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Três males que afetam milhões de refugiados no Paquistão

Refugiados retiram sua parte mensal de ajuda alimentar no norte do Paquistão. Foto Ashfaq Yusufzai/IPS
Refugiados retiram sua parte mensal de ajuda alimentar no norte do Paquistão. Foto Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 17/3/2015 – Um médico move a cabeça em sinal de frustração enquanto examina um menino de dez anos no campo de refugiados de Jalozai, a 35 quilômetros de Peshawar, capital da província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa (JP). O médico não pode fazer muito mais do que diagnosticar.

Neste campo de JP sobram os refugiados e escasseia a comida. Até que a situação mude, crianças como o pequeno Ahmed Ali continuarão sentindo as dores da fome e o medo diante de doenças que a debilidade de seu corpo não pode combater.

Ali chegou a Jalozai com sua família em 2014, quando houve a operação Jiber-1, uma ofensiva militar dirigida pelo governo em sua natal JP, parte das Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata). A violência obrigou milhares de pessoas a fugirem para salvar suas vidas neste país de aproximadamente 196 milhões de habitantes.

Junto com seus pais e irmãos, Ali pertence aos três milhões de refugiados internos no norte do Paquistão, forçados a abandonar suas cidades e povoados ao longo de uma década, primeiro por causa dos grupos armados extremistas que operam neste remoto cinturão tribal que limita a fronteira com o Afeganistão e, mais recentemente, pelas forças armadas paquistanesas, que realizam uma forte campanha contra os grupos radicais da área.

Uma das ofensivas, a Operação Zarb-e-Azab, começou em junho. Os militares concentraram seus ataques nos 11.585 quilômetros quadrados da agência do Waziristão do Norte, onde os extremistas operavam com impunidade desde que ingressaram procedentes do Afeganistão em 2001. Lançada em resposta a um letal atentado terrorista, em junho de 2014, contra o aeroporto internacional de Karachi, que matou 36 pessoas, a operação afetou em grande parte a população civil.

Calcula-se que 900 mil pessoas foram deslocadas em 2014 e que quase todas se refugiaram em Bannu, uma cidade da província de JP onde foram erguidas “cidades de barracas de campanha” para abrigar cerca de 90 mil famílias.

Cada nova onda de refugiados põe mais pressão no governo de JP para alimentar, cuidar da saúde e alojar milhares de cidadãos, enquanto simultaneamente deve atender cerca de 2,1 milhões de refugiados “permanentes” que fugiram das Fata desde que o movimento islâmico Talibã e outros grupos extremistas instalaram sua base de operações na região em 2001.

O porta-voz da Autoridade Provincial de Gestão de Desastres, Adil Khan, garante que cada família recebe uma cota mensal de 90 quilos de trigo, um quilo de folhas de chá, cinco de açúcar, dois de arroz e dois litros de óleo para aliviar a fome extrema. Mas a maioria das pessoas ouvidas pela IPS, em diferentes acampamentos da província, assegurou que isso não basta para as famílias formadas, em média, por um mínimo de dez pessoas.

Em Bannu, por exemplo, ainda há 454 mil refugiados, apesar dos esforços para reassentar as famílias ou reuni-las com parentes na região. Segundo o diretor-geral de saúde pública de JP, Pervez Kamal, mais de 15% dos refugiados estavam desnutridos em janeiro deste ano.

“Os alimentos que recebemos não são suficientes para alimentar minha família de dez pessoas”, afirmou Darwaish Gul, natural da agência de Bajuar e atual residente em um acampamento em Bannu. “Em casa éramos agricultores, cultivávamos nossos próprios alimentos. Sempre tivemos grãos, verduras e frutas suficientes. Agora temos pouca comida durante o dia e sempre vamos dormir com fome”, contou este refugiado de 60 anos.

O governo desmente essas afirmações e insiste que sua ajuda de emergência e as rações de alimentos são suficientes para alimentar todos nos campos. Mas um informe da Organização das Nações Unidas, divulgado em julho de 2014, afirma que 31% dos refugiados não receberam provisões de emergência nem produtos alimentícios, já que não têm de cartões nacionais de identidade eletrônicos.

Refugiados fazem fila para receber suas rações em um campo que os abriga na província de Jyber Pajtunjwa. Foto Ashfaq Yusufzai/IPS
Refugiados fazem fila para receber suas rações em um campo que os abriga na província de Jyber Pajtunjwa. Foto Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Somente entre os refugiados oriundos do Waziristão do Norte, mais de 15% não estavam habilitados a receber a ajuda. Essa porcentagem inclui famílias sem homens (7%), outras encabeçadas por meninos ou meninas (4%) e as lideradas por pessoas com deficiência ou idade avançada (5%).

A situação se agrava porque muitos dos refugiados caminharam vários quilômetros em um calor de 45 graus Celsius para chegar a Bannu. Dezenas de pessoas ficaram pelo caminho, e os que puderam chegar a salvo estavam gravemente desnutridos ou debilitados pela viagem. Milhares ainda não se recuperaram totalmente da terrível experiência. Têm necessidade de atenção especializada, mas só existem os serviços mais básicos para atender suas múltiplas necessidades.

Iqbal Afridi, representante nas Fata do Pakistan Tehreek-e-Insaf, um partido político de oposição, adverte que a situação é “extremamente precária”, com dezenas de famílias passando fome ou a ponto de passar por essa experiência.

Afridi dirige uma associação de pessoas afetadas e em novembro liderou o protesto de um grupo de refugiados que se mobilizou de Bara, município da agência de Jiber, até o Clube da Imprensa de Peshawar, para reclamar da falta de suprimentos médicos, insuficiência das rações de alimentos e péssimas instalações de água e saneamento, que facilitaram a propagação de doenças.

Muitos só querem que o governo acelere sua saída dos acampamentos para poderem voltar para suas casas. Quase todas as semanas, grupos de refugiados protestam em Peshawar, em marchas ou plantões, denunciando a escassez dos recursos destinados para sua sobrevivência básica.

“Exigimos a pronta repatriação aos nossos lares ancestrais já que nossas vidas ficaram perdidas”, ressaltou Shah Faisal, um refugiado da agência Jiber que vive em um acampamento em JP. “Saímos de nossa casa pelo bem da paz, mas a paz continua nos evitando”, acrescentou. “Em casa tínhamos terra para plantar que produzia comida suficiente para nós. Vendíamos o grão e as verduras excedentes para ter uma renda, mas agora estamos nos convertendo em mendigos”, queixou-se. Envolverde/IPS