-cultural,” deve ser acrescentado ao modelo econômico-social-ambiental da sustentabilidade, evoluindo para a “Prosperidade 4-D”. Nesse modelo, explicou, “a matéria-prima capaz de gerar a abundância, em oposição à economia da escassez, são os recursos intangíveis, aqueles que não se esgotam, como conhecimento, informação e cultura.” Valores que compartilhados geram mais valor e não escassez.
Para o economista Ladislau Dowbor, da PUC-SP, a transformação de modelos não se dá de forma repentina, é preciso ir aproveitando as brechas no dia a dia, como a redução do horário em trabalhos penosos e a transformação no modo de vida de cada pessoa, aos poucos, em direção a um ambiente mais saudável. “A criatividade, que é a nova economia, não depende de horas de trabalho, mas das condições de trabalho. No século XX, eu tinha um relógio e passava pra você, deixava de ter o relógio; agora, se eu tenho uma ideia, e lhe passo a ideia, eu continuo com ela. Saímos do modelo de pirâmides, e estamos vendo emergir o modelo de redes.”
Redes inteligentes são realidade em diversas áreas. Uma experiência interessante na área de energia foi apresentada pelo diretor do Instituto EDP (Energias de Portugal), Pedro Sirgado. Em Portugal, na cidade de Évora, donos de veículos elétricos podem carregar as baterias durante a noite a preço baixo e, se quiserem, revender a valores mais altos durante o dia. Um chip na tomada identifica a carga da bateria e pergunta se o condutor quer vender o excedente. O executivo explicou que a EDP oferece mais por essa energia para não pagar mais caro pela de origem termoelétrica – opção que também mitiga emissões de carbono.
É a dinâmica que emerge de um modelo compartilhado que estimula esse tipo de solução inovadora. “Mas as regras do jogo continuam no passado, é preciso preparar as estruturas da sociedade para a vida em um mundo os o ser é mais importante do que o ter ” – advertiu o Ladislau Dowbor. No caminho desse deslocamento está a pedra filosofal do nosso tempo, gerada pelas siamesas Inovação & Sustentabilidade.
* Colaborou Dal Marcondes.
** Publicado originalmente na edição 823 de Carta Capital.