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Projeto de lei antiterrorista em Camarões afeta direitos civis

Armas e explosivos confiscados do Boko Haram na cidade de Kano. Foto: Mustapha Muhammad/IPS
Armas e explosivos confiscados do Boko Haram na cidade de Kano. Foto: Mustapha Muhammad/IPS

Iaundé, Camarões, 10/12/2014 – Os deputados de Camarões aprovaram um projeto de lei que propõe a pena de morte para as pessoas julgadas culpadas de cometer, incitar ou patrocinar atos terroristas. A lei, agora no Senado, castigará os cidadãos, seja individualmente ou como cúmplices de assassinato.

O projeto de lei, aprovado no dia 4 pela Assembleia Nacional, também prevê a pena máxima para quem realizar “qualquer atividade que possa desencadear uma revolta geral da população ou perturbar o normal funcionamento do país”, bem como para “qualquer um que fornecer armas, equipamentos de combate, bactérias ou vírus com o propósito de assassinar uma pessoa”.

O mesmo vale para os culpados de sequestro com fins terroristas, bem como “qualquer um que direta ou indiretamente financiar atos de terrorismo e para quem recrutar cidadãos com a finalidade de cometer atentados terroristas”. A lei também castiga as pessoas e as companhias julgadas culpadas de promover o terrorismo, bem como as que oferecem falsos testemunhos às autoridades administrativas e judiciais em matéria de terrorismo, com multa e penas de prisão.

O projeto de lei gerou uma onda de críticas de todo o espectro político, desde dirigentes da oposição até a sociedade civil, pastores e sindicalistas. “Essa lei tem o objetivo de atemorizar a população e liquidar as liberdades”, afirmou à IPS o líder oposicionista John Fru Ndi.

Kah Wallah, a única mulher a encabeçar uma agrupação política no país, o Partido do Povo de Camarões, disse que “o governo nos leva de volta aos piores dias da ditadura mais bárbara. Essa lei claramente atenta contra as liberdades fundamentais e os direitos do povo camaronês. Disfarçada de luta contra o terrorismo, o verdadeiro propósito do governo é sufocar a oposição”.

Segundo o ex-ministro Maurice Kamto, que renunciou para criar o Movimento para o Renascimento de Camarões, o presidente Paul Biya, no governo há 32 anos, teme um levante popular que possa colocar em perigo sua continuação no poder. “Sem dúvida, o presidente aprendeu as lições de Burkina Faso. Um levante semelhante aqui varreria sua falida presidência para debaixo do tapete”, apontou.

Submetido a uma pressão maior, o presidente de Burkina Faso, Blaise Compaoré, foi obrigado a renunciar no dia 31 de outubro após 27 anos de governo.

Vários líderes políticos de oposição e representantes da sociedade civil prometeram lutar contra a lei. “Os camaroneses devem resistir e dizer não a essa outra manobra. Vamos combater esta última lei por todos os meios”, destacou Ndi.

Jean Mark Bikok, presidente do Sindicato de Funcionários Públicos, já tem uma ideia de como proceder. A lei “é uma verdadeira declaração de guerra contra o povo”, declarou Bikok no dia 3 em um comunicado. “A lei antiterrorista desatou a ira da sociedade civil e protestaremos até 10 de dezembro”, quando é comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Mas o governo disse que não vacilará na luta contra o terrorismo. O ministro da Justiça, Laurent Esso, afirmou aos legisladores que “Camarões nunca será cúmplice de quem tem como única agenda instalar o caos e desestabilizar o funcionamento normal do Estado”. No norte de Camarões, o exército enfrenta insurgentes da organização islâmica Boko Haram. No dia 17 de maio, o presidente Biya, junto com outros governantes da região e o presidente da França, François Hollande, declararam guerra ao grupo nigeriano.

Desde então, esse país enviou milhares de soldados para a região Extremo Norte e prevê enviar mais. O ministro da Defesa, Edgar Alain Mebe Ngo’o, e o delegado-geral para segurança nacional, Martin Mbarga Nguele, anunciou que serão recrutados mais cerca de 20 mil efetivos nos próximos anos para reforçar a luta contra o Boko Haram.

Entretanto, na medida em que piora a segurança interna, as autoridades camaronesas avaliam os custos, não só em termos de perda de vidas humanas, mas também de impacto sobre a economia. Em uma sessão plenária do parlamento, no dia 27 de novembro, Ngo’o disse que, desde o começo da crise, há oito meses, o país perdeu cerca de 40 soldados, mas matou aproximadamente mil combatentes do Boko Haram. “Nossas forças de defesa foram simplesmente formidáveis”, elogiou.

Mas os custos econômicos da guerra são pesados. Segundo o ministro de Economia, Planejamento e Desenvolvimento Regional, Emmanuel Nganou Djoumessi, “os setores mais afetados são turismo, transporte, comércio, agricultura e pecuária”. E acrescentou que “quase todas as empresas turísticas fecharam, o número de visitantes em locais como o Parque Nacional de Waza e as Montanhas Rhumsiki caiu drasticamente, e a ocupação hoteleira despencou de 50%, antes da crise, para apenas 10% atualmente”.

Além disso, houve uma drástica redução na renda aduaneira. As autoridades não terminaram de analisar as perdas, mas estimam que são astronômicas. “Havia uma aduana fronteiriça na região Extremo Norte, que costumava nos dar cerca de 700 milhões de francos CFA (US$ 1,4 milhão), mas foi fechada. Dá para imaginar o que o Estado perde anualmente com renda de aduana? É enorme”, destacou a diretora-geral de Aduana, Lissette Libom-Li-Likeng.

O porta-voz do governo e ministro das Comunicações, Issa Tchiroma Bakary, declarou à imprensa em Iaundé que devido às perdas humanas, econômicas e psicológicas que o país sofre em razão do Boko Haram, é necessária uma legislação que freie esse grupo insurgente. Envolverde/IPS