Em 2006, quando a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e algumas ONGs ambientalistas (WWF, Greenpeace, CI, etc.) discutiam fraternalmente a construção de uma moratória para estancar o desmatamento na Amazônia, o movimento popular, Frente em Defesa da Amazônia (FDA), de Santarém, participou de três encontros com as negociadoras da moratória. A proposta fraterna era criar uma moratória de dois anos, com possibilidade de extensão por mais um ano, durante a qual as comercializadoras de grãos não comprariam nenhuma commodity do agronegócio, em terras que fossem desmatadas.
Nas três reuniões que a FDA tomou parte, foi apresentada a sua proposta de uma moratória de dez anos, em vez de dois e, a partir de 2003, em vez de 2006. A razão da proposta era simples. Os membros da FDA são todos nativos da Amazônia, filhos de pequenos agricultores e trabalhadores na região. Tinham a experiência de que na Amazônia não se derruba mata virgem e logo planta espécies exóticas, como é a soja lá. Primeiro a floresta é derrubada e amansada, plantando mandioca, milho e arroz. No segundo ano, a terra é limpa e se planta mandioca e feijão. Só a partir do terceiro ano de amansamento da terra é que se planta a soja e outras espécies exóticas.
Diante da proposta do movimento popular de Santarém, os representantes da Abiove logo reagiram, dizendo que estavam com boa vontade de cuidar do meio ambiente e que dez anos era exagero. Caso dois anos não fossem suficientes, se prolongaria a moratória por mais um ano. As ONGs presentes também acharam que a FDA exagerava e que se devia negociar os dois anos, pois já era um avanço de diálogo entre as grandes empresas multinacionais (Bunge, Cargill, ADM, Maggi, ECT) aceitarem dialogar com os defensores do meio ambiente. Ao final do terceiro encontro, os representantes da Frente em Defesa da Amazônia se retiraram do tal diálogo.
A razão da retirada foi a percepção de que a moratória de dois anos era uma farsa para acalmar a pressão dos compradores internacionais dos produtos do agronegócio brasileiro (Mc Donald’s, Unilever, etc.). Algumas ONGs se ofenderam com a retirada do movimento popular de Santarém e a acusação de farsa da moratória.
O tempo passou, a moratória começou em julho de 2006, e, ao chegar julho de 2008, os promotores prolongaram por mais um ano, depois que um relatório do Greenpeace constatou que teria havido desobediência de vários plantadores de soja, que derrubaram matas durante o período combinado. Houve de fato um esfriamento no desmatamento nos anos 2006 a 2009, que não foi resultado da tal moratória. Houve neste período também a grave crise financeira internacional que atingiu o comércio do agronegócio exportador do Brasil; houve uma queda no preço da soja no mercado internacional, o que contribuiu certamente para o aclamado sucesso da moratória da soja.
No entanto, não mais se falou na questão nos anos seguintes, parecia que o problema do desmatamento na Amazônia havia sido controlado. Infelizmente, apesar da moratória, o desmatamento na Amazônia voltou a ser alarmante nos dois últimos anos. Vejamos o que diz a estatística dos medidores confiáveis, Inpe e Imazon.
Esta afirmação está no blog Lingua Ferina do agrônomo do Incra, Cândido Cunha.
“Inpe confirma: explosão do desmatamento em Mato Grosso e Pará.
O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) divulgou hoje (18 de maio) os dados do desmatamento dos meses de março e abril de 2011. De acordo com o Inpe, foram detectados 593 km² de desmate nesses dois meses. Desses, 261 km² foram de corte raso – total supressão da floresta –, e o restante foi degradação florestal. Os dados confirmam o boletim divulgado ontem pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que mostrou uma explosão no desmatamento em Mato Grosso. Apenas no Estado, o Inpe detectou 480 km² de desmatamento, 80% do total.
Em toda a Amazônia, foram 115,6 km² detectados em março e 477,4 km² em abril. O Instituto não recomenda a comparação dos números com os dados de outros meses, já que a cobertura de nuvens em cada mês é diferente. Entretanto, os números de 2011 são expressivamente maiores do que os do ano passado: em 2010, o sistema detectou apenas 51,7 km² de desmatamento em março e 51,8 km² em abril. Os dados do Inpe são utilizados pelo governo para suporte à fiscalização e controle de desmatamento. Os números consolidados, do sistema Prodes, devem ser divulgados em agosto.
Estados
O desmatamento nos outros Estados da Amazônia foi consideravelmente menor do que o de Mato Grosso. Entretanto, ainda assim foram maiores que no mesmo período do ano passado. Além disso, a cobertura de nuvens impediu o monitoramento em grande parte da região. No Pará, por exemplo, foram detectados 67,2 km² de desmatamento, e o sistema só conseguiu monitorar o Sul do Estado. Rondônia desmatou 41,3 km² de florestas. Nos outros Estados, somados, não foi detectado mais que 4 km². Os pesquisadores do Inpe, Gilberto Câmara e Dalton Valeriano, junto com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, convocaram uma coletiva de imprensa para hoje a tarde, para comentar os dados divulgados.”
Diante deste crescimento do desmatamento na Amazônia, surgem algumas desculpas de uns jogando a responsabilidade para outros. São acusados os fazendeiros, também os ruralistas, mas os plantadores de soja estão calados, a Abiove se faz de morta, as grandes ONGs não falam mais na moratória. Por que falar? O que se sabe é que, com o alívio da crise financeira internacional, o preço da soja voltou a subir e a exportação da commodity vai de vento em popa. Pelo porto da Cargill em Santarém, falam em um milhão de toneladas de soja embarcadas no ano de 2010. Está havendo aumento de desmatamento e plantio de soja na região de Santarém? À boca pequena se fala pela cidade que sim, mas o Greenpeace não apareceu mais para fazer pesquisa e relatório. Daí que fica valendo a afirmação da Frente em Defesa da Amazônia em 2006: “a moratória da soja é uma farsa para inglês ver”. E assim, continua o capital devorando as florestas e as culturas amazônicas.
* Edilberto Sena é pároco diocesano e militante da Frente em Defesa da Amazônia, em Santarém (PA).
** Publicado originalmente pela Frente em Defesa da Amazônia e retirado do site Mercado Ético.