São Salvador, El Salvador, 20/3/2015 – Companhias têxteis que confeccionam roupas para marcas transnacionais em El Salvador são acusadas de contratar gangues para ameaçar de morte os trabalhadores e quebrar seus sindicatos, segundo denúncias de pessoas afetadas obtidas pela IPS e por organizações internacionais.
Trabalhadoras que pediram para não serem identificadas disseram que desde 2012 as ameaças no setor se intensificaram, aproveitando-se do clima de violência que impera nesse país centro-americano. “Telefonavam para mim dizendo para que saísse do sindicato, que deixasse de ser revoltada”, contou à IPS uma empregada da empresa LD El Salvador, localizada na Zona Franca de San Marcos, um complexo de fábricas ao sul desta capital.
Ela trabalha como costureira desde 2004 e está filiada ao Sindicato da Indústria Têxtil Salvadorenha (Sits). Cerca de 780 pessoas trabalham na companhia, de capital coreano, que produz peças de roupa para as firmas Náutica e Walmart. “Disseram que eram integrantes de gangues e que se eu não saísse apareceria pendurada em uma das árvores que há fora da empresa”, acrescentou.
Ela também revelou que os executivos da LD contrataram membros de gangues para que as ameaças fossem feitas diretamente aos trabalhadores filiados ao Sits, dentro das instalações. As advertências tiveram efeito, contou a funcionária, pois, dos 155 filiados ao sindicato, apenas 60 aguentaram, temendo ser vítimas dessas organizações criminosas também conhecidas como maras, responsáveis por boa parte dos assassinatos diários que assombram o país.
El Salvador, com 6,3 milhões de habitantes, é um dos países mais violentos do continente americano. O ano passado fechou com 3.912 mortes violentas, uma taxa de 63 homicídios para cada cem mil pessoas. “Telefonavam e me diziam que eu seria encontrada dentro de um saco preto, se não desistisse do sindicato. Como eram os primeiros telefonemas que recebíamos, fiquei muito nervosa e preocupada”, disse à IPS outra trabalhadora que resiste no Sits.
As empresas maquiadoras têxteis, dedicadas à confecção para exportação com matéria-prima importada, operam nas 17 zonas francas do país, áreas sem tarifas alfandegárias para matéria-prima importadas, com isenções tributárias e outros incentivos. Os clientes são marcas como Nike, Puma ou Adidas, entre outras.
Em 2014, o setor gerou mais de 74 mil empregos, a grande maioria de mulheres, que representam 12% dos 636 mil postos de trabalho do setor privado. Suas exportações somaram US$ 2,4 bilhões, metade das vendas totais salvadorenhas ao exterior, segundo dados do setor.
Desde sua proliferação na década de 1990 se questiona os tratamentos desumanos e as violações dos direitos trabalhistas dos trabalhadores. “Um dos direitos mais violados é o da livre sindicalização”, afirmou à IPS o secretário de organização da Federação Sindical de El Salvador, Reynaldo Ortiz. “E agora recorrem às ameaças para quebrar os sindicatos”, acrescentou.
Em janeiro, o Centro dos Direitos Trabalhistas Globais, da Penn State University, e o Consórcio dos Direitos dos Trabalhadores, ambos dos Estados Unidos, publicaram o informe Alianças Nefastas, no qual descrevem como continua sendo minada a organização sindical nas empresas maquiadoras da confecção em El Salvador. Também destacaram, com evidências de casos específicos, as intimidações contra sindicalistas por parte das gangues.
“Essas ameaças têm um efeito paralisante sobre a liberdade de associação, tanto pela longa história do país de assassinatos de ativistas sindicais, como pelo fato de que a sociedade salvadorenha, em geral, está marcada pela violência das maras”, diz o informe, de 46 páginas. Vários incidentes ocorreram em janeiro de 2013 com trabalhadores da empresa F&D, de capital taiwanês, também na Zona Franca de San Marcos, acrescenta.
Em um dos casos, dois gerentes da empresa acompanhados de um membro das maras se aproximaram de vários trabalhadores que estavam falando fora da fábrica e o executivo começou a mostrar ao delinquente quais eram os líderes sindicais. Tão evidente é a participação das maras, contou uma das trabalhadoras da LD, que, em novembro de 2013, durante uma reunião de membros do sindicato com gângsteres, planejada para esclarecê-los sobre as lutas trabalhistas que perseguem, alguns destes chegaram com o pessoal da direção da companhia.
Em janeiro de 2014 foi assassinado em circunstâncias pouco claras Juan Carlos Sánchez, um dos trabalhadores que participou daquele encontro, disse uma trabalhadora, acrescentando que apresentou as respectivas denúncias à Procuradoria Geral da República, mas a investigação nunca prosperou.
A IPS não conseguiu comentários por parte de representantes da F&D e LD sobre essas ilegalidades. Tampouco funcionários do Ministério do Trabalho responderam ao pedido de entrevistas sobre o tema. Outro caso de ameaças ocorreu com ativistas do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadores, Alfaiates, Costureiras e Similares (Sitrasacosi), que mantém atividade, entre outras, na empresa têxtil Nemtex, localizada a oeste de São Salvador.
“Eram homens armados que esperavam em carros na porta da empresa, nunca disseram nada, era mais como intimidação, pressão psicológica”, revelou uma integrante desse sindicato. Ela acrescentou que em fevereiro um dirigente da entidade, que trabalha na Nemtex, foi ameaçado de morte por criminosos que foram à sua casa. No final de fevereiro o sindicalista teve que fugir para os Estados Unidos.
A ativista do Sitrasacosi afirmou que os empresários têm aversão aos sindicatos e à assinatura de contratos coletivos de trabalho. O Sindicato de Trabalhadores da Empresa Confecções Gama negociava um contrato coletivo de trabalho com a companhia, que seria o primeiro do setor da indústria maquiadora têxtil, contou. Mas, repentinamente, a empresa encerrou suas operações, em junho de 2011, deixando mais de 270 funcionários sem trabalho.
“Preferiram fechar a fábrica do que assinar um acordo coletivo. Para eles seria criar um mau precedente”, pontuou a integrante do Sitrasacosi. Graças ao trabalho da Liga Sindical Internacional para Responsabilizar as Marcas, que pressiona para que sejam cumpridos os direitos trabalhistas nas maquiadoras do mundo, em dezembro de 2012 se conseguiu que os proprietários da Gama pagassem indenização pelo fechamento, assegurou.
Outros direitos trabalhistas e humanos continuam sendo violados nas maquiadoras têxteis, destacou à IPS a especialista Carmen Urquilla, da Concertação por um Emprego Digno para as Mulheres. Entre eles, a apropriação ilegal dos descontos dos trabalhadores para pagamento da assistência social e créditos bancários, um fenômeno que ainda acontece, embora em menor escala do que em anos anteriores, acrescentou.
Segundo Urquilla, há muito trabalho forçado nas maquiadoras, já que as mulheres recebem metas de produção muito altas, e para cumpri-las devem trabalhar cerca de 12 horas por dia. Essas horas extras não são pagas, e só recebem uma bonificação de US$ 10 por metas cumpridas. O salário mínimo nas maquiadoras do setor de confecção é de US$ 210 mensais.
“É pesado, muitas mulheres sofrem deficiências para o resto de suas vidas, por causa de transtornos músculo-esquelético, lesões nos ombros, nas pernas, gente que não consegue se vestir sozinha”, afirmou Urquilla. Uma operária de uma maquiadora, que pediu para não identificar a empresa onde trabalha, contou à IPS que sua meta é costurar 1.110 pares de mangas de camisa em dez horas. Envolverde/IPS