Temos insistido, nesta coluna, que a ideia ingênua e simplista de que todos os nossos problemas seriam resolvidos com a redução da carga tributária é irrealista. Pela simples e boa razão que ela contraria a preferência “revelada” na Constituição de 1988.

Gostemos ou não, na Assembleia Nacional Constituinte, por seus representantes livremente escolhidos, a sociedade brasileira “revelou” o seu desejo de construir um processo civilizatório apoiado em três pilares:

1º) Um regime republicano onde todos, inclusive o poder incumbente, devem estar sujeitos à mesma lei;

2º) Um sistema de escolha democrático, em que o poder incumbente deve ser submetido, de maneira periódica, ao voto universal absolutamente desimpedido;

3º) Um processo de construção paulatina de uma sociedade razoavelmente justa que amplie, continuamente, a igualdade de oportunidades para todo cidadão pela universalização gratuita do direito à saúde e à educação, sem distinção de qualquer natureza (origem, etnia, religião, etc.).

Trata-se de um projeto grandioso (envolve uma necessária dose de utopia) que vale a pena perseguir.

Como é evidente, ele exige uma carga tributária maior que a dos países com o nosso mesmo nível de renda per capita, mas que têm objetivos menos ambiciosos.

Em compensação, tal construção precisa de um Estado enxuto preocupado prioritariamente com:

1º) A eficiência de seus agentes;
2º) O controle rigoroso e exigente das políticas públicas de transferência de renda.

O problema não é a alta tributação, mas o lamentável nível de sua devolução à sociedade, com serviços públicos oferecidos em pequena quantidade e baixa qualidade, que salta aos olhos nas comparações internacionais.

A complicação – nos três níveis de governo – não é propriamente a carga tributária, e sim a tragédia com os recursos que são dissipados pela ineficiência dos serviços públicos.

O grave é que este desperdício é mais manifesto na prestação de serviços de má qualidade na saúde e na educação, exatamente os setores críticos para o aumento da igualdade de oportunidades necessária para acelerar o desenvolvimento sustentável e inclusivo que o país mostrou desejar na Constituição de 1988.

A boa notícia é que a presidente Dilma Rousseff montou uma nova estrutura de apoio externo para tentar fazer mais e melhor com os recursos de que já dispõe o setor da saúde.

É o primeiro passo para a melhoria da gestão dos recursos públicos, exatamente no setor que o Brasil mais precisa.

* Delfim Netto é economista e escreve às quartas-feiras no jornal Folha de S.Paulo.

** Publicado originalmente no site EcoD.