A peste integralista no Brasil

É direito constitucional crer que os homossexuais queimarão no inferno. Ou que os negros descendem de macacos e os arianos de cisnes brancos. É lícito crer que o fato de Karl Marx ter escrito O Capital comprova que o judeu só pensa em dinheiro. Ninguém pode ser reprimido por pensar que a mulher é um ser incompleto. Sequer há crime em sentir-se atraído por criança. As concepções e as pulsações individuais são direitos individuais inarredáveis, por exóticas e desviadas que sejam.

É socialmente inaceitável que homofóbicos, racistas, pedófilos, misóginos e assemelhados afirmem positivamente suas concepções e impulsos, com palavras ou ações, ferindo comunidades frágeis ou discriminadas e, por meio delas, a sociedade como um todo. Realidade que a lei toma crescentemente consciência, ao punir em forma cada vez mais ampla o racismo antinegro, o antissemitismo, o sexismo, a pedofilia e, ultimamente, a homofobia.

Preceitos religiosos não justificam atos antissociais. Quem incentivar ou praticar o bíblico “olho por olho, dente por dente” terminará diante do delegado. Ninguém defende hoje a condenação à morte do adúltero e da adúltera – que despovoaria nosso país! Todos concordam que não teríamos vereadora, governadora ou presidenta, se seguíssemos a ordem da Bíblia que as mulheres “sejam submissas aos maridos” e “fiquem caladas nas assembléias (…)”!

O integralismo – evangélico, católico, mulçumano, judaico, etc. – não nasce da vontade de respeitar estritamente preceito religioso. Ele exacerba a consciência alienada e ferida das populações para propagandear conservadorismo que viabiliza seus objetivos políticos, ideológicos e econômicos. A família real saudita é a mais pia, a mais conservadora e a mais rica do Oriente. Edir Macedo construiu reino nesta terra prometendo a salvação na outra. Se fosse pelo papa, ele seguiria mandando sobre Roma, onde ninguém teria votado neste domingo!

O proselitismo integralista luta para formatar a sociedade segundo o seu arbítrio e a sua autoridade, apoiado no que diz ser a vontade divina inquestionável. Ancora seu reacionarismo na negação obscurantista da racionalidade como padrão de convivência e de organização social. Os integralismos comungam na defesa da superioridade da revelação sobre a razão; da autoridade sobre a autonomia; da tradição sobre o progresso. Em sua militância, recebem o apoio magnânimo dos grandes interesses econômicos, no Brasil e através do mundo, interessados na conservação dos privilégios sociais.

No Brasil, o integralismo mobiliza-se contra o divórcio, contra a interrupção voluntária da gravidez, contra o reconhecimento civil da homoafetividade, contra a escola laica, pública, de qualidade, contra os direitos plenos da mulher, etc. Tudo em defesa da ordem natural, determinada pelos céus, onde reinam indiscutidos o patriarca sobre a mulher e os filhos, o patrão sobre os trabalhadores, os governadores sobre os governados, o pastor e o sacerdote sobre os fiéis.

No Brasil, avança a galope desenfreado o integralismo religioso, expandindo sua peste, suas sombras e suas tristezas sobre a mídia, sobre a educação, sobre a política, sobre o lazer, sobre a educação, etc., com o apoio oportunista e interessado de autoridades e representantes públicos. Recua o laicismo acanhado, parido em 1889 pela República elitista, e apenas estendido, à custa de duras lutas, neste pouco mais de meio século.

* Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo (UPF). – [email protected].

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.

 

A peste integralista no Brasil

Escrito por Mário Maestri

É direito constitucional crer que os homossexuais queimarão no inferno. Ou que os negros descendem de macacos e os arianos de cisnes brancos. É lícito crer que o fato de Karl Marx ter escrito O Capital comprova que o judeu só pensa em dinheiro. Ninguém pode ser reprimido por pensar que a mulher é um ser incompleto. Sequer há crime em sentir-se atraído por criança. As concepções e as pulsações individuais são direitos individuais inarredáveis, por exóticas e desviadas que sejam.

É socialmente inaceitável que homofóbicos, racistas, pedófilos, misóginos e assemelhados afirmem positivamente suas concepções e impulsos, com palavras ou ações, ferindo comunidades frágeis ou discriminadas e, por meio delas, a sociedade como um todo. Realidade que a lei toma crescentemente consciência, ao punir em forma cada vez mais ampla o racismo antinegro, o antissemitismo, o sexismo, a pedofilia e, ultimamente, a homofobia.

Preceitos religiosos não justificam atos antissociais. Quem incentivar ou praticar o bíblico “olho por olho, dente por dente” terminará diante do delegado. Ninguém defende hoje a condenação à morte do adúltero e da adúltera – que despovoaria nosso país! Todos concordam que não teríamos vereadora, governadora ou presidenta, se seguíssemos a ordem da Bíblia que as mulheres “sejam submissas aos maridos” e “fiquem caladas nas assembléias (…)”!

O integralismo – evangélico, católico, mulçumano, judaico, etc. – não nasce da vontade de respeitar estritamente preceito religioso. Ele exacerba a consciência alienada e ferida das populações para propagandear conservadorismo que viabiliza seus objetivos políticos, ideológicos e econômicos. A família real saudita é a mais pia, a mais conservadora e a mais rica do Oriente. Edir Macedo construiu reino nesta terra prometendo a salvação na outra. Se fosse pelo papa, ele seguiria mandando sobre Roma, onde ninguém teria votado neste domingo!

O proselitismo integralista luta para formatar a sociedade segundo o seu arbítrio e a sua autoridade, apoiado no que diz ser a vontade divina inquestionável. Ancora seu reacionarismo na negação obscurantista da racionalidade como padrão de convivência e de organização social. Os integralismos comungam na defesa da superioridade da revelação sobre a razão; da autoridade sobre a autonomia; da tradição sobre o progresso. Em sua militância, recebem o apoio magnânimo dos grandes interesses econômicos, no Brasil e através do mundo, interessados na conservação dos privilégios sociais.

No Brasil, o integralismo mobiliza-se contra o divórcio, contra a interrupção voluntária da gravidez, contra o reconhecimento civil da homoafetividade, contra a escola laica, pública, de qualidade, contra os direitos plenos da mulher, etc. Tudo em defesa da ordem natural, determinada pelos céus, onde reinam indiscutidos o patriarca sobre a mulher e os filhos, o patrão sobre os trabalhadores, os governadores sobre os governados, o pastor e o sacerdote sobre os fiéis.

No Brasil, avança a galope desenfreado o integralismo religioso, expandindo sua peste, suas sombras e suas tristezas sobre a mídia, sobre a educação, sobre a política, sobre o lazer, sobre a educação, etc., com o apoio oportunista e interessado de autoridades e representantes públicos. Recua o laicismo acanhado, parido em 1889 pela República elitista, e apenas estendido, à custa de duras lutas, neste pouco mais de meio século.

Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo (UPF). – [email protected]