Fui a Bonn acompanhar a segunda semana das negociações da UNFCCC. Estava chateada por perder a primeira semana, mas depois essa decisão mostrou-se bastante acertada: os primeiros três dias foram dedicados a discussões sobre agenda e procedimentos e, segundo me contaram, havia um sentimento geral de frustração. As reuniões dos órgãos e grupos só tiveram início no dia 9 e seguiram nos dias 10 e 11, quando cheguei.

[media-credit name=”Marceleza” align=”alignright” width=”300″][/media-credit]Como entre Cancun e Durban estavam previstos só quinze dias de discussão, três dias são uma enorme e cara perda de tempo. Há um custo financeiro: passagens para a Alemanha, hospedagem, aluguel do local das reuniões, etc. Há ainda custo ambiental – emissões de voos de todas as partes do mundo para transportar negociadores. Quem paga tais custos? A sociedade, cuja sobrevivência está em risco na falta de uma resposta da UNFCCC para o problema do clima. Após questionamentos, foi decidida mais uma rodada de negociações antes da COP 17, talvez no Panamá. É fato: a UNFCCC está em crise existencial, embora alguns não o admitam.

Enfim, a realidade acima exposta não pareceu mais importante que conflitos sobre novos temas propostos ao Órgão de Assessoramento Técnico e Científico (SBSTA): mudanças climáticas e manejo integrado de recursos hídricos (demanda do Equador); blue carbon ou a capacidade de captura de carbono pelos oceanos (pleito de Papua Nova Guiné); “direitos da natureza” (países da Alba), e agricultura (Nova Zelândia e Canadá). Na plenária final, a blue carbon entrou na agenda de pesquisa e observação sistemática, enquanto manejo de recursos hídricos foi finalmente adotado.

Dentre os temas em discussão desde 2008 está a REDD+ (redução das emissões provenientes do desmatamento e degradação, conservação e incremento de estoques e manejo florestal sustentável), ou como as florestas em pé devem ser tratadas no regime do clima. A decisão do SBSTA faz recomendações de pontos sobre salvaguardas, monitoramento e MRV para os quais observadores e partes devem fazer recomendações para futuro trabalho (sim, é isso mesmo: recomendações sobre recomendações). No LCA (grupo de trabalho ad hoc sobre ação cooperativa de longo prazo) discutiram-se opções de financiamento (fundos e/ou mercados), sem conclusões. No tema de adaptação, a discussão versou sobre o conteúdo dos Planos Nacionais. Sobre financiamento discutiu-se um comitê para tratar das diversas fontes. Avançou-se no processo em detrimento de sua substância: compromissos visando a minimizar as consequências adversas da mudança do clima.

A discussão mais impressionante é a que vem ocorrendo no grupo que debate o “futuro” do Protocolo de Kyoto, cada vez mais improvável. Os Estados Unidos já o juraram de morte em 2003; não seria em 2011 que viriam a mudar de ideia. Na mesma linha seguiram Japão, Canadá, Austrália e Rússia, ao tornar público seu desinteresse na continuidade do sistema. A Europa, cuja postura é mais positiva, até topa conversar a respeito, mas nunca escondeu que toparia também um sistema alternativo que ainda não apareceu. O G77+China, grupo que abrange os países em desenvolvimento, faz da continuidade de Kyoto sua principal bandeira, desde que não sejam incluídos nele. Uma surpresa: a Nova Zelândia topa aderir ao Protocolo, o que seria motivo de comemoração se a parcela de emissões daquele país fosse relevante.

Por fim, só resta concluir que não há grandes expectativas para a COP 17, em Durban. Haverá avanços processuais em matérias onde brainstorming é necessário, como financiamento e transferência de tecnologias. Também será anunciada uma ou outra doação de recursos ao Fundo Verde criado em Cancun. Mas nenhum dos grandes emissores vai anunciar metas mais incisivas, ou grandes somas de recursos “novos e adicionais” para mitigação e adaptação à mudança do clima. Países em desenvolvimento de diferentes capacidades seguirão lutando em bloco por um status quo que refletia o mundo em 1997, não o atual. Um acordo sobre um teto global de emissões até 2020 ou 2050 é impossível a esta altura.

Avanços processuais são desejáveis, mas há um limite para o quanto se pode avançar sem substância. É como discutir os ingredientes da receita enquanto não se decidiu qual será o prato a servir, que na UNFCCC é a “cara” do regime após 2012. Infelizmente não será em Durban que veremos essa cara. A conversa continuará no Panamá, fará escala em Durban e seguirá até a COP 18, quando finalmente não será mais possível “crer” no Protocolo de Kyoto (ainda há alguns fiéis, dentre eles o Brasil). Enquanto isso, o problema do clima vai se agravando dia após dia, como demonstra a ciência, que infelizmente não consegue influenciar as negociações internacionais tanto quanto outros interesses.

* Fernanda Viana de Carvalho é doutora em Relações Internacionais e coordenadora de Políticas de Clima da TNC.

** As opiniões deste post são pessoais e não expressam a posição da instituição.

*** Publicado originalmente no site Ecopolítica.