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Crianças de Alepo têm aula em escolas subterrâneas

Meninas e meninos da cidade síria de Alepo são obrigados a frequentar escolas subterrâneas, em outubro de 2014. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Meninas e meninos da cidade síria de Alepo são obrigados a frequentar escolas subterrâneas, em outubro de 2014. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

 

Alepo, Síria, 10/11/2014 – O inverno ainda não chegou a esta cidade do noroeste da Síria, quase totalmente sitiada, mas meninos e meninas já vão às aulas com casacos grossos e gorros para se proteger do frio. As salas de aula, subterrâneas, úmidas e frias estão menos expostas às bombas e aos ataques aéreos do governo do presidente Bashar al Assad. Algumas crianças parecem atemorizadas, mas muitas sorriem e chegam a gargalhar, sentadas nos bancos de madeira das lotadas salas frias.

No caminho para uma escola subterrânea que a IPS visitou no final de outubro, meninas e meninos atravessam centros comerciais com suas fachadas destruídas pelos ataques aéreos e com o que resta dos cartazes publicitários do que já foram lojas de roupas, cabeleireiros ou outros negócios, nas quais agora se pode ver pintado em negro o nome do grupo extremista Estado Islâmico (EI), que controlou a área brevemente, antes de ser expulso pelos rebeldes sírios. A organização jihadista ainda tenta ganhar terreno: a frente de luta mais próxima fica em Marea, a 30 quilômetros das áreas controladas pela oposição a leste de Alepo.

As crianças não têm opção que não seja testemunhar a destruição deixada pelo regime de Damasco, que tenta impor um cerco total às zonas controladas pela oposição, e para isso só precisa avançar uns poucos quilômetros de terreno. Apesar do medo, dois meninos, na frente da sala, balançam abraçados e cantam alvoroçados. Algumas das paredes foram pintadas de azul celeste ou enfeitadas com decorações alegres para “levantar o ânimo das crianças”, disse uma professora. Também foram pendurados alguns pôsteres de quadrinhos em um dos corredores.

As aulas começam às nove horas e terminam à uma da tarde, contou à IPS uma das instrutoras, Zakra, que cursava o quinto ano de engenharia. Para ensinar matemática, inglês e ciências, Zakra recebe US$ 50 por mês. Não há homens no quadro docente e as 15 professoras usam vestimenta negra que cobre todo o corpo. Algumas mantêm o rosto coberto, mas não todas. A IPS não pôde fotografar porque algumas ainda têm familiares nas zonas controladas pelo exército de Damasco.

“A escola abriu no ano passado, mas deixou de funcionar entre outubro de 2013 e julho de 2014 porque estava muito perigoso continuar com as atividades em meio aos bombardeios, mesmo sendo subterrânea”, afirmou Zakra. A jovem professora disse que pensa ir embora do país para continuar estudando na Turquia, mas ainda não sabe quando, principalmente por questões econômicas.

Os alunos mais velhos ficam à deriva e têm de estudar por conta própria porque a escola que a IPS visitou e outras semelhantes atendem apenas meninos e meninas de seis a 13 anos. O diretor do departamento de Educação da municipalidade de Alepo, Mahmoud Al-Qudsi, informou à IPS que funcionavam 115 escolas na área, mas a maioria era em apartamentos em planta baixa, sótãos e outras instalações. Só restam 20 escolas originais, das 750 existentes antes da guerra civil.

As forças de Damasco atacaram instalações educacionais e da saúde nas zonas controladas pela oposição durante todo o conflito, por isso os esforços se concentram em manter suas localizações em segredo.

Os adolescentes que preparam seu “baccalaureat”, diploma de educação secundária, estudam em suas casas, afirmou Al-Qudsi. Depois vão a determinados centros nas datas marcadas, em geral no final de junho e começo de julho, para prestarem os exames. Por meio do canal de televisão Alepo Today, que transmite a partir de Gaziantep, e de avisos de rua, são informados os locais e o horário das provas. Turquia, Líbia e França reconhecem os exames do “baccalaureat”, disse. Mas “as universidades francesas só aceitaram cinco alunos nossos no ano passado”, acrescentou.

Dois meninos cantam abraçados em uma escola subterrânea da cidade síria de Alepo, em outubro de 2014. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Dois meninos cantam abraçados em uma escola subterrânea da cidade síria de Alepo, em outubro de 2014. Foto: Shelly Kittleson/IPS

Os programas continuam os mesmos aprovados pelo regime de Al Assad, mas foram retiradas partes consideradas mais “nacionalistas” e que elogiam a família governante, e nas aulas de religião agora se ensina que “é um dever religioso combater o regime” de Damasco. “Também queremos mudar os programas, mas agora não podemos. Queremos um que seja escolhido e concebido por todos os sírios, mas agora não podemos, devido à situação”, destacou Al-Qudsi. “Obviamente, não temos dinheiro para imprimir novos livros”, reconheceu.

A maioria dos salários de docentes é paga graças a várias organizações internacionais e associações privadas, porque a municipalidade não tem fundos. Al-Qudsi pontuou que até os pais mais fundamentalistas não interferem com a educação. “Estamos todos juntos nisto. Seus filhos também estudam em nossas escolas”, destacou.

Os bombardeios cessaram totalmente por uns dias, no começo do outono boreal, porque os rebeldes se aproximaram das fábricas onde o regime arma bombas rudimentares de ferro-velho e explosivos. Mas os ataques recomeçaram quando as forças de Damasco avançaram. Ao chegar ao alvo de um desses ataques a IPS viu como as forças de defesa civil retiravam um corpo dos escombros, antes de se apressarem com suas lanternas a outras partes do prédio derrubado, onde três meninos ficaram sob os escombros. Os três estavam mortos.