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O analfabetismo tem rosto de mulher em El Salvador

Maximina Velasco repassa em sua casa uma lição de leitura e escrita, dentro do programa de alfabetização que converteu o povoado de Tapalhuaca, em El Salvador, em um município livre do analfabetismo, porque 97% de seus quatro mil habitantes já sabem ler e escrever. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Maximina Velasco repassa em sua casa uma lição de leitura e escrita, dentro do programa de alfabetização que converteu o povoado de Tapalhuaca, em El Salvador, em um município livre do analfabetismo, porque 97% de seus quatro mil habitantes já sabem ler e escrever. Foto: Edgardo Ayala/IPS

 

Tapalhuaca, El Salvador, 6/1/2015 – Aos 74 anos, Carmen López é um exemplo de que nunca é tarde para aprender. Ela é uma das 412 pessoas alfabetizadas neste município de El Salvador e não cabe em si de contente pelo que conseguiu. “Ficava triste por não escrever uma carta ou um recibo, mas agora estou feliz porque já posso fazer isso”, disse à IPS esta mulher, durante o ato oficial em que autoridades do Ministério da Educação declararam Tapalhuaca, de quatro mil habitantes, município livre do analfabetismo.

Essa declaração é concedida quando 96% dos habitantes de uma localidade aprenderam a ler e escrever. No caso deste município, no departamento de La Paz, 97% da população o conseguiu.

Como López, Maximina Velasco, de 61 anos, sente que derrubou o muro da ignorância quando decidiu se matricular nos cursos de alfabetização. “Quando era menina, fui à escola, mas não terminei o primeiro grau porque um professor me batia”, recordou, enquanto, lápis na mão, escrevia aplicadamente vogais e consoantes, durante uma das aulas que recebe em casa, dentro de um sistema onde os cursos misturam aprendizado em grupo e individual.

Velasco teve que reduzir o tempo para aprendizagem porque precisava começar a preparar o almoço de sua família, um aspecto que afeta muitas mulheres adultas que participam do programa.

A alfabetizadora Yanci Cubías, de 16 anos, é uma dos 130 voluntários que ensinam neste povoado, que vive principalmente da agricultura. Ela dedica duas horas diárias, dez na semana, para ajudar na alfabetização de adultos. “No começo foi difícil ganhar a confiança dos que seriam alfabetizados, mas com o tempo tudo correu bem e se converteu em uma experiência inesquecível”, afirmou.

O analfabetismo se enraizou neste país de 6,2 milhões de habitantes devido a muitas décadas de injustiças sociais que privaram de educação a maioria da população, sobretudo no campo, onde trabalhavam como peões em fazendas de café e algodão da oligarquia que despontou no século 19.

“É uma dívida histórica. Há muito tempo uma parte da população tem estado marginalizada do ensino”, apontou à IPS a ativista Maydé Recinos, da Fundação Salvadorenha para a Promoção Social e o Desenvolvimento Econômico (Funsalprodese). Essa organização é uma das que formam o capítulo salvadorenho do Conselho de Educação Popular da América Latina e do Caribe.

Tanto López quanto Velasco, que se dedicam a atender suas famílias e ajudar seus maridos em algumas tarefas do campo, conseguiram superar um obstáculo que continua sendo uma pesada carga para muitas mulheres do país: durante décadas o analfabetismo atingiu mais a população feminina, devido ao machismo reinante.

O Programa Nacional de Alfabetização do governo salvadorenho encerrou 2014 com 200 mil pessoas alfabetizadas no país desde 2009. Graças a isso, o índice de analfabetismo em maiores de dez anos caiu de 17,9% em 2009 para 11,8%, segundo a Pesquisa de Famílias de Propósitos Múltiplos de 2013. Dessa porcentagem geral de pessoas analfabetas, 7,3% são mulheres e 4,5% homens. Na área rural, em particular, o índice de analfabetismo sobe para 18,9%, dos quais 11% correspondem às mulheres e 7,9% aos homens.

A disparidade de gênero “ocorre pela cultura machista. Os papais diziam: ‘os homens estudam e as mulheres cuidam das tarefas da casa’”, afirmou à IPS a chefe do Departamento de Alfabetização do Ministério da Educação, Angélica Paniagua.

López recordou como, quando criança, seus pais a matricularam na escola, mas faltava frequentemente porque a obrigavam a ajudar nos afazeres domésticos. “Gostava da escola, mas me deixavam sozinha em casa para as tarefas e por isso perdia muitas aulas, e no final me tiraram da escola”, contou.

Esse padrão vai melhorar na medida em que o Estado apostar mais na educação no país, sobretudo aumentando a cobertura da escola primária, e que os meninos e meninas não tenham acesso apenas a ela, mas que a terminem, pontuou Mirna Lemus, da Associação Intersetorial para o Desenvolvimento Econômico e o Progresso Social (Cidep).

Em seu terceiro e último informe sobre o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o governo reportou, no começo de 2014, que a cobertura da educação primária passou de 86% em 2000, para 93,1% em 2012, aumento de 7%. Mas a deserção escolar, especialmente na área rural, continua sendo maior entre as meninas do que entre os meninos, segundo a última pesquisa de famílias.

A redução do analfabetismo é considerada significativa, mas ainda é insuficiente para alcançar em mais um ano as metas educacionais dos ODM. O segundo ODM  estabelece a educação primária universal e fixa como metas específicas a cobertura universal desse nível de ensino, finalização do sexto grau e eliminação do analfabetismo entre a população de 15 a 24 anos.

“Ainda nos falta atingir as metas, mas com os esforços que estamos fazendo consideramos que o país vai avançar mais nos próximos cinco anos”, declarou Paniagua. As autoridades educacionais projetam declarar El Salvador livre de analfabetismo em 2019, quando terminar o governo de Salvador Sánchez Cerén, ex-comandante guerrilheiro e antigo professor que assumiu a Presidência em junho de 2014. Essa declaração será feita quando 96% de todos os salvadorenhos estiverem alfabetizados.

Organizações civis dizem que baixar seis pontos percentuais no analfabetismo é êxito importante, mas é preciso maior empuxo, principalmente financeiro. As porta-vozes do Cidep e da Funsalprodese disseram que o gasto social dedicado à educação deve chegar a 7% do produto interno bruto, enquanto atualmente está parado em 3,3%, em parte pela limitação financeira do Estado, segundo especialistas consultados. “Ainda é insuficiente para cobrir as grandes necessidades que imperam no país em matéria de educação”, afirmou Recinos.

Por sua vez, Maximina Velasco reiterou à IPS, com um grande sorriso no rosto, que tem a firme convicção de manter viva a chama da leitura e da escrita, para nunca mais regressar ao analfabetismo que a manteve cega para as letras durante quase toda sua vida. Envolverde/IPS