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Refugiados afegãos já não são tão bem-vindos no Paquistão

A maioria dos cerca de três milhões de refugiados afegãos no Paquistão cruzou a fronteira em 1979, durante a invasão soviética de seu país. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
A maioria dos cerca de três milhões de refugiados afegãos no Paquistão cruzou a fronteira em 1979, durante a invasão soviética de seu país. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 13/1/2015 – No Paquistão vivem entre dois milhões e três milhões de refugiados afegãos. Alguns chegaram há poucos meses e se alojam em abrigos improvisados, mas outros estão instalados há décadas. A maioria fugiu da guerra e outros simplesmente da falta de trabalho. Agora enfrentam uma situação difícil, a de ficarem presos na rede que pretende expulsar os residentes “ilegais” deste país do sul da Ásia, de 188 milhões de habitantes.

Segundo dados oficiais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 1,6 milhão de afegãos residem legalmente no Paquistão e são titulares de prova do registro (POR) que essa agência concede. Acredita-se que muitos vivem ilegalmente no país, sobretudo na faixa norte e tribal que faz limite com o Afeganistão. A maioria chegou durante a invasão soviética ao seu país, em 1979. A guerra levou os afegãos a cruzarem a fronteira montanhosa que se estende por cerca de 2.700 quilômetros entre os dois países.

As Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) e Jyber Pajtunjwa (JP), que então se conhecia como província da Fronteira do Noroeste, ofereciam uma boa integração à sociedade local, já que a língua comum, o pashto, reduzia a brecha entre os afegãos de etnia pashtun e a população paquistanesa, majoritariamente panyabi.

Mas, o que começou como calorosas boas-vindas esfriou com o passar das décadas, e agora muitos atribuem aos afegãos grande parte da criminalidade, do desemprego e dos atos extremistas na região.

No dia 16 de dezembro, um atentado terrorista contra uma escola em Peshawar, capital de JP, matou 148 pessoas, das quais 132 eram crianças, e lançou mais lenha no aceso debate sobre a situação dos refugiados afegãos, acusados de engrossar as fileiras dos talibãs paquistaneses e outros grupos armados que operam impunemente nas zonas tribais.

Três dias depois do massacre, 19 de dezembro, o ministro-chefe de JP, Pervez Khattak, convocou uma reunião de emergência do gabinete para exigir a retirada imediata de todos os refugiados afegãos, afirmando que o ataque contra a escola fora planejado no Afeganistão. Essa exigência é cada vez mais forte no norte do Paquistão, onde o terrorismo fez mais de 50 mil mortes desde 2001, quando a ocupação norte-americana do Afeganistão causou uma segunda onda de imigração para este país.

Um debate nacional levou à decisão de que os residentes afegãos legais poderão permanecer no Paquistão até o final de 2015, quando serão repatriados de forma segura. Em uma entrevista à IPS, no dia 22 de dezembro, o ministro federal de Estados e Regiões Fronteiriças, Abdul Qadir Baloch, afirmou categoricamente que os refugiados legais permanecerão até o final deste ano, segundo o acordo do governo com o Acnur.

Os afegãos são proprietários de dez mil das 20 mil lojas de Peshawar, e também de diversos negócios informais. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Os afegãos são proprietários de dez mil das 20 mil lojas de Peshawar, e também de diversos negócios informais. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

“Nunca que se falou que os refugiados afegãos registrados estivessem envolvidos em incidentes relacionados com o terrorismo no país e não serão repatriados contra sua vontade”, declarou Baloch. Porém, cansadas de esperar, as autoridades locais tomaram as leis em suas próprias mãos e começaram uma importante ofensiva contra os refugiados afegãos.

“Cerca de 80% dos crimes em JP são cometidos pelos afegãos”, afirmou o ministro de Informação de JP, Mushtaq Ghani. “Estão envolvidos em assassinatos e sequestros para extorsão, mas desaparecem depois de cometerem esses crimes e não podemos rastreá-los”, detalhou à IPS. “Por isso, exigimos que os que tenham POR sejam internados em acampamentos e os que não o têm que sejam enviados para casa”, acrescentou o funcionário, cuja província abriga aproximadamente um milhão de afegãos.

O agente policial Khalid Khan informou que todos os dias são detidas cerca de cem pessoas. “São buscadas em todas as casas”, disse à IPS, acrescentando que inclusive se investiga as “localidades ricas” em busca de possíveis residentes ilegais.

Mas aos afegãos não são atribuídos apenas o terrorismo e a criminalidade. Também se assegura que as empresas ilegais estabelecidas pelos refugiados acabaram com os negócios locais. Segundo Ghulam Nabi, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústrias de JP, os afegãos são proprietários de dez mil das 20 mil lojas em Peshawar. Mas, como não são residentes registrados, não estão sujeitos aos mesmos impostos pagos pelos paquistaneses.

Nabi e sua organização “exortaram” o governo a enviar os afegãos de volta para que os residentes locais possam continuar trabalhando. Também afirmaram que a demanda por moradia pelos refugiados elevou os aluguéis a preços inacessíveis. Além dos afegãos, JP também abriga milhares de paquistaneses que fugiram de outras províncias. Os mais recentes chegaram após a ofensiva militar contra as forças insurgentes no distrito de Waziristão do Norte.

Abdullah Khan, professor da Universidade de Peshawar, informou à IPS que dois milhões de paquistaneses refugiados vivem atualmente em JP, muitos deles em “cidades-barracas” improvisadas no distrito de Bannu. E pontuou que o gradual retorno do Afeganistão à democracia preparou o caminho para a repatriação dos refugiados. Ele também não vê motivo para o Paquistão continuar acolhendo uma população estrangeira tão grande.

Essa opinião é compartilhada por Imran Khan, líder do Movimento pela Justiça Paquistanesa, o partido no poder em JP. “O governo emite por dia 500 vistos paquistaneses para os afegãos na fronteira de Torkham”, uma passagem importante que liga a província afegã de Nangarhar com as Fata, “mas estima-se que entre 15 mil e 20 mil pessoas cruzem a fronteira diariamente”, afirmou no mês passado. “O movimento ilegal ocorre porque não temos um sistema de acompanhamento dessas pessoas e de suas atividades aqui”, acrescentou.

Na tentativa de ratificar as deficiências do sistema, a polícia de JP começou a bloquear os telefones celulares dos afegãos e a regular os movimentos dos refugiados que violam as condições de seus vistos. Os residentes afegãos afirmam que as acusações são infundadas, e os que vivem no Paquistão há décadas consideram esse país seu lar. Outros temem o retorno ao Afeganistão.

Gul Jamal, um ancião afegão, disse à IPS que embora sua família queira voltar, a situação em seu país “é muito precária. Não há centros educativos nem de saúde, nem eletricidade”, acrescentndo que as oportunidades de trabalho também são escassas no Afeganistão. Ele espera que o governo do Paquistão se “apiede” de seus compatriotas. “A repatriação forçada nos exporá a muitos problemas”, afirmou.

Mas o ministro Baloch assegurou que “o governo protegerá os afegãos legais contra a repatriação forçada”. Envolverde/IPS