Washington, Estados Unidos, 6/6/2011 – Cada vez mais mulheres erguem a voz contra o regime e são vítimas de violência no Irã. Haleh Sahabi é a última mártir. Ela morreu aparentemente de parada cardíaca no dia 1º, quando as forças de segurança tentavam interromper o funeral de seu pai em Teerã. Ela havia conseguido autorização para sair da prisão – onde cumpria condenação de dois anos por defender os direitos humanos – para ir ao enterro. A imagem que a mostra carregando uma fotografia de seu pai, o conhecido ativista pelos direitos humanos Ezatollah Sahabi pouco antes de sua morte, se converteu em um dos vários ícones do descontentamento que ferve no Irã.
O papel das mulheres nas manifestações no Oriente Médio surpreende e se expande. Da Praça Tahir, no Cairo, à de Azadi, em Teerã, marcharam lado a lado com os homens, ou à frente deles, gritando palavras de ordem em defesa da democracia, pedindo maior liberdade pessoal. Desde que começaram os protestos na República Islâmica, há dois anos, após as disputadas eleições presidenciais, 10% das pessoas detidas por motivos políticos são mulheres, disse Hadi Ghaemi, diretor da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã.
Cem dos 500 iranianos processados e cumprindo condenação são mulheres, além de outras 500 detidas que aguardam julgamento, acrescentou Hadi. Várias das pessoas que perderam a vida em confrontos de rua ou foram executadas pelo regime nos últimos dois anos foram mulheres. A mais conhecida é Neda Agha-Soltan, estudante de filosofia de 27 anos, que recebeu um disparo mortal no dia 20 de junho de 2009 em Teerã. Imagens de sua morte circularam na época em redes sociais na internet.
Entre os presos políticos de maior destaque está Nasrin Sotoudeh, advogada de 48 anos, condenada em janeiro a 11 anos de prisão por seu desempenho profissional. Na semana passada, escreveu ao seu marido, Reza, uma carta que acabou em sites da oposição, na qual diz que, longe de se sentir sozinha na prisão, vivia “um novo ambiente” criado por suas companheiras. “A existência é, às vezes feliz e frágil, às vezes tranquila e recatada, e às vezes vigilante e analítica, mas sempre tolerante e disposta ao compromisso. Uma tolerância que pode nos ajudar a atingir nossos objetivos”, diz na carta.
As mulheres participaram e morreram nos grandes levantes políticos do Irã, da Revolução Constitucional, de 1905 a 1911, à Revolução Islâmica, de 1978 a 1979. Antes, costumavam caminhar atrás ou separadas de seus maridos, disse Haleh Esfandiari, diretora do programa para o Oriente Médio do Centro Internacional Woodrow Wilson. Em 2009, estiveram na frente com eles. Haleh, que esteve presa, em 2007, durante quatro meses por duvidosas acusações de promover uma “revolução de veludo” no Irã, disse em seu livro “Vidas Reconstruídas”, de 1997, que as mulheres tiveram que se reinventar depois da Revolução de 1979.
Não gozam de igualdade legal, mas sabem ser as provedoras do lar e tomar decisões se seus maridos perdem o emprego, estão muito deprimidos ou foram enviados para lutar na guerra com o Iraque (1980-1988). Impulsionadas, e até obrigadas, a fazerem parte de manifestações favoráveis ao governo, as mulheres se acostumaram a participar da política. Elas tiveram um papel destacado durante as campanhas presidenciais de 1997 e 2001 do clérigo reformista Mohammad Khatami, e também participaram da eleição de Mir Hossein Mousavi, ex-primeiro-ministro que bateu de frente com o atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad.
Mousavi prometeu acabar com a desigualdade no direito de herança, de testemunho judicial e de custódia dos filhos, restrições impostas às mulheres pelo regime islâmico. A participação de sua talentosa mulher, Zahra Rahnavard, ex-presidente da Universidade de Alzahra, na campanha foi um fator importante, que lhe valeu o apoio feminino.
Outras mulheres, como a advogada especializada em direitos humanos Shirin Ebadi, que em 2003 se converteu na primeira muçulmana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, lutou para recuperar a igualdade. A Campanha na Internet por Um Milhão de Assinaturas foi iniciada em 2006 por defensoras dos direitos legais das mulheres. A maior participação das iranianas se deve a numerosos fatores, disse Farzaneh Milani, professora de literatura persa e de estudos sobre mulher e gênero da Universidade de Virginia, nos Estados Unidos. Os direitos das mulheres foram limitados desde 1979, mas também experimentaram “benefícios colaterais”, afirmou.
Mulheres de famílias religiosas tradicionais, que evitavam a educação superior, na época do Xá voltaram às universidades quando foram obrigadas a usar véu e os lugares públicos discriminados segundo o sexo. Atualmente, 64% dos estudantes universitários são mulheres, disse Farzaneh. “Esse não foi o objetivo das autoridades, mas o resultado”, destacou. Os paradoxos e as contradições da sociedade iraniana quanto às mulheres incentivam o ativismo.
“As mulheres podem votar e se candidatar a altos cargos, mas devem seguir um código de vestimenta obrigatório. Podem dirigir automóveis, inclusive táxi, caminhão de bombeiro, entre outros, mas não podem andar de bicicleta”, escreveu Farzaneh em seu último livro sobre escritoras iranianas “Palavras, não Espadas”. “Entraram no cenário mundial como Prêmio Nobel, ativistas pelos direitos humanos, escritoras, diretoras premiadas de cinema e indicadas para o Oscar, mas não podem entrar nas repartições públicas pela mesma porta que entram os homens”, ressaltou. O fato de haver tantas mulheres presas no Irã mostra que são uma ameaça crescente para o regime, disse Farzaneh. “Ninguém pode deter este movimento. O gênio saiu da garrafa”, ressaltou. Envolverde/IPS