Arquivo

Mulheres assediadas pelo extremismo e pelo militarismo

Mulher e bebê no acampamento de refugiados de Zaatari, onde vivem dezenas de milhares de pessoas, que fugiram do conflito na Síria, perto de Mafraq, na Jordânia. Foto: Mark Garten/UN Photo
Mulher e bebê no acampamento de refugiados de Zaatari, onde vivem dezenas de milhares de pessoas, que fugiram do conflito na Síria, perto de Mafraq, na Jordânia. Foto: Mark Garten/UN Photo

 

Nações Unidas, 11/11/2014 – Os atuais conflitos militares que afetam o Oriente Médio, especialmente Iraque, Síria e Palestina, deixaram várias vítimas civis, em particular nos setores mais vulneráveis: mulheres, meninas e meninos. A guerra civil na Síria, que caminha para seu quarto ano, é o conflito que deixou maior número de vítimas, seguido do devastador ataque de Israel contra o território palestino de Gaza que durou 50 dias e terminou em agosto.

O Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitora o campo de batalha, estima que morreram mais de seis mil mulheres e mais de 9.400 crianças até o final de agosto. Porém, o total de vítimas fatais desde o começo da guerra, em março de 2011, passa de 190 mil. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou “atroz” o número de mortes em Gaza, que passou de 2.200 mortos, entre eles 459 crianças e 239 mulheres, números totalmente desproporcionais quando comparados com os 64 soldados israelenses, dois civis e um cidadão estrangeiro que perderam a vida na operação Margem Protetora.

Nesse contexto, a Rede Internacional de Ação da Sociedade Civil (Ican) realiza uma conferência de cinco dias na Turquia, que termina hoje, que se concentrou em dois dos maiores desafios que enfrentam as mulheres, especialmente no Oriente Médio: o extremismo e o militarismo. “Este ano que passou, essas mulheres enfrentaram desafios inconcebíveis, desde violência por motivos políticos e religiosos, passando por graves dificuldades econômicas, até o fechamento de espaços públicos”, afirmou a Ican.

Entre os participantes do encontro há mais de 50 mulheres ativistas de 14 países do Oriente Médio, do Norte da África e Ásia meridional, incluindo Egito, Irã, Iraque, Palestina, Tajiquistão, Líbia e Iêmen. Ao destacar a importância da reunião, Sanam Anderlini, uma das fundadoras da Ican, disse à IPS que é a primeira vez que mulheres da região se encontram para falar de suas experiências desde que no Oriente Médio ocorreram três acontecimentos significativos: o surgimento do Estado Islâmico (EI), o bombardeio de Israel contra Gaza e as eleições na Tunísia.

O mais importante, acrescentou Anderlini, é que o encontro se concentra nas estratégias e perspectivas das mulheres em relação à crise atual, bem como nas soluções para os problemas da propagação do extremismo e do militarismo estatal. A Ican divulgou um comunicado no dia 5, apontando que as mulheres continuam excluídas dos espaços internacionais de decisão e da mídia, apesar das disposições da histórica resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU sobre mulheres, paz e segurança.

Entretanto, a baixa representação das mulheres (três dos 14 integrantes) em um novo painel de especialistas das Nações Unidas sobre operações de manutenção da paz gerou duras críticas. Stephen Lewis, ex-subdiretor executivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), se queixou da marginalização das mulheres em um painel tão importante, que será presidido pelo ex-presidente de Timor Leste, José Ramos Horta.

Em carta dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, os diretores da Aids-Free World, o próprio Lewis e Paula Donovan, escreveram: “É necessário reverter essa tendência. A igualdade de gênero que você diz defender só poderá ser alcançada com a designação de mais oito mulheres no painel”.

“Se um painel dessa dimensão lhe parece complexo, então algumas das pessoas que designou devem ceder seus assentos para mulheres qualificadas para poder conseguir um equilíbrio. Se deixar as coisas como estão, esse painel será uma testemunha da enorme hipocrisia sem salvação entre as ações e a retórica da ONU”, criticaram os signatários.

A um pedido de comentário a respeito, o porta-voz da ONU, Farhan Haq, declarou que acredita “que esse é um dos momentos em que não resta outra coisa a não ser expressar nossas mais sinceras desculpas”. “Nos esforçamos ao máximo para conseguir a igualdade de gênero e o equilíbrio regional nesses grandes painéis e às vezes é uma questão de disponibilidade. Mas quando cometemos um erro, têm toda razão, é um número muito baixo, teremos que melhorar”, acrescentou.

No dia 31 de outubro, foi comemorado ao 14º aniversário da resolução 1325, que destaca a importância de uma participação igualitária das mulheres e sua implicação nos esforços de manutenção e promoção da paz e da segurança. Também é urgente, antes de mais nada, aumentar a representação feminina em todos os níveis de decisão em instituições nacionais, regionais e internacionais, e nos mecanismos de prevenção, manejo e resolução de conflitos.

Consultada sobre se a resolução 1325 tem algum impacto na segurança das mulheres em zonas de guerra, Anderlini pontuou à IPS que a situação varia de um país para outro. No Sudão do Sul, por exemplo, a organização não governamental Peace Force capacitou vários grupos femininos para distribuí-los por todo o país. Nas Filipinas, prosseguiu, as mulheres cobraram e criaram um grupo civil exclusivamente feminino de monitoramento do cessar-fogo. “Fazem diferença porque prestam atenção à segurança dos civis, assegurando que as pessoas tenham um corredor humanitário seguro”, acrescentou.

Anderlini apontou também que, em geral, a ONU e os Estados membros não fazem tudo o que poderiam fazer. Por exemplo, a Índia enviou uma unidade feminina para a manutenção da paz na Libéria. Outros países poderiam fazer algo semelhante, ressaltou. “Sem dúvida, ajudaria a reduzir o risco ou a incidência de abusos sexuais de mulheres locais por parte do pessoal de manutenção da paz”, acrescentou. Envolverde/IPS