Paralisação estudantil contra uma educação em crise em um país do “primeiro mundo”.
Conversando com muitas pessoas, sempre que se fala no Chile, vem à mente um país desenvolvido, com crescimento, etc. Segundo alguns, no próximo período, o Chile deve ingressar no rol dos países considerados desenvolvidos. Porém, nos dias 26 de maio e 1° de junho, 40 mil estudantes, liderados pela Confederação de Federações de Estudantes do Chile (Confech), fizeram uma mobilização contra a mercantilização da educação. Ainda pautavam que a educação chilena vive uma crise. Bom, pensamos, tem boi na linha nessas informações. Vejamos.
Em Santiago do Chile, há muitas universidades, 80% delas privadas. Até aí nenhuma grande diferença da realidade brasileira em que 75% das vagas do ensino superior são oferecidas na rede privada. A questão é que mesmo as universidades públicas chilenas são pagas. Esta realidade faz parte da política do governo Piñera para o financiamento da educação. Nesse sentido, ao invés de financiar as Universidades, o governo concede um financiamento diretamente ao estudante, e ele define onde aplicar. Na prática, isto corresponde à desresponsabilização do Estado com a educação e vê o ensino apenas como um serviço prestado. Além disso, o ensino privado não possui qualquer tipo de regulamentação e prevalecem as regras do mercado na educação. E não existem espaços de diálogo do governo com a comunidade acadêmica. Para conseguir falar com o ministro de Educação e apresentar suas opiniões, é preciso colocar milhares de pessoas nas ruas. Aí surge uma questão mais, a da democracia.
De certa forma, no Brasil já faz parte do nosso cotidiano a produção de filmes sobre a ditadura militar. Assim, para que um filme sobre esse tema nos mobilize para vê-lo, há que tratar de algo novo, um tema até então não tratado ou de uma ótica ainda não vista. E isto é difícil. Estamos acostumados a ver nesses filmes cenas de policiais armados até os dentes reprimindo manifestantes nas ruas, com forte agressão física, prisão, etc. Ou as vemos em governos dirigidos por forças que se referenciam em uma ave com bico grande, ou ainda em alguns demos que ainda existem em algum canto por aí.
Pois bem, essas cenas foram revividas pelos estudantes chilenos. Policiais fortemente armados hostilizando os manifestantes, spray de pimenta no ar, criaram um clima pesado nas manifestações. Quando se encerrou o ato, entrou em cena uma espécie de tanque com um canhão d’agua e um autofalante de onde saía uma voz estridente dizendo que os estudantes tinham que sair da rua. Ao demorarem a sair, começaram as chuvas de bombas de gás lacrimogênio e os jatos d’agua para cima dos manifestantes. Foi nesse momento que as pessoas mais se assustaram, o comércio fechou e o corre-corre começou. Quem ficou para trás ou enfrentou os policiais sofreu as consequências.
As manifestações foram gravadas por um policial que identificou os manifestantes. Como se não bastasse tudo isso, no dia 1° de junho, os Carabineros do Chile entraram na Universidade de Santiago e reprimiram manifestantes que voltavam da marcha. O confronto fez com que os policiais saíssem da Universidade expulsos pelos estudantes. Uma vez fora dela, passaram a dar tiros com bala de borracha e lançar bombas de gás lacrimogênio para dentro da Universidade.
Os estudantes chilenos, da Confech, seguem mobilizados com o apoio dos reitores, professores e funcionários das universidades. Está em curso uma paralisação sem prazo definido para acabar e muitas universidades foram tomadas pelos estudantes. Um país é desenvolvido quando aplica um modelo soberano de desenvolvimento que promova a integração regional. Esse país deve ver ainda as univerisdades, não apenas como centros de formação de profissionais, mas sim, como um instrumento de produção científica e tecnológica a serviço de um projeto de país. Para isso, não pode ser a lógica mercantil a mandar na educação.
Esses foram marcos aprovados por estudantes, educadores, trabalhadores e autoridades na Conferência Regional de Educação Superior, em 2008, e na Conferência Mundial de Educação Superior, de 2009, e estão no centro da pauta de avanços do continente. Nesse sentido, um país com a história e o povo que tem o Chile não pode estar na contramão desse processo. Ainda, um modelo de desenvolvimento precisa conciliar desenvolvimento econômico e social e democracia. É fundamental o diálogo entre Estado e sociedade civil e a garantia da liberdade de organização e mobilização. Ou seja, a discussão é: de que tipo de desenvolvimento estamos falando?
* Mateus Fiorentini é representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) e no secretariado executivo da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae).
** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.