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Aviões não tripulados dos Estados Unidos contra a Al Quaeda

Washington, Estados Unidos, 16/6/2011 – Cada vez mais preocupado com a possibilidade de a rede islâmica Al Qaeda aproveitar o caos político no Iêmen, o governo dos Estados Unidos ordenou à Agência Central de Inteligência (CIA) que realize ataques com aviões não tripulados contra combatentes islâmicos. A nova ofensiva, informada esta semana pelos jornais The Wall Street Journal e The Washington Post, marca uma nova etapa na luta contra essa organização terrorista, considerada a principal ameaça aos Estados Unidos.

Até agora, os ataques norte-americanos contra suspeitos de terrorismo no Iêmen foram feitas por forças militares sob as regras de combate, mais rígidas do que as ações realizadas pela CIA, com seu programa de aviões não tripulados no Paquistão. O novo programa seguirá o modelo do realizado sobre território paquistanês, que matou cerca de 1.400 supostos membros da Al Qaeda e do movimento islâmico Talibã, segundo o The Wall Street Journal. Entretanto, especialistas alertam que essa modalidade de ataque pode aumentar os sentimentos antinorte-americanos, como ocorreu no Paquistão.

“É altamente provável que, em meio ao caos no Iêmen, a morte vinda do céu tenha como revés o recrutamento de mais membros para a Al Qaeda e acabe com qualquer ganho tático”, disse Ken Gude, diretor-gerente do programa de Segurança Nacional do Centro para o Progresso Norte-Americano. “A melhor forma de minar os avanços da Al Qaeda é ajudar a resolver a crise política em Sana’a o mais rápido possível”, acrescentou.

A crise no Iêmen, que começou com protestos estudantis em janeiro e se transformou em uma forte luta de poder entre facções, agravou-se no mês passado, quando os combates entre forças leais ao presidente Ali Abdullah Saleh e os aliados da poderosa família Al Ahmar levaram o país à beira da guerra civil.

Entretanto, desde a tentativa de assassinato de Saleh, no dia 3, e sua saída para receber tratamento urgente dos ferimentos na Arábia Saudita, as partes em conflito acataram um cessar-fogo na capital, e o vice-presidente, Abed Rabbo Mansour Al Hadi, com ajuda de diplomatas do Golfo e dos Estados Unidos, busca acalmar as tensões. Al Hadi se reuniu no dia 13, pela primeira vez, com representantes da oposição.

Washington, que demorou para se afastar de Saleh – em parte devido à sua cooperação contra o terror –, apoiou um plano do Conselho de Segurança do Golfo, liderado pela Arábia Saudita, sob o qual o presidente abandonaria o cargo em troca de imunidade. Saleh, cujos ferimentos parecem ser mais graves do que se informou inicialmente, aceitou e rejeitou três vezes o acordo. A família presidencial segue aferrada ao poder e dirigindo as unidades militares de elite, o que preocupa Washington quanto a uma guerra civil aberta.

No caos das últimas semanas, o governo de Saleh perdeu o controle de grande parte do território iemenita, e o vazio de poder resultante permitiu à Al Qaeda, bem como a vários outros grupos islâmicos e tribais, expandir sua influência. De fato, quando Saleh foi perdendo poder na capital, desviou suas unidades antiterroristas para se proteger, o que não agradou os Estados Unidos, que gastaram mais de US$ 300 milhões em treinamento e equipamento dessas forças nos últimos cinco anos.

“O espaço operacional da Al Qaeda aumenta cada vez mais”, alertou Christopher Boucek, especialista em Iêmen da Fundação Carnegie para a Paz Internacional. “Conforme retrocede a autoridade do Estado, o espaço da Al Qaeda para criar e montar operações fica maior”, afirmou.

Washington está particularmente preocupado pelos últimos avanços das forças islâmicas, sendo que se acredita que algumas estão vinculadas à Al Qaeda, no Sul do país, perto do Golfo de Aden, particularmente na província de Abiyan, onde teriam tomado, no mês passado, o controle de duas localidades, incluindo a capital, Zinjibar.

É neste contexto que a administração de Barack Obama teria ordenado que a CIA operasse, em coordenação com o Comando Especial Conjunto de Operações, que treinou e trabalhou com as unidades antiterroristas do Iêmen. A filial da Al Qaeda na Península Arábica é considerada uma das mais perigosas dessa rede. Estaria implicada em atentados em território dos Estados Unidos: a morte de um major do exército e de mais 12 pessoas em Fort Hood, no Estado do Texas, em novembro de 2009; o frustrado ataque contra um avião de passageiros que se dirigia a Detroit, no Natal de 2009; e o abortado ataque contra um avião de carga norte-americano, em outubro passado.

Washington já utilizou aviões não tripulados contra objetivos no Iêmen no passado, principalmente em 2002, quando atacou um automóvel que transportava um suposto alto membro da Al Qaeda. Em dezembro de 2009, um míssil cruzeiro norte-americano, supostamente disparado de uma embarcação, matou 52 pessoas, na maioria mulheres e crianças, levando o governo de Saleh, inicialmente, a qualificar o ocorrido de ataque contra um suposto acampamento de treinamento da Al Qaeda em Abiyan.

Seis meses depois, outro ataque, supostamente feito com avião não tripulado, matou o vice-governador da província de Maarib, Jaber Al-Shabwani, sua família e colaboradores, que estavam em uma missão mediadora com uma tribo em uma área onde a Al Qaeda estava ativa. Desde a morte, em 2 de maio, do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, em uma operação especial dos Estados Unidos no Noroeste do Paquistão, vários aviões não tripulados teriam feito diversos ataques contra suspeitos no Iêmen, incluindo ao menos um contra Anwar Awlaki, influente pregador islâmico.

Segundo o The Wall Street Journal, o atual programa é dirigido apenas contra indivíduos que se sabe que fazem parte da Al Qaeda. Segundo o critério usado pela CIA no Paquistão, entretanto, os objetivos podem ser escolhidos por seu “padrão de vida”, isto é, se suas atividades, registradas em uma constante vigilância, são consistentes com as dos combatentes islâmicos.

Isto preocupa Gude, para quem “os ataques aéreos norte-americanos são mal usados ou explicitamente manipulados por grupos locais para dirigi-los contra rivais”. O ataque errado que matou Al-Shabwani fez sua tribo responder destruindo um oleoduto que ainda não foi reparado, acrescentou.

“Cada vez que morrem civis, se faz mais mal do que bem”, afirmou, por sua vez, Boucek. “Faz com que o povo iemenita não queira mais cooperar. Afasta o governo do Iêmen porque parece que não estaria facilitando. Alimenta a radicalização e faz com que pareça que os norte-americanos só se preocupam com o terrorismo, que é algo muito pequeno se comparado com os desafios que o Iêmen enfrenta, que podem levar ao colapso do Estado”, acrescentou. Envolverde/IPS

* O blog de Jim Lobe sobre política externa pode ser lido em www.lobelog.com.