O que entra pelos ouvidos pode fazer diferença para a nossa saúde

[media-credit name=”FreeDigitalPhotos.net” align=”alignright” width=”300″][/media-credit]Minha grande amiga Dani, que nasceu e viveu em Brasília por 40 anos, agora está morando no Rio de Janeiro e está impressionada com o tanto que o carioca buzina. Ela ficou se perguntando se esse excesso de ruído nas ruas não teria influência sobre a saúde das pessoas.

As pesquisas realizadas sobre este assunto mostram resultados conflitantes, e, por isto, uma análise em conjunto dos oito principais estudos foi realizada por pesquisadores alemães e publicada na última edição do periódico especializado Noise & Health. Mais de 20 mil indivíduos fizeram parte desse estudo e a conclusão foi a de que a sensação subjetiva de incômodo causada pelo barulho das ruas mexe, sim, com a saúde das pessoas, aumentando de forma significativa o risco de hipertensão arterial e de forma quase significativa a chance de apresentar infarto do coração.

Já sabemos também que o risco de doenças do coração é duas vezes maior em quem trabalha em um ambiente com alto nível de ruído. A exposição a um exagero de barulho pode ser um fator estressante comparável ao estresse psicológico, podendo levar a alterações no sistema nervoso autônomo e endócrino, que promovem a redução de calibre de pequenas artérias, aumentando a pressão arterial e o risco de angina e infarto do coração.

É importante ressaltar que o nível de incômodo com o barulho varia muito de pessoa para pessoa, e esta experiência é, a princípio, o fator mais relevante. Entretanto, há estudos que apontam maior risco de hipertensão arterial mesmo entre aqueles que se dizem não incomodados com o barulho, sugerindo que ruído em excesso mexe com o corpo e a mente mesmo que de forma inconsciente. Mais um exemplo disto é o fato de que uma noite de sono barulhenta aumenta a pressão arterial e a frequência cardíaca. Além disto, as crianças, que podem parecer não se incomodar tanto com o barulho, também são suscetíveis ao aumento da pressão arterial com ruídos em excesso. Na verdade, as pesquisas revelam que as crianças se sentem incomodadas, sim, com o barulho.

Não é difícil imaginar que muito barulho também atrapalhe o desempenho cognitivo.  Entre adultos, há evidências de piora da memória e de funções executivas durante a exposição ao barulho e mesmo um pouco depois de sua suspensão. As crianças são ainda mais vulneráveis, já que estão em franco processo de desenvolvimento cognitivo e os estudos apontam que múltiplas dimensões da cognição são afetadas por um ambiente cronicamente barulhento, como é o caso da atenção, motivação, memória e linguagem, chegando ao ponto de entenderem menos aquilo que leem.

Esta alta exposição a ruídos pode levar a um comportamento mais agressivo, reduzindo a capacidade de cooperação, o que pode se refletir no trânsito como um círculo vicioso. Mais ruído, mais intolerância, mais buzina, mais intolerância, mais acidentes… Vale lembrar que as ruas mais barulhentas são aquelas com maior emissão de poluentes, que além de afetarem o sistema respiratório, também estão associados à exacerbação da aterosclerose e consequente aumento de doenças vasculares, como o infarto do coração e o derrame cerebral.

A saúde do homem não deve ser medida só por aquilo que entra pela boca e pelo quanto ele se movimenta, mas também pelas experiências sensoriais. No que diz respeito àquilo que entra pelos ouvidos, penso não só em ruídos, mas também no conteúdo das interações sociais, na música e demais artes que se comunicam com som. A busca do equilíbrio dessas sonoridades merece todo o nosso empenho.

* Ricardo Teixeira é doutor em Neurologia e pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Dirige o Instituto do Cérebro de Brasília e é o autor do blog ConsCiência no Dia-a-Dia.

** Publicado originalmente no site O que eu tenho.