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Mulheres da tribo lambada lutam contra o tráfico infantil na Índia

As mulheres lambada, que nunca foram à escola, se esforçam para que suas filhas estudem. Quando uma menina se ausenta da escola por muito tempo, soa o alarme diante da possibilidade de trabalho ou tráfico infantil. Foto: Stella Paul/IPS
As mulheres lambada, que nunca foram à escola, se esforçam para que suas filhas estudem. Quando uma menina se ausenta da escola por muito tempo, soa o alarme diante da possibilidade de trabalho ou tráfico infantil. Foto: Stella Paul/IPS

 

Chandampet, Índia, 28/1/2015 – Aos 11 anos, Banawat Gangotri já tem quatro de experiência como trabalhadora agrícola. A menina, integrante da comunidade nômade dos lambada, do povoado de Bugga Thanda, no sul da Índia, colhia algodão e pimentas, das nove horas da manhã até as cinco da tarde, em troca de aproximadamente um dólar por dia. A cada dia seu pai pegava o dinheiro e gastava com bebidas alcoólicas.

Mas, em meados deste mês, esse ciclo foi quebrado. Horas antes de seu pai levá-la a Guntur, distrito produtor de pimentas, a 168 quilômetros de distância, Gangotri foi resgatada e levada a uma escola internato na vizinha localidade de Devarakonda, onde agora cursa a quarta série.

Uma organização sem fins lucrativos, o Centro de Recursos Gramya para a Mulher, dirige a escola. Também mobiliza o povo lambada contra o tráfico de crianças, o abuso infantil e o infanticídio, práticas frequentes na comunidade do Estado de Telangana. A escola tem 65 crianças como Gangotri, resgatadas do trabalho infantil ou dos traficantes. “Gosto da escola. Quando crescer quero ser professora”, disse a menina à IPS.

O povoado de Gangotri é um dos apenas 40 em toda Índia a contar com um Comitê de Proteção Infantil, cujos 12 integrantes trabalham para prevenir o tráfico e o trabalho infantil escravo ou forçado. O Comitê, capacitado pelo Gramya nos direitos das crianças e das mulheres, vigia atentamente as meninas em idade escolar do lugar. Se uma delas deixa de ir à aula por duas semanas, soa o alarme: em geral, uma longa ausência significa que a menina foi destinada ao trabalho ou ao casamento.

Porém, a vigilância não consegue salvar todas. No mesmo dia do resgate de Gangotri, Banawat Nirosha, uma menina de 12 anos, desapareceu da aldeia de Mausanngadda. Seus pais, camponeses sem terra, a levaram com eles para trabalhar como colhedores de pimenta em Guntur. É provável que os pais voltem quando terminar a colheita em março, mas existe a possibilidade de acertarem o casamento por conveniência de sua filha em Guntur, segundo disseram à IPS vários aldeões.

Esses casos são comuns, mas o Comitê garante que as coisas melhoraram muito na aldeia, onde o infanticídio feminino e o tráfico de meninas eram generalizados há apenas 20 anos. Em março de 1999, após o resgate de 57 meninas lambada de uma rede de tráfico em Hyderabad, capital de Telangana, investigações policiais revelaram que, entre 1991 e 2000, cerca de 400 bebês da região foram vendidos e comprados em adoção, mas os ativistas temem que muitos tenham terminado como mão de obra escrava ou no comércio sexual da Índia.

Calcula-se que neste país três milhões de meninas “desaparecem” a cada ano devido aos abortos seletivos e ao infanticídio, e as meninas lambada correm um duplo risco. A fundadora do Gramya, em 1997, e ativista social de Hyderabad, Rukmini Rao, recorda alguns dos horrores que viu em seu trabalho, como ter impedido que uma família, que já lutava para manter quatro filhas, matasse duas gêmeas recém-nascidas em um povoado de Telangana.

Um estudo que Rao realizou concluiu que na localidade havia 835 meninas para cada mil meninos. Atualmente, graças à sensibilização e à vigilância da comunidade, essa proporção subiu para 983 para mil, bem acima da média nacional de 941 para mil. Entretanto, resta muito por fazer. Neste país, onde 50% da população tribal vive na pobreza, com menos de um dólar por dia, evitar que as famílias lambada matem ou vendam suas filhas é uma batalha morro acima.

Suma Latha, uma coordenadora do Gramya, com 14 anos de experiência na formação de mulheres lambada como ativistas pelos direitos da infância, contou à IPS que as grávidas costumam viajar para Hyderabad, onde vendem seus bebês recém-nascidos por alguns poucos milhares de rúpias, e de volta ao povoado dizem que a criança morreu ao nascer. “A venda é sempre contra a vontade da mãe, acertada pelo pai ou pela sogra”, explicou. Quando Gangotri foi resgatada, seu pai havia oferecido “dar” a menina por 15 mil rúpias, ou cerca de US$ 250.

De pele clara e olhos castanhos, as crianças lambada são muito solicitadas por casais sem filhos, em sua maioria procedentes das cidades, que estão dispostos a pagar generosamente por um bebê. Alguns acabam em casas de família, mas outros quase certamente caem em mãos de criminosos com fins sexuais.

“Os intermediários que compram os bebês se movem por dinheiro, não pela moral”, afirmou Lynette Dumble, uma médica australiana que estuda o infanticídio feminino na Índia há mais de 20 anos. “Assim, se os criminosos oferecem mais, as meninas acabam sendo vendidas”, acrescentou.

Os dados coletados por numerosas organizações revelam que Hyderabad, a cidade mais próxima dos povoados lambada, é um centro crescente de tráfico sexual. Em 2013, a polícia deteve 778 criminosos que se dedicavam a traficar pessoas e resgatou 558 vítimas, incluídas menores de idade, disse B. Prasada Rao, diretor da polícia do Estado de Andhra Pradesh, na fronteira com Telangana.

Embora isso represente apenas uma pequena parte do tráfico sexual infantil, estimado em cerca de US$ 43 bilhões em todo o país, a situação preocupa muito os ativistas da região. As mulheres lambada acreditam que a solução está na educação, e exortam as famílias a aproveitarem o sistema escolar público e os subsídios estatais para aumentar o número de meninas matriculadas nas zonas rurais.

Entretanto, igualmente importante, segundo os investigadores, é dar alternativas às comunidades marginalizadas. Dados oficiais indicam que 90% da população tribal da Índia não tem terras. No distrito de Nalgonda, onde a família de Gangotri mal subsiste, 87% da população tribal não é dona da terra. Se a terra não produz o suficiente para a subsistência, as famílias, inevitavelmente, buscarão sustento em outra parte.

“Se não há nada para comer e não temos terra para plantar alimentos, quais opções temos a não ser enviar nossos filhos para ganharem o pão?”, questionou Khetawat Jamku, uma mulher lambada de 50 anos. Envolverde/IPS